Tempo de ir, tempo de voltar… (Ecl 3)
Somos um grupo de missionários e missionárias, moçambicanos e de outros países, em missão na região Norte da Diocese de Pemba. Nesta região, desde outubro de 2017, vive-se uma guerra desumana e cruel.
Nesta partilha fraterna não pretendemos contar os “capítulos e versículos” desta guerra que consiste em uma verdadeira via sacra, mas convidar para que entre em comunhão conosco pela oração da Igreja e pelo compromisso com o Reino de Deus.
No dia 07 de abril de 2020, tivemos de abandonar a missão no Distrito de Muidumbe, pois nossa aldeia havia sido atacada por terroristas. Vivenciamos a experiência de José e Maria com o menino Jesus, na “fuga para o Egito”.
Depois de 100 dias fora de casa, retornaremos à missão a nós confiada. A missão é de Deus. O bispo dom Luiz Fernando Lisboa, como pastor, indicou-nos esta área pastoral e recomendou-nos: “Deus pede que vocês cuidem deste povo com carinho”. Foi com este apelo da Igreja, que iniciamos nossa presença missionária em dezembro de 2017.
Passamos pelo ciclone, na tempestade do final de 2019, mas sobretudo passamos pelos constantes ataques terroristas que já atingiram 14 das 26 comunidades que formam a nossa Paróquia.
A preocupação primeira de dom Luiz Fernando é com todo o povo pobre e vulnerável. No entanto, sua atenção com as/os missionárias/os consiste no desejo de que retornemos, com segurança, para servir ainda mais ao povo sofrido das comunidades. Estamos, por isso, retornando!
Experimentamos, numa escala bem menor, o sofrimento de mais de 200 mil deslocados. Neste tempo fora de casa e da missão, alguns sentimentos afloraram em nosso coração:
1. Sentimento de gratidão
Em nosso caso, muita gratidão à comunidade dos Missionários Passionistas que nos acolheram por três meses. A mesa da refeição e da Eucaristia tornou-se intercongregacional. E esta gratidão se estende ao Paço episcopal (casa de nosso bispo, dom Fernando), a “casa paterna/ materna”. Na verdade, a primeira que nos acolhe. Esta gratidão perpassa todas as casas por onde fomos passando, para momentos de visita, oração, celebração ou uma refeição.
2. Gestos de solidariedade
Recebemos muitas mensagens e telefonemas de pessoas preocupadas com esta guerra. Vivenciamos gestos de generosidade de partilha. Tudo isso renova a nossa crença teimosa de que: um outro mundo é possível!
3. Não ter medo de ter medo
A guerra não acabou. Ao que parece, os violentos ataques que estão em curso não têm hora, nem local determinados de acontecerem. Pode parecer contraditório ou paradoxal, mas pedimos a Deus: “Senhor, que não tenhamos medo de ter medo”! Ou seja, os que assumem esta interpelação do Reino, este dinamismo missionário de voltar para aldeia não são super homens ou super heróis. São pessoas e, portanto, com receios e fragilidades. Pode até acontecer que tenhamos que nos afastar de novo… Humanamente nós podemos sentir medo, mas jamais duvidar da presença amorosa de Deus em nossas vidas e junto com o povo sofrido. Tudo isso desemboca no pedido que segue…
4. Não ter medo de ter coragem
A Palavra de Deus nos assegura esta verdade de muitas maneiras. Quantas vezes escutamos de Deus: “Estarei convosco”. Esta afirmação bíblica não apenas alimenta e renova a nossa fé, mas, neste contexto que vivemos, transforma-se numa fonte de encorajamento. Se no ponto anterior explicitávamos a fragilidade humana, aqui, trata-se da experiência da presença amorosa de Deus conosco. Deus é Emanuel. Desse modo, nossa prece se transforma: “Senhor, não nos deixe ter medo de ter coragem”!
5.Covid para nós, nesta região, chama-se guerra!
A guerra não acabou. O risco do covid 19 não se afastou! Todas/os as/os missionárias/os estão ansiosas/os para voltar para a missão. Todas/os com saudades do povo. Cada lugar vive situações diferentes e algumas comuns a todos. Já falamos em outras ocasiões: Covid para nós nesta região, chama-se guerra! Nossa presença requer nova metodologia de ação pastoral. Temos comunidades abandonadas. Lideranças e catequistas que não sabemos onde se encontram e muita gente deslocada, entre tantas outras situações.
No entanto, retornaremos confiantes. Desejosos de reconstruir vidas e espaços comunitários. Num mundo dilacerado por esta pandemia, parece que nos igualamos em muitas situações a muitos outros países. Só não faz esta leitura quem tem o coração de pedra.
Alegra-nos saber que vocês estão unidos, verdadeiramente indo conosco nesta missão. Que você abraçou esta missão conosco. Como nos fortalece quando ouvimos: “- Rezamos diariamente por vocês”. Por isso afirmamos: vocês também estão conosco!
Nosso tempo e acesso à internet estarão condicionados pela realidade da aldeia onde moramos. Às vezes saímos “caçando” algum lugar onde tem sinal de internet.
A partir desta data partilharemos as notícias a partir de Muidumbe, nosso chão!
Unidos na oração!
Obrigado! Asante!
Até breve!
Pemba, 21/07/2020
MISSIONÁRIOS SALETINOS