“Vidas negras importam”

20 de novembro é Dia da Consciência Negra… É dia de luto (pelas vítimas do racismo) e de luta (por justiça social)… 75,5% das vítimas de homicídio em 2017 foram pessoas negras… No balanço geral, em 2018, os brancos ganhavam em média 73,9% mais do que pretos ou pardos… 66,7% da população carcerária do Brasil é negra. De cada três pessoas presas no Brasil, duas são negras… 75% das pessoas assassinadas pela polícia e 61% das mulheres vítimas de feminicídio de junho de 2019 a maio de 2020 nos estados de SP, RJ, BA, CE e PE são negras.O racismo não para por aí. Ele cria uma cultura racista que justifica e alimenta o racismo econômico, social, político e policial... Que a memória de Zumbi dos Palmares e de tantos lutadores e lutadoras do povo nos anime e nos comprometa sempre mais na luta contra toda forma de racismo e na construção de um grande quilombo de fraternidade, justiça e paz…

Confira, na íntegra, a reflexão do teólogo prof. dr. Francisco de Aquino Júnior:

20 de novembro é Dia da Consciência Negra.

Nessa data, fazemos memória de Zumbi dos Palmares – líder do Quilombo dos Palmares assassinado em 1695, denunciamos a falsa democracia racial no Brasil e reafirmamos a luta negra por direitos e justiça racial. É dia de luto (pelas vítimas do racismo) e de luta (por justiça racial).

O documento Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE de 2019 revela que “no balanço geral, em 2018, os brancos ganhavam em média 73,9% mais do que pretos ou pardos”. Para compreender esse dado é importante lembrar que “a presença dos pretos ou pardos é mais acentuada nas atividades agropecuárias (60,8%), na construção (62,6%), nos serviços domésticos (65,1%)”, enquanto os brancos têm uma presença mais acentuada em “administração pública, educação, saúde e serviços sociais” e em “informação, financeiras e outras atividades profissionais”.

Atlas da Violência 2019 revela que 75,5% das vítimas de homicídio em 2017 foram pessoas negras. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em outubro de 2020, revela que 66,7% da população carcerária do Brasil é negra. De cada três pessoas presas no Brasil, duas são negras. E, segundo relatório produzido pela Rede de Observatórios da Segurança, 75% das pessoas assassinadas pela polícia e 61% das mulheres vítimas de feminicídio de junho de 2019 a maio de 2020 nos estados de SP, RJ, BA, CE e PE são negras.

Mas o racismo não para por aí. Ele cria uma cultura racista que justifica e alimenta o racismo econômico, social, político e policial. Produz uma linguagem racista: “a coisa tá preta”, “mercado negro”, “lista negra”, “humor negro” etc. Produz um padrão de beleza racista: negro é feio, cabelo de negro é ruim (duro, bombril, pixaim), “parece um macaco” etc. Produz um humor racista (pense nas piadas racistas…). Produz um imaginário religioso racista: diabo/pecado é negro, “cor do pecado”, “negro de alma branca”, “será o benedito?”, “parece o cão chupando manga” – quantos anjos negros têm na coroação de Maria no mês de maio?

Tudo isso agride/violenta a dignidade das pessoas negras, considerando-as e fazendo com que elas mesmas se considerem pessoas inferiores (da senzala…): “ovelha negra”, “de gente só tem os dentes”, “só é gente quando está no banheiro”, “é negro, mas bom/honesto/limpo”, “reconheça seu lugar” etc. Chegamos ao ponto em que ofensa/agressão tenha se tornado sinônimo de comparação com negro: “denegrir” a imagem de alguém é reduzi-la à condição de negro…

E ainda tem gente que diz que não há racismo no Brasil. No fundo, essa negação do racismo é uma forma sutil de esconder o racismo que há entre nós (“não tenho nada contra negro, mas…”) e é muito útil para aos interesses das elites que precisam de pessoas inferiores para fazerem trabalho inferiores com salários inferiores (“são cheios de direitos”). Não por acaso, há tanta reação contra políticas públicas de afirmação de direitos da população negra como a “política de cotas” para negros nas universidades, no serviço público, nos partidos e como a “criminalização do racismo”.

O racismo é um atentado contra a dignidade das pessoas negras (violência/injustiça), contra a humanidade das pessoas e sociedades racistas (desumanidade) e contra Deus e seu reinado de fraternidade justiça e paz (pecado). Diante de tamanha injustiça, desumanidade e pecado, somos chamados à conversão pessoal e social que concretiza em relações de igualdade e fraternidade com o povo negro e em políticas e instituições de afirmação de direitos e combate a toda forma de racismo.

Que o grito de George Floyd nos EUA (“não consigo respirar”), do adolescente João Pedro no RJ (“eu estou aqui”), do menino Miguel em Recife (“eu quero minha mãe”) e de tantos negros e negras pelo Brasil e mundo afora não nos deixem “em paz”…

Que a memória de Zumbi dos Palmares e de tantos lutadores e lutadoras do povo nos anime e nos comprometa sempre mais na luta contra toda forma de racismo e na construção de um grande quilombo de fraternidade, justiça e paz…

Que o Espírito de Jesus de Nazaré faça ecoar em nós e em nossas comunidades seus “gemidos inefáveis” nos gemidos do povo negro. Que Ele renove a nós e a nossas comunidades e nos comprometa sempre mais na construção do reinado de Deus nesse mundo, no qual “vidas negras importam”…

AXÉ!!!

Sobre o autor:

Prof. dr. Francisco de Aquino Júnior

Francisco de Aquino Júnior possui graduação em Teologia e Filosofia, mestrado e doutorado em Teologia. É professor da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP); presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte – CE. Dentre seus livros merecem destaque: Teologia como intelecção do reinado de Deus (A) – O método da Teologia da Libertação segundo Ignacio Ellacuria. São Paulo: Loyola, 2010; A dimensão socioestrutural do Reinado de Deus, São Paulo: Paulinas, 2011; Teoria Teológica. Práxis Teológica. Sobre o método da Teologia da Libertação. São Paulo: Paulinas, 2012; Viver segundo o espírito de Jesus Cristo. Espiritualidade como seguimento. São Paulo: Paulinas, 2014; O caráter práxico-social da teologia. Tópicos fundamentais de epistemologia teológica. São Paulo: Loyola, 2017; Nas Periferias do Mundo. Fé, Igreja, Sociedade. São Paulo: Paulinas, 2017; Teologia em saída para as periferias. São Paulo: Paulinas/ Unicap, 2019.

Fonte:

www.portaldascebs.org.br