O papa Francisco considera o Sínodo para a Amazônia como um filho de Laudato Si‘. Depois de ler, ainda sem o devido aprofundamento, Fratelli Tutti, ouso dizer que a nova encíclica recolhe muitos elementos presentes na reflexão do último Sínodo, que neste 6 de outubro de 2020 completa um ano da abertura de sua Assembleia Sinodal. De fato, creio que o último Sínodo pode ser considerado como uma ponte entre Laudato Si’ e Fratelli Tutti, até agora, os dois grandes escritos do papa Francisco.
Tive a sorte de acompanhar de perto essa assembleia, desde fora, mas com suficiente informação do que sucedia dentro da sala sinodal. Como muitas das coisas que tem acontecido no pontificado de Francisco, o Sínodo para a Amazônia trouxe elementos novos na vida da Igreja.
A primeira coisa, que eu considerei de fundamental importância, foi o processo de escuta, desenvolvido no território ao longo de quase um ano, o que fez com que os participantes da assembleia tivessem elementos suficientes para fazer um bom trabalho. De fato, o papa Francisco, agradecia no seu discurso ao início dos trabalhos da sala sinodal, o trabalho preparatório.
Na manhã do dia 7 de outubro de 2019, pois no dia 6 só foi celebrada uma missa na Basílica de São Pedro, a Amazônia e seus povos entraram e inundaram com sua vida a sede pontifícia. Depois de uma oração inicial, que deixou de lado as rubricas vaticanas para assumir o jeito amazônico, começou uma procissão até a sala sinodal, onde Francisco, com um largo sorriso, caminhava no meio do povo, junto com os cardeais e bispos, mas também junto com os povos originários e as mulheres.
Tanto os indígenas como as mulheres tiveram um papel fundamental no decorrer da assembleia sinodal. Dizem que os momentos em que eles e elas falavam, o papa Francisco prestava especial atenção. Na verdade, foram os representantes dos povos indígenas e as mulheres quem melhor entenderam e assumiram aquilo que o Papa pediu no início da assembleia: “falar com coragem, com parresia, mesmo que tenham que passar vergonha, dizer o que cada um sente”.
Esse pedido do papa Francisco é um elemento fundamental se a gente quer entrar num verdadeiro diálogo, onde todo mundo tem a oportunidade de falar, mas também a obrigação de escutar. Diálogo é, precisamente, uma das palavras mais presentes em Fratelli Tutti. Ela aparece 49 vezes e faz parte, junto com a amizade social, do título do capítulo VI, que pode ser considerado como o capítulo fundamental da encíclica. Trata-se, como dá a entender o texto, de uma atitude que não nos leva a renunciar a nossas convicções, e sim a nos abrirmos a todos os que, com boa vontade, buscam juntos a verdade.
O diálogo é um elemento que abre o caminho da fraternidade, “um diálogo paciente e confiante”, como nos diz Francisco em Fratelli Tutti, “para que as pessoas, as famílias e as comunidades possam transmitir os valores da própria cultura e acolher o bem proveniente das experiências alheias”. Nesse sentido, podemos dizer que o Sínodo para a Amazônia, tem sido um instrumento de aprofundamento na realidade dos povos originários, que tem ajudado à Igreja a aprender um pouco a mais do que significa o cuidado da casa comum, “a partir do amor à terra, ao povo, aos próprios traços culturais”.
Querida Amazônia, num texto que é citado na nova encíclica, nos lembra que “a própria identidade cultural aprofunda-se e enriquece-se no diálogo com os que são diferentes, e o modo autêntico de a conservar não é um isolamento que empobrece”. A gente sabe como é difícil aceitar o diferente, algo que se fez presente no próprio sínodo. Nesse sentido, voltando ao discurso inaugural do papa Francisco diante da assembleia sinodal, ele dizia que “ontem fiquei muito triste de ouvir aqui um comentário zombador sobre aquele piedoso senhor que carregou as oferendas com penas na cabeça, digam-me: qual é a diferença entre usar penas na cabeça e o “tricórnio” usado por alguns oficiais dos nossos dicastérios?”.
