“A população de rua é um sintoma da necrofilia que vai matando nosso povo”. Entrevista com o Padre Júlio Lancelotti

O padre Júlio Lancelotti não entenderia sua vida sem a convivência com a população de rua, até o ponto de afirmar que “faltaria na minha identidade uma parte importante”. Mesmo estando dentro do grupo de risco, ele tem 71 anos, a pandemia não o impediu de se fazer presente no meio de uma população que tem aumentado exponencialmente nos últimos meses no Brasil. Antes da pandemia ela já tinha crescido em torno de 50%.

No Brasil está presente “toda uma política que a gente chamaria de necrófila”, segundo o padre Lancelotti, algo denunciado pelos bispos na Carta ao povo de Deus e apoiada por mais de 1.500 padres em uma carta que ele diz ter assinado, diante da “calamidade que nós estamos vivendo, como diz a Carta, de uma economia que mata”. Diante disso, a Igreja deve mostrar “a proximidade com os que estão sofrendo, a superação de todo tipo de discriminação e preconceito, a convivência com o povo mais simples, mais pobre, a gratuidade, e o principio misericórdia, defendido e explicitado por Jon Sobrino”.

Hoje no Brasil, “se usa da religião para dominar o povo, se usa de um discurso religioso para justificar a opressão”, enfatiza o padre Júlio Lancelotti, que vê fundamental a presença da Igreja no meio dos coletivos mais marginalizados da sociedade. Diante da situação da Amazônia, cada dia mais ameaçada, ele afirma que “o Brasil não tem futuro, nem a América Latina, nem o mundo, sem os povos da Amazônia. E a Igreja, ela também não tem futuro se ela não for servidora dos povos da Amazônia”.

Falando sobre a formação dos seminaristas, o padre Lancelotti insiste em que “não podemos continuar com uma formação do clero desvinculada da vida do povo, desvinculada da missão da Igreja, desvinculada do Evangelho”. Para o futuro, o caminho está na Evangelii Gaudium, também no Concilio Vaticano II e nos documentos da Igreja latino-americana.  

Confira a entrevista:

Pe. Julio Lancelotti distribui álcool gel para o povo em situação de rua.
  1. Como o senhor definiria o momento atual que o Brasil está vivendo?

Nós vivemos uma emergência sanitária sem precedentes, vivemos uma situação social bastante grave, uma situação econômica, política, também bastante grave. Nós estamos num momento que, além da emergência sanitária, o Brasil está muito doente. Nós estamos vivendo o aumento vertiginoso do desemprego, o aumento da população de rua, e toda uma política que a gente chamaria de necrófila.

Recentemente, 152 bispos brasileiros escreveram uma Carta ao povo de Deus, que depois parece ter sido assinada por mais bispos, e foi apoiada por mais de 1.500 padres, congregações religiosas, leigos e leigas. O que essa carta representa diante da atual conjuntura?

Eu assinei também a carta de apoio dos padres, e acredito que essa carta significa um posicionamento de parte do episcopado, um posicionamento de parte da Igreja frente a essa calamidade que nós estamos vivendo, como diz a Carta, de uma economia que mata.

2. Depois de tantos anos trabalhando com a população de rua, o que ela representa na sua vida como padre?

Eles são filhos, irmãos, mestres, amigos, pessoas que fazem parte da minha vida, assim como os paroquianos da paróquia que eu estou, as pessoas com quem eu convivo, eles também fazem parte da minha convivência. Eu não me entenderia sem a convivência com a população de rua, faltaria na minha identidade uma parte importante. Eles fazem parte da minha identidade, do meu caminho, do meu ministério.

3. Esta pandemia que estamos vivendo, o que tem representado na vida da população de rua, especialmente em São Paulo onde o senhor está trabalhando e morando?

Há um aumento muito grande, a população de rua antes da pendemia já tinha aumentado 50 por cento em São Paulo. Aumenta em todas as cidades braileiras, e com a pandemia, a vida deles ficou ainda muito mais difícil, porque não encontram trabalho, há um número muito grande de jovens, há um número de pessoas que estão andando, transitando pelo Brasil a procura de respostas. A população de rua é duramente atingida, teve muita dificuldade de acessar o auxílio emergencial, muitos não conseguiram.

