Eu era um menino calado, feliz, mas tinha medo de deus.
Minha vida era a vida de um menino feliz, de uma felicidade tímida, contida, pois tinha medo de deus.
Deus não era feliz. Vivia sozinho, lá no céu, vigiando todo mundo com seu olho que via tudo, até pensamento.
Passava a eternidade anotando os pecados de todo mundo num livro grande onde havia uma página com meu nome. Lá, os meus pecados e os seus ficariam gravados para o dia do juízo final.
Eu achava estranho ser um menino feliz e, ao mesmo tempo, imagem e semelhança de um deus infeliz, carrancudo e vingativo.
Que semelhança poderia haver entre nós?
Eu era um menino feliz, pois tinha família, amigos, casa e quintal.
Me divertia na escola e principalmente depois dela, quando corria para o campinho de futebol onde irmãos, primos e amigos me esperavam. Então, a vida se transformava num campeonato diário que não tinha fim, nem campeão. Só a alegria de jogar, todo dia, até o sol se pôr, só pela alegria.
Eu era feliz a semana inteira, até uma hora antes da missa de domingo, quando, em jejum, ia me encontrar com o olho de deus que via tudo e um dia iria me julgar.
Mas a felicidade insistia em sobreviver em mim, apesar de deus.
Teimosa, ela se derramava em pensamentos, palavras, atos e omissões.
Na prece, me apegava à mãe de misericórdia, tão minha conhecida, cheia de vida, doçura e esperança, o que me fazia esquecer que eu era um desterrado no vale de lágrimas.
Tinha medo desse deus que via tudo. Achava impossível amá-lo sobre todas as coisas. Já o próximo, tão próximo, esse, sim, amava com gosto e alegria.
Foi preciso crescer, sem deixar de ser menino, pois que pulsa em mim, até hoje, um coração de criança, para me fazer capaz de entender…
Foi numa capela que aquele deus morreu e nasceu em mim um Pai com coração de Mãe, ao rezar a parábola do Pai Misericordioso.
O Pai que me esperava, que abraçou, a mim, filho pródigo, era feminino.
No aconchego dos seus braços me senti menino. Vi se apagar a página do livro do Juízo, que tinha o meu nome.
Meu nome agora estava escrito na palma da sua mão,
Seu nome, no meu coração…
Hoje sei que Ele se chama Amor, eu, Esperança.
Toda vez que consigo amar e me deixar ser amado, sou sua imagem e semelhança…
Sobre o autor:
Eduardo Machado é educador e escritor apaixonado pelo ser humano. Considera-se um católico que tenta, cada dia mais, tornar-se cristão. É colaborador do Observatório da Evangelização PUC Minas.