Fratelli Tutti aborda o tema do diálogo social para uma nova cultura, colocando essa atitude como possibilidade de crescimento. Para isso o papa Francisco faz um chamado a deixar de lado, “o costume de denegrir rapidamente o adversário, aplicando-lhe atributos humilhantes, em vez de se enfrentarem num diálogo aberto e respeitoso, no qual se procure alcançar uma síntese que vá mais além”. Ao longo da história, inclusive desde dentro da própria Igreja, foram aplicados atributos humilhantes aos povos indígenas, até o ponto de considerá-los pessoas sem alma. O Sínodo para a Amazônia tem ajudado a avançar num diálogo aberto e respeitoso, uma atitude assumida nas últimas décadas e cada vez mais presente na vida da Igreja.
Citando de novo Querida Amazônia, Fratelli Tutti nos lembra que “num verdadeiro espírito de diálogo, nutre-se a capacidade de entender o sentido daquilo que o outro diz e faz, embora não se possa assumi-lo como uma convicção própria. Deste modo torna-se possível ser sincero, sem dissimular o que acreditamos, nem deixar de dialogar, procurar pontos de contacto e sobretudo trabalhar e lutar juntos”. Essa disposição para trabalhar e lutar juntos tem sido assumida com força pela Igreja católica. Podemos colocar como exemplo o trabalho do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, no Brasil, e da Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM, além de muitos outros organismos eclesiais, que caminham de mãos dadas com as organizações e povos indígenas, afiançando uma aliança cada vez mais firme.
Todo o vivido neste último ano, marcado pela pandemia da COVID-19, que tem como uma de suas causas nossa falta de cuidado com a casa comum, deve nos levar a tornar realidade, não só na Amazônia como na Igreja universal e na sociedade planetária, o chamado à conversão que aparece no Documento Final da assembleia sinodal que iniciou um ano atrás: conversão pastoral, cultural, ecológica e sinodal. Mas também deve nos levar a sonhar com o papa Francisco, um sonho social, cultural, ecológico e eclesial. Não esqueçamos que tudo está interligado, faz parte de um processo de discernimento, sempre cuidado pelo papa Francisco, que nunca dá ponto sem nó.
Sobre o autor:
Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manaus – AM. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador do Observatório da Evangelização e em diferentes sites e revistas.
(Os grifos no texto são nossos.)
Confira, a seguir, a versão do texto em espanhol:
Sínodo para la Amazonía: un puente entre Laudato Si y Fratelli Tutti
El Papa Francisco considera el Sínodo para la Amazonia como un hijo de Laudato Si’. Después de leer, aún sin un análisis profundo, Fratelli Tutti, me atrevo a decir que la nueva encíclica recoge muchos elementos presentes en la reflexión del último Sínodo, que este 6 de octubre cumple un año de la apertura de su Asamblea Sinodal. De hecho, el último Sínodo puede ser considerado como un puente entre Laudato Si’ y Fratelli Tutti, hasta ahora, los dos grandes escritos del Papa Francisco.
Tuve la suerte de seguir de cerca esta asamblea, desde el exterior, pero con suficiente información sobre lo que estaba sucediendo dentro de la sala sinodal. Como muchas cosas que han sucedido en el pontificado de Francisco, el Sínodo para la Amazonía trajo nuevos elementos a la vida de la Iglesia. Lo primero, que siempre he considerado de fundamental importancia, fue el proceso de escucha, desarrollado en el territorio durante casi un año, que dio a los participantes de la asamblea elementos suficientes para hacer un buen trabajo. De hecho, el Papa Francisco, en su discurso, agradeció al comienzo de los trabajos del salón del sínodo, el trabajo preparatorio.
En la mañana del 7 de octubre, el 6 de octubre sólo se celebró una misa en la Basílica de San Pedro, la Amazonía y sus pueblos entraron en la misma Basílica e inundaron con su vida la Sede Pontificia. Después de una oración inicial, que dejaba de lado las rúbricas del Vaticano para asumir el estilo amazónico, comenzó una procesión hacia la sala sinodal donde Francisco, con una amplia sonrisa, caminó entre la gente, junto con los cardenales y obispos, pero también con los pueblos originarios y las mujeres.
Tanto los indígenas como las mujeres desempeñaron un papel fundamental en el curso de la asamblea sinodal. Dicen que las veces que ellos y ellas hablaron, el Papa Francisco prestó especial atención. De hecho, fueron los representantes de los pueblos indígenas y las mujeres quienes mejor entendieron y asumieron lo que el Papa Francisco pidió al principio de la asamblea: “hablar con coraje, con parresía, aunque tenga que pasar vergüenza, decir lo que siento”.