É um grupo com muitos problemas e que representa vários segmentos da população brasileira, tem muitas pessoas que já passaram pelo sistema penitenciario, muitas pessoas que vem de outros estados, muitas pessoas que vem da terra, que estão desempregadas, negras, aumenta o número de mulheres. Eles são um sinal, um sintoma da necrofilia que vai matando nosso povo.

4. O papa Francisco começou seu pontificado dizendo que ele gostaria de uma Igreja pobre para os pobres, instituiu o Dia Mundial dos Pobres, foi criando programas de atenção para com os pobres e a população de rua de Roma. Mesmo assim, essa postura parece ter resistências dentro da Igreja, inclusive dentro da hierarquia. Quais são as causas dessas resistências?

Uma das causas pode ser a nostalgia da Cristandade, o apego ao poder. Eu acredito também uma surdez diante dos apelos do Evangelho, por que o que o Papa Francisco pede, não é uma novidade. O que o Papa Francisco pede, uma Igreja pobre para os pobres, já foi pedido por São João XXIII, no Concílio Vaticano II, e já foi pedido pelos padres da Igreja, como São João Crisóstomo, Eusébio de Cesareia, os padres da Igreja pedem uma Igreja pobre para os pobres. São Francisco de Assis pede e vive assim.

É sempre um esforço grande para voltar às comunidades primitivas, às comunidades e Jesus de Nazaré no mundo de hoje, uma Igreja voltada para os pobres. Como lembra, e é importante isso para aqueles que ficam com nostalgia da Cristandade, o próprio Papa Bento XVI, na abertura da Conferência do Episcopado em Aparecida, diz que a opção pelos pobres é intrínsecamente ligada à cristologia católica. Então, não tem como entender o catolicismo, o cristianismo, sem a opção pelos pobres.

5. Estamos na semana em que a Igreja celebra a festa de São Jõao Maria Vianney, padroeiro do clero e visto pela Igreja como caminho de santidade para os ministros ordenados. Na sua opinião, o que faz hoje um ministro ordenado estar no caminho da santidade?

Esse conceito de santidade foi muitas vezes distorcido. Olhando mesmo para São João Maria Vianney, ele viveu pobremente, num lugar muito pobre e ligado às pessoas muito pobres. Ele foi muito rejeitado pelo clero, pela Igreja hierárquica de seu tempo, ele não era uma pessoa que fazia sucesso no meio do clero, nem era bem visto. Por isso, justamente, que ele foi para Ars, que era uma cidade que não tinha significação nenhuma.

Ele é uma pessoa extremamente simples, extremamente pobre, extramamente voltada para o povo. As pessoas esquecem de São João Maria Vianney junto aos pobres e da própria vida que ele levou. O que leva à santidade é o seguimento de Jesus.

6. A gente poderia dizer que o senhor é alguém que tem encarnado aquilo que o papa Francisco chama de Igreja em saída, presente nas periferias geográficas e existenciais. Quais são os passos que a Igreja deveria dar para assumir essa proposta do papa Francisco?

Eu acredito que a proximidade com os que estão sofrendo, a superação de todo tipo de discriminação e preconceito, a convivência com o povo mais simples, mais pobre, a gratuidade, e o principio misericórdia, defendido e explicitado por Jon Sobrino. O princípio misericórdia, não é a misericórdia simplesmente, é o princípio misericórdia de Jon Sobrino. A luta do povo, estarmos juntos e aliados da luta dos povos indígenas, dos quilombolas, das comunidades ancestrais, da cultura popular, dos grupos que são marginalizados e sofrem preconceito, como o grupo LGBTI+, as pessoas deficientes, as pessoas idosas, os doentes.

Irmos, estarmos com eles, irmos ao encontro deles, descentralizar do clericalismo, estarmos próximos dessas pessoas, formando com eles comunidades, formando com eles, entorno da Palavra, uma comunidade que celebra a Eucaristia, não a partir de um clericalismo, mas a partir de uma humanização da vida. A grande questão que se coloca para nós hoje, é a humanização da vida, a conversa com outros grupos religiosos, e também eu tenho muito ressaltado isso, os grupos que não são religiosos, os que não tem religião, porque a solidariedade não é uma dimensão religiosa, ela é uma dimensão humana.

