Como nos colocar como cristãos diante de uma epidemia tão avassaladora? Pe. Ernanne Pinheiro, contribuiu no 1º Encontro virtual da 1ª Turma do Curso Nacional de política para cristãos leigos do CEFEP com uma análise de conjuntura eclesial. Nesta análise Pe. Ernanne traz elementos do pontificado do papa Francisco e da Igreja na pandemia da Covid 19. Confira:
Tem sido lugar comum dizermos que a epidemia pegou o mundo despreparado. Claro que também pegou a Igreja despreparada: não só como instituição, mas como mística:
Como nos colocar como cristãos diante de uma epidemia tão avassaladora?
Não por acaso, tivemos todos de nos colocar tanto diante dos desafios para ações em prol das tantas vidas em fragilidade, como reflexões-desafios na linha da espiritualidade cristã.
O site da Instituto Humanitas Unisinos – IHU tem nos fornecido elementos de espiritualidade para o momento do coronavirus. Vejamos alguns dos títulos de artigos de teólogos respeitáveis:
- Vitor Codina, sj: Por que Deus permite a pandemia e cala? É um castigo? Temos que pedir milagre? Onde está Deus?
- Vários teólogos italianos são questionados com perguntas complexas: Onde está Deus? Deus sofre com o homem. O contágio desafia a fé;
- James Martin, sj, teólogo americano: Onde está Deus em uma pandemia?
- Frei Betto: Pandemia e espiritualidade;
- Tomás Halik, teólogo, em consistente artigo, pergunta: Igrejas fechadas um
sinal de Deus? - Christopher Lamb, teólogo inglês, reflete sobre as quatro características do catolicismo
pós-pandemia:
a) simplicidade missionária;
b) foco nos pobres;
c) relação renovada com o mundo natural e a ciência;
d) criatividade litúrgica e pastoral.
A CNBB assinou, em parceria com algumas entidades fortes do país (OAB,
Comissão Arns em defesa dos direitos humanos e outras), o Pacto pela Vida;
Adolfo Esquivel (Nobel da paz) diz que estamos diante de duas epidemias: O
coronavirus e o medo (insistindo no desafio da solidariedade).
Na questão da mística, também muitas orações bem formuladas nos foram
oferecidas. Quero chamar a atenção, em síntese, para uma oração do cardeal
português dom José Tolentino:
Rezar o vazio:
“Ensina-nos Senhor a rezar este vazio. O vazio trazido por um medo que não conhecíamos e que parece agora um inquilino da nossa alma. O vazio dos espaços confinados. O vazio da vida, de repente, em suspenso… O vazio dos olhos dos que vemos sofrer e o vazio dos muitos que sofrem sem que nós o vejamos… O vazio dos que tiveram de continuar expostos, dia a dia, para que outros ficassem a salvo. O vazio de tudo aquilo que, de um momento para o outro, ficou adiado… O vazio da proximidade interditada… O vazio do sacerdote que celebra na igreja vazia. O vazio das nossas igrejas onde Tu Senhor continuas presente, e dali nos ensinas a transformar os vazios”.
Sem dúvida, o papa Francisco tem sido o grande protagonista da sensibilidade evangélica, com gestos e palavras, diante dos sofrimentos da pandemia e de tantos irmãos que perderam a vida. No dia da Páscoa deste ano o Papa envia uma Carta aos integrantes dos movimentos populares e organizações sociais, preocupado com as repercussões do COVID 19 para eles. Diz o Papa:
“Nestes dias de tanta angústia e dificuldade, muitos se referiram à pandemia que sofremos com metáforas bélicas. Se a luta contra o COVID-19 é uma guerra, vocês são um verdadeiro exército invisível que luta nas trincheiras mais perigosas. Um exército sem outra arma senão a solidariedade, a esperança e o sentido da comunidade que reverdecem nos dias de hoje em que ninguém se salva sozinho. Vocês são para mim, como lhes disse em nossas reuniões, verdadeiros poetas sociais, que desde as periferias esquecidas criam soluções dignas para os problemas mais prementes dos excluídos”.
Nesta carta faz uma afirmação que ganhou muito espaço na
imprensa:
”Vocês, trabalhadores informais, independentes ou da economia popular, não têm um salário estável para resistir a esse momento … e as quarentenas são insuportáveis para vocês. Talvez seja a hora de pensar em um salário universal que reconheça e dignifique as tarefas nobres e
insubstituíveis que vocês realizam; capaz de garantir e tornar realidade esse slogan tão humano e cristão: nenhum trabalhador sem direitos”.