Esta petición del Papa Francisco es un elemento fundamental si queremos entrar en un verdadero diálogo, donde todos tengan la oportunidad de hablar, pero también la obligación de escuchar. Precisamente el diálogo es una de las palabras más presentes en los Fratelli Tutti, donde aparece 49 veces y forma parte, junto con la amistad social, del título del capítulo VI, que puede considerarse como el capítulo fundamental de la encíclica. Es una actitud que no nos lleva a renunciar a nuestras convicciones, sino a abrirnos a todos los que, con buena voluntad, buscan juntos la verdad, como sugiere el texto.
El diálogo es un elemento que abre camino a la fraternidad, “un diálogo paciente y confiado”, como nos dice Fratelli Tutti, “para que las personas, las familias y las comunidades puedan transmitir los valores de su propia cultura y acoger lo que hay de bueno en la experiencia de los demás”. En este sentido, podemos decir que el Sínodo para la Amazonia ha sido un instrumento para profundizar en la realidad de los pueblos originarios, que ha ayudado a la Iglesia a aprender un poco más sobre lo que significa cuidar la casa común, “desde el amor a la tierra, al pueblo, a los propios rasgos culturales”.
Querida Amazonia, en un texto que se cita en la nueva encíclica, nos recuerda que ” la propia identidad cultural se arraiga y se enriquece en el diálogo con los diferentes y la auténtica preservación no es un aislamiento empobrecedor”. Sabemos lo difícil que es aceptar al diferente, algo que estuvo presente en el propio Sínodo. En este sentido, volviendo al discurso inaugural del Papa Francisco ante la Asamblea Sinodal, dijo que “ayer me dio mucha pena escuchar aquí dentro un comentario burlón, sobre ese señor piadoso que llevó las ofrendas con plumas en la cabeza, decidme: ¿qué diferencia hay entre llevar plumas en la cabeza y el “tricornio” que usan algunos oficiales de nuestros dicasterios?”
Fratelli Tutti aborda el tema del diálogo social para una nueva cultura, colocando esta actitud como una posibilidad de crecimiento. Para ello, el Papa Francisco hace un llamado a dejar de lado “la costumbre de descalificar rápidamente al adversario, aplicándole epítetos humillantes, en lugar de enfrentar un diálogo abierto y respetuoso, donde se busque alcanzar una síntesis superadora”. A lo largo de la historia, incluso dentro de la propia Iglesia, se han aplicado atributos humillantes a los pueblos indígenas, hasta el punto de considerarlos gente sin alma. El Sínodo para la Amazonía ha contribuido a avanzar en un diálogo abierto y respetuoso, actitud asumida en las últimas décadas y cada vez más presente en la vida de la Iglesia.
Citando de nuevo a Querida Amazonía, Fratelli Tutti nos recuerda que “en un verdadero espíritu de diálogo se alimenta la capacidad de comprender el sentido de lo que el otro dice y hace, aunque uno no pueda asumirlo como una convicción propia. Así se vuelve posible ser sinceros, no disimular lo que creemos, sin dejar de conversar, de buscar puntos de contacto, y sobre todo de trabajar y luchar juntos”. Esta voluntad de trabajar y luchar juntos ha sido fuertemente asumida por la Iglesia Católica. Podemos poner como ejemplo el trabajo del Consejo Indigenista Misionero – CIMI, en Brasil, y la Red Eclesial Pan-Amazónica – REPAM, además de muchas otras organizaciones eclesiales que van de la mano con las organizaciones y pueblos indígenas, afirmando una alianza cada vez más firme.
Todo lo que hemos vivido en este último año, marcado por la pandemia del COVID-19, que tiene como una de sus causas nuestra falta de cuidado de la casa común, debe llevarnos a hacer realidad, no sólo en la Amazonia sino en la Iglesia universal y en la sociedad planetaria, el llamado a la conversión que aparece en el Documento Final de la Asamblea iniciada hace un año: pastoral, cultural, ecológica y sinodal. Pero también debe llevarnos a soñar con el Papa Francisco, un sueño social, cultural, ecológico y eclesial. No olvidemos que todo está interconectado, que todo es parte de un proceso de discernimiento, siempre cuidado por el Papa Francisco, que nunca da puntada sin un nudo.