Nós não podemos privatizar a solidariedade como uma dimensão das religiões, porque hoje, explicitamente no Brasil, se usa da religião para dominar o povo, se usa de um discurso religioso para justificar a opressão. Nós precisamos priorizar a humanização da vida, na defesa das mulheres, na defesa dos que são marginalizados e discriminados, como a comunidade LGBTI+, os povos indígenas, os grupos negros. Esses grupos, se não somos reconhecidos por eles e caminhamos com eles, não somos uma Igreja em saída.

7. O senhor aborda em sua reflexão algumas questões muito presentes no processo do Sínodo para a Amazônia, momento em que a Igreja estabeleceu uma aliança formal na defesa da Amazônia e dos povos da Amazônia. O cardeal Cláudio Hummes fala que o clamor dos pobres e o clamor da terra é o mesmo. Para alguém que mora fora da Amazônia, o que significa ou pode significar de cara ao futuro, o processo vivido no Sínodo para a Amazônia?

Nós temos que ter essas causas na nossa mente, nós não podemos nos pensar sem pensar a Amazônia, o Brasil não tem identidade sem os povos da Amazônia, a história do Brasil é incompreensível sem os povos da Amazônia, e o Brasil não tem futuro, nem a América Latina, nem o mundo, sem os povos da Amazônia. E a Igreja, ela também não tem futuro se ela não for servidora dos povos da Amazônia. Eu acredito que a exortação pós-sinodal Querida Amazônia é importantíssima para que seja incorporada. Nós não vivemos na Amazônia, mas nós vivemos com a Amazônia e vivemos pela Amazônia. Eu não estou geográficamente lá, mas a Amazônia está comigo.

8. Um dos debates mais presentes na Igreja é a formação dos futuros presbíteros, onde nem sempre está presente a dimensão de uma Igreja encarnada no meio dos mais pobres. Quais são as repercussões que isso está tendo e pode ter no futuro da Igreja?

Seria catastrófico, seria uma Igreja alienada, divorciada da luta e da vida do povo. Acredito que isso é muito grave, porque leva a uma distorção, que chega a perturbar a saúde mental das pessoas. O fanatismo é um distúrbio, esse fanatismo que está presente no neopentecostalismo, também dentro da Igreja católica, ele chega ser patológico, ele não é sadio. Ele não traz humanização, ele é moralista, individualista, é impositivo. Ele tem laços muito fortes que justifica o fascismo, justifica a discriminação, o preconceito.

Todos esses pontos, eles são extremamenta patológicos, eles mostram uma pessoa que não tem harmonia, nem com a vida, nem com o mundo, nem consigo mesmo. Eu acredito que não podemos continuarmos uma formação do clero desvinculada da vida do povo, desvinculada da missão da Igreja, desvinculada do Evangelho. Nós há poucos dias celebramos o aniversário da publicação da Ecclesiam Suam, do santo papa Paulo VI, então nós temos que defender aquilo que o próprio Paulo VI defendia, a inculturação da fé. O que nós estamos vendo é tirar a fé, querer tirar a vida cristã da sua raiz, da sua terra, e isso mata. Uma religião sem raiz na cultura, na vida, no continente que está, na situação que está, ela se torna tremendamente alienada, elitista e justificadora da opressão.

9. A pandemia tem apresentado grandes desafios para a sociedade e para a Igreja. Pensando no futuro, quais deveriam ser as novas atitudes a serem assumidas?

A Evangelii Gaudium nos aponta esses caminhos, o próprio Concilio Vaticano II, Medellín, Puebla, mesmo Aparecida, Santo Domingo, todas essas conferências latino-americanas, especialmente Medellín e Puebla. Não podemos esquecer todo o caminho que fizermos, e não podemos esquecer o Magistério da Igreja. Se prega tanta fidelidade ao Magistério da Igreja e não se vive o que o Papa Francisco colocou na Evangelii Gaudium, que é o seu programa de pontificado, que é o seu programa de Alegria do Evangelho vivida com o povo. Não há outra saída que não seja essa.

Sobre o autor:

Luiz Miguel Modino

Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manaus – AM. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador do Observatório da Evangelização e em diferentes sites e revistas.