Nosso papa Francisco apesar de sua fidelidade tão significativa ao Vaticano II, sobretudo em sua preocupação com os pobres e marginalizados, sofridos e desprezados, como no caso da pandemia, tem sido muito incompreendido e criticado por grupos fundamentalistas. O que realmente incomoda aos opositores do Papa? Pergunta em recente artigo o teólogo espanhol-boliviano jesuíta Victor Codina. Vejamos alguns:
“O que incomoda aos seus detratores é que sua teologia parte da realidade da injustiça, pobreza e destruição da natureza e da realidade do clericalismo eclesial”.
- Ele incomoda quando diz que não devemos construir muros contra os refugiados, mas pontes de diálogo e hospitalidade;
- Incomoda quando, seguindo João XXIII, ele diz que a Igreja deve ser pobre e dos pobres, que os pastores devem cheirar a ovelhas;
- quando defende uma Igreja em Saída para as margens e que os pobres são um lugar teológico…
Padre Victor Codina arremata sua reflexão afirmando:
“Basicamente, a oposição ao papa Francisco é uma oposição ao Concílio Vaticano II ”.
Mais recente, um fato vergonhoso:
Em Carta ao presidente Trump, no dia 6 de junho, o arcebispo Viganó, ex-núncio papal nos EUA, afirmou que ele e Trump estavam unidos em uma batalha cósmica entre as forças do bem e do mal. No fundo, quer fazer uma crítica também ao Papa, porque ele termina a carta dizendo que muitos bispos e padres estão do lado das forças do mal. Esta carta está tendo forte repercussão.
A Igreja Católica no Brasil e a pandemia
Estamos há um ano com a nova direção da CNBB. A presidência da entidade entregou à Caritas Nacional a articulação das várias iniciativas de solidariedade. É certo que temos fatos emocionantes de doação e de sensibilidade, inclusive para além das iniciativas oficiais do Estado e da Igreja. Nesse tempo de epidemia, muitas das fragilidades eclesiais vieram à tona. Alguns exemplos:
- Os modelos da Igreja que configuram nossa ação evangelizadora, dentro de sua variedade e riqueza, estão orientados numa perspectiva mais institucional, com pouco espírito missionário e profético;
- Predomina ainda com força no horizonte eclesial a chaga do clericalismo que bloqueia a força das comunidades e a missão dos cristãos leigos e leigas;
- Falta uma conexão mais íntima entre fé e vida. A questão da opção preferencial pelos pobres tem sido, muitas vezes, flexibilizada;
- O espírito ecumênico pouco tem funcionado na prática. As posições das Igrejas neopentecostais colocam questionamentos profundos para a nossa evangelização, sobretudo no atual governo e consequentemente no compromisso diante da epidemia.
- Muitos são os desafios da Amazônia para a aplicação do Sínodo. Coisas bem bonitas têm sido realizadas embora com obstáculos enormes para melhor atendermos nossos irmãos indígenas, os mais sacrificados diante da epidemia.
- Neste contexto para nossa indignação, representantes de TVs de inspiração católica vão ao Presidente oferecer “mídia positiva”, em troca de recursos financeiros e ampliação do alcance de suas emissoras.
A equipe da CNBB, responsável pela Conjuntura eclesial, elaborou um belo texto sobre: “Pandemia e pós-pandemia: pontos para reflexão“, apresentado no CONSEP on-line. Vejamos só dois dos pontos mais expressivos:
- “Este tempo de Pandemia nos fez estar presentes nas casas e na vida das pessoas de uma forma nova: por meio das mídias sociais. Já usávamos como meio de comunicação, de evangelização, de missão, de solidariedade. Este tempo acelerou o processo de uso das mídias sociais para reuniões, trabalho, aulas, missas etc., tudo on-line.”
- “Todos estamos sofrendo com esta Pandemia, mas os que mais sofrem são os pobres: aumento do número de pessoas em situação de miséria, perda de emprego, vagas de emprego diminuindo com a quebra de empresas, ausência de condições para precaver-se contra o contágio etc.”
No final, o texto sintoniza com o papa Francisco:
”Não deixemos que nos roubem a Esperança” EG 226.
Sobre o autor:
Ernanne Pinheiro é presbítero da Igreja Católica, atuando na arquidiocese de Brasília. Trabalhou
diretamente com dom Dom Helder Camara por diversos anos. Foi o idealizador e secretário executivo do CEFEP / CNBB por 15 anos. Na CNBB foi assessor para a Comissão Episcopal Pastoral para o Laicato (CEPL) em diversos mandados e assessor político.
Fonte: