Sexta-feira Santa: o inocente morre injustamente

Para alimentar o horizonte meditativo no segundo dia do Tríduo Pascal, nesta sexta-feira santa, vivida em contexto de quarentena por causa da pandemia de Covid-19, confira a reflexão de Luis Miquel Modino: 

(Nesta edição, com a produção, tradução e colaboração de Luis Miguel Modino, temos, no final, versão desta reflexão em espanhol.)

A morte dos inocentes incomoda as pessoas, mas, ao mesmo tempo, não se pode negar que sempre foi consentida e até promovida. Na tradição católica, a Sexta-feira Santa nos leva a lembrar de Jesus Cristo, injustamente condenado. A liturgia, através das leituras, dos cânticos, dos ritos, traz-nos isso como elemento não apenas de celebração, mas também como instrumento de reflexão que nos leva a descobrir que diante da morte somos chamados a defender a vida.

Às vítimas que todos os dias incham as listas dos novos crucificados, quase sempre distantes, alheios à nossa vida e realidade cotidianas, este ano se juntam rostos que estão próximos de nós. Em alguns países, quase todo mundo conhece, com maior ou menor proximidade, alguém que morreu em decorrência do Covid-19. Eles são amigos, família, é alguém que faz parte do nosso universo mais próximo. Essa realidade, que pelo menos no norte planetário é algo desconhecido para muitos, está levando a sociedade a pensar: como é possível que fulano tenha morrido dessa maneira, resultado de uma situação que nos escapa.

A história às vezes tem essas coisas, os personagens fazem parte dela, representados por diferentes atores, em diferentes épocas e lugares, eles assumem papéis que estão sempre presentes naquela grande comédia que acompanha eternamente a humanidade. São aqueles que, com grandes discursos, encantam os ouvidos de seus amigos, inclusive das multidões cegas, entregues na defesa de uma causa que nada tem a ver com eles.

É Caifás que condena injustamente alguém para sustentar um sistema social, econômico, político ou religioso, que privilegia alguns em detrimento do povo, a quem afirma servir e cuidar, mas do qual covardemente se aproveita.

É Pilatos que lava as mãos, quem cai fora e não age, embora saiba perfeitamente que sua negligência está contribuindo para que a injustiça prevaleça.

É Judas quem entrega o amigo, quem pensa que o outro pode ser usado quando estivermos interessados e vendido quando isso nos traz um lucro maior.

Existem muitos personagens que aparecem nas histórias da Paixão com os quais poderíamos nos confrontar, em um exercício de contemplação que nos conduza a descobrir e refletir sobre nossas atitudes em relação a situações presentes na história e em nossas vidas.

Além de cada personagem específico, todos eles têm que nos referir a Jesus e sua maneira de olhá-lo. Crucificado, sem poder sentir a proximidade dos mais próximos, sua experiência nos leva à de muitos que hoje continuam a ser crucificados, mas também àqueles que ao pé da cruz se perguntam as razões de algo que não tem resposta, porque há coisas que, no curso da história, acontecem. Eles nos ensinam a ter novos olhares da realidade e a entender, aos poucos, embora não seja algo facilmente assumido, que os inocentes também morram.

Nesta Sexta-feira Santa, somos chamados a suplicar a Deus diante do sofrimento dos inocentes, para ajudar a entender aqueles que sofrem, que eles não estão sozinhos. Esse sentimento de solidão é uma tentação que sempre ameaça os pensamentos daqueles que vivem momentos de angústia, que até saíram da boca daquele que implora na cruz porque pensa que Deus o abandonou. Mas nunca podemos esquecer que temos como Pai um Deus que acompanha seus filhos, que nunca nos abandona e que sempre oferece sua mão para nos ajudar a sair do buraco, especialmente quando parece que estamos afundando e não há como voltar atrás.

A fé é o que sempre nos permitirá descobrir, mesmo em situações em que apenas a dor parece está presente, que Deus acompanha a vida daqueles que sofrem. Mas também somos atores decisivos para a realidade mudar e para que as estruturas da morte, presentes por ação ou omissão, desapareçam. O compromisso individual e coletivo é um elemento fundamental para a vida triunfar, para o Reino de Deus avançar e para entendermos que a Cruz é caminho de Salvação.

Sobre o autor:

Luiz Miguel Modino

Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manaus – AM. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador do Observatório da Evangelização e em diferentes sites e revistas.

Confira, a seguir, a íntegra da matéria em espanhol:

Viernes Santo: el inocente muere injustamente

La muerte del inocente es algo que incomoda, pero al mismo tiempo no se puede negar que siempre se ha consentido, e inclusive se ha promovido. En la tradición católica, el Viernes Santo nos lleva a hacer memoria de Jesucristo, condenado injustamente. La liturgia, a través de las lecturas, los cantos, los ritos, nos trae eso como elemento no solo de celebración y sí como instrumento de reflexión que nos lleve a descubrir que ante la muerte somos llamados a defender la vida.

A las víctimas que cada día engrosan las listas de los nuevos crucificados, casi siempre lejanos