Segue a versão da entrevista em espanhol:

Julio Lancelotti: “Los sin techo son un síntoma de la necrofilia que está matando a nuestra gente”

El padre Julio Lancelotti no entendería su vida sin su convivencia con los sin techo, hasta el punto de decir que “a mi identidad le faltaría una parte importante”. Aunque se encuentra dentro del grupo de riesgo, tiene 71 años, la pandemia no le ha impedido estar presente en medio de una población que ha aumentado exponencialmente en los últimos meses en el Brasil. Antes de la pandemia, ya había aumentado en un 50 por ciento.

En Brasil existe “toda una política que llamaríamos necrófila”, según el padre Lancelotti, algo que denunciaron los obispos en la Carta al Pueblo de Dios y que apoyaron más de 1.500 sacerdotes en una carta que dice haber firmado, ante “la calamidad que estamos viviendo, como dice la carta, de una economía que mata”. Ante esto, la Iglesia debe mostrar “la cercanía a los que sufren, la superación de todo tipo de discriminación y prejuicios, la convivencia con las personas más sencillas y pobres, la gratuidad y el principio de misericordia, defendido y explicitado por Jon Sobrino”.

Hoy en día en el Brasil, “la religión se utiliza para dominar al pueblo, el discurso religioso se utiliza para justificar la opresión”, subraya el Padre Júlio Lancelotti, que considera fundamental la presencia de la Iglesia entre los grupos más marginados de la sociedad. Ante la situación de la Amazonía, cada vez más amenazada, afirma que “Brasil no tiene futuro, ni en América Latina ni en el mundo, sin los pueblos de la Amazonía. Y la Iglesia, tampoco tiene futuro si no es servidora de los pueblos de la Amazonía”.

Hablando de la formación de los seminaristas, el padre Lancelotti insiste en que “no podemos continuar una formación del clero desconectada de la vida del pueblo, desconectada de la misión de la Iglesia, desconectada del Evangelio”. En cuanto al futuro, el camino está en la Evangelii Gaudium, también en el Concilio Vaticano II y en los documentos de la Iglesia Latinoamericana.  

¿Cómo definiría el momento actual que se está viviendo en Brasil?

Estamos viviendo una emergencia sanitaria sin precedentes, estamos viviendo una situación social muy grave, una situación económica y política, también muy grave. Estamos en un momento en que, además de la emergencia sanitaria, Brasil está muy enfermo. Vivimos el vertiginoso aumento del desempleo, el aumento de los sin techo, y toda una política que llamaríamos necrófila.

Recientemente, 152 obispos brasileños escribieron una Carta al Pueblo de Dios, que luego parece haber sido firmada por más obispos, y fue apoyada por más de 1.500 sacerdotes, congregaciones religiosas, laicos y laicas, ¿qué representa esta carta en la situación actual?

También firmé la carta de apoyo de los sacerdotes, y creo que esta carta significa una posición de parte del episcopado, una posición de parte de la Iglesia frente a esta calamidad que estamos viviendo, como dice la carta, de una economía que mata.

¿Después de tanto tiempo trabajando con los sin techo, ¿qué representan ellos en su vida como sacerdote?

Son hijos, hermanos, maestros, amigos, personas que forman parte de mi vida, así como los feligreses de la parroquia donde estoy, las personas con las que vivo, también forman parte de mi convivencia. No me entendería a mí mismo sin vivir con la gente de la calle, me faltaría una parte importante de mi identidad. Son parte de mi identidad, de mi camino, de mi ministerio.

Esta pandemia que estamos viviendo, ¿qué ha representado en la vida de los sin techo, especialmente en São Paulo, donde usted trabaja y vive?

Hay un aumento muy grande, los sin techo antes de la pandemia ya habían aumentado un 50 por ciento en São Paulo. Aumentan en todas las ciudades brasileñas, y con la pandemia, sus vidas se han vuelto aún más difíciles, porque no encuentran trabajo, hay un número muy grande de jóvenes, hay un número de personas que están yendo y viniendo por Brasil en busca de respuestas. Quien vive en la calle está siendo muy afectado, tuvo muchas dificultades para acceder a la ayuda de emergencia, muchos no los consiguieron.

Es un grupo con muchos problemas y que representa a varios segmentos de la población brasileña, hay muchas personas que han pasado por el sistema penitenciario, muchas personas que vienen de otros estados, muchas personas que vienen de la tierra, que están desempleadas, negros, aumenta el número de mujeres. Son una señal, un síntoma de la necrofilia que está matando a nuestro pueblo.

El Papa Francisco comenzó su pontificado diciendo que le gustaría una Iglesia pobre para los pobres, instituyó el Día Mundial de los Pobres, creó programas de atención a los pobres y a la gente que vive en las calles de Roma. Aún así, esta postura parece tener resistencia dentro de la Iglesia, incluso dentro de la jerarquía. ¿Cuáles son las causas de estas resistencias?

Una de las causas puede ser la nostalgia de la Cristiandad, el apego al poder. También creo que el permanecer sordos a las llamadas del Evangelio, porque lo que pide el Papa Francisco no es nuevo. Lo que pide el Papa Francisco, una Iglesia pobre para los pobres, ya fue pedido por San Juan XXIII en el Concilio Vaticano II, y ya ha sido pedido por los Padres de la Iglesia, como San Juan Crisóstomo, Eusebio de Cesarea, los Pades de la Iglesia piden una Iglesia pobre para los pobres. San Francisco de Asís lo pide y vive así.

Siempre es un gran esfuerzo volver a las comunidades primitivas, a las comunidades y a Jesús de Nazaret en el mundo de hoy, una Iglesia para los pobres. Como nos recuerda, y esto es importante para aquellos que siguen siendo nostálgicos de la Cristiandad, el propio Papa Benedicto XVI, en la apertura de la Conferencia Episcopal en Aparecida, dice que la opción por los pobres está intrínsecamente ligada a la cristología católica. Así que no hay forma de entender el catolicismo, el cristianismo, sin la opción por los pobres.

En esta semana la Iglesia celebra la fiesta de San Juan María Vianney, patrón del clero y visto por la Iglesia como un camino de santidad para los ministros ordenados. En su opinión, ¿qué hace que un ministro ordenado hoy en día esté en el camino de la santidad?

Este concepto de santidad ha sido a menudo distorsionado. Incluso mirando a San Juan María Vianney, vivió pobremente, en un lugar muy pobre y conectado con gente muy pobre. Fue muy rechazado por el clero, por la Iglesia jerárquica de su tiempo, no era una persona que tuviera éxito entre el clero, ni estaba bien considerado. Precisamente por eso fue a Ars, que era una ciudad que no tenía ningún sentido.

Era una persona extremadamente sencilla, extremadamente pobre, extremamente preocupada con la gente. Muchos se olvidan del San Juan María Vianney entre los pobres y de la vida que llevó. Lo que lleva a la santidad es el seguimiento de Jesús.

Se podría decir que usted es alguien que ha encarnado lo que el Papa Francisco llama la Iglesia en salida, presente en las periferias geográficas y existenciales. ¿Qué pasos debe dar la Iglesia para asumir esta propuesta del Papa Francisco?

Creo que la cercanía a los que sufren, la superación de todo tipo de discriminación y prejuicios, la convivencia con los más sencillos, los más pobres, la gratuidad y el principio misericordia, defendidos y explicados por Jon Sobrino. El principio misericordia, no es simplemente la misericordia, es el principio misericordia de Jon Sobrino. La lucha del pueblo, estar juntos y aliados en la lucha de los pueblos indígenas, quilombolas, comunidades ancestrales, cultura popular, grupos que son marginados y sufren prejuicios, como el grupo LGBTI+, personas discapacitadas, ancianos, enfermos.

Estar con ellos, ir a su encuentro, descentralizarse del clericalismo, estar cerca de estas personas, formar con ellos, alrededor de la Palabra, una comunidad que celebre la Eucaristía, no desde un clericalismo, sino desde una humanización de la vida. La gran pregunta para nosotros hoy es la humanización de la vida, la conversación con otros grupos religiosos, y también lo he subrayado mucho, los grupos que no son religiosos, los que no tienen religión, porque la solidaridad no es una dimensión religiosa, es una dimensión humana.

No podemos privatizar la solidaridad como una dimensión de las religiones, porque hoy en día, explícitamente en Brasil, se utiliza la religión para dominar al pueblo, se utiliza un discurso religioso para justificar la opresión. Necesitamos priorizar la humanización de la vida, en la defensa de las mujeres, en la defensa de los marginados y discriminados, como la comunidad LGBTI+, los pueblos indígenas, los grupos negros. Estos grupos, si no nos reconocen y caminamos con ellos, no somos una Iglesia en salida.

En su reflexión usted aborda algunos de los temas muy presentes en el proceso del Sínodo para la Amazonía, momento en el que la Iglesia estableció una alianza formal en la defensa de la Amazonía y de los pueblos de la Amazonía. El cardenal Claudio Hummes dice que el clamor de los pobres y el clamor de la tierra es el mismo. Para alguien que vive fuera de la Amazonía, ¿qué significa o puede significar para el futuro el proceso vivido en el Sínodo para la Amazonía?

Tenemos que tener estas causas en nuestra mente, no podemos pensar en nosotros sin pensar en la Amazonía, Brasil no tiene identidad sin los pueblos de la Amazonía, la historia de Brasil es incomprensible sin los pueblos de la Amazonía, y Brasil no tiene futuro, ni América Latina, ni el mundo, sin los pueblos de la Amazonía. Y la Iglesia, tampoco tiene futuro si no es servidora de los pueblos de la Amazonía. Creo que la exhortación post-sinodal Querida Amazonía es muy importante para que se incorpore. No vivimos en la Amazonía, pero vivimos con la Amazonía y vivimos para la Amazonía. No estoy geográficamente allí, pero la Amazonía está conmigo.

Uno de los debates más presentes en la Iglesia es la formación de los futuros sacerdotes, donde no siempre está presente la dimensión de una Iglesia encarnada entre los más pobres. ¿Qué repercusiones tiene y puede tener esto en el futuro de la Iglesia?

Sería catastrófico, sería una Iglesia alienada, divorciada de la lucha y la vida del pueblo. Creo que esto es muy grave, porque conduce a una distorsión, que incluso trastorna la salud mental de las personas. El fanatismo es un desorden, este fanatismo que está presente en el neo-pentecostalismo, también dentro de la Iglesia Católica, es patológico, no es saludable. No trae humanización, es moralista, individualista, es impositivo. Tiene lazos muy fuertes que justifican el fascismo, justifican la discriminación, el prejuicio.

Todos estos puntos, son extremadamente patológicos, muestran a una persona que no tiene armonía, ni con la vida, ni con el mundo, ni consigo mismo. Creo que no podemos continuar una formación del clero desconectada de la vida de la gente, desconectada de la misión de la Iglesia, desconectada del Evangelio. Hace unos días celebramos el aniversario de la publicación de Ecclesiam Suam, por el Papa Pablo VI, así que tenemos que defender lo que el mismo Pablo VI defendía, la inculturación de la fe. Lo que estamos viendo es sacar la fe, queriendo sacar la vida cristiana de sus raíces, de su tierra, y eso mata. Una religión sin raíces en la cultura, en la vida, en el continente en el que se encuentra, en la situación en la que se encuentra, se vuelve tremendamente alienada, elitista y justifica la opresión.

La pandemia ha presentado grandes desafíos para la sociedad y para la Iglesia. Pensando en el futuro, ¿cuáles deberían ser las nuevas actitudes a tomar?

Evangelii Gaudium nos lo señala, el propio Concilio Vaticano II, Medellín, Puebla, incluso Aparecida, Santo Domingo, todas estas conferencias latinoamericanas, especialmente Medellín y Puebla. No podemos olvidar todo el camino que hemos recorrido, y no podemos olvidar el Magisterio de la Iglesia. Se predica tanto la fidelidad al Magisterio de la Iglesia y no vivimos lo que el Papa Francisco puso en la Evangelii Gaudium, que es su programa de pontificado, que es su programa de Alegría del Evangelio vivido con la gente. No hay otra salida que esta.  

1 Comentário

  1. Verdadeira e admirável a colocação do Pe. Júlio Lancelotti. No atual mundo neoliberalista, capetalista, não há lugar para os pobres. Está sendo passada uma mensagem de que o Covid-19 é uma máscara, inverdade. O tratamento empregado é forma de arrancar dinheiro de todos, e de exterminar o maior número de pobres. Jesus foi pobre, casto e obediente ao Pai. É o chamado a seus seguidores… Num plantão de Pronto Socorro, vi chegar um cidadão baleado nos braços de um taxista. Ao ver o médico, ele disse:” Dr. faça tudo, eu sou um homem de posse!” No dia seguinte ele estava morto! Estão iludidos aqueles que ENDEUSAM O DINHEIRO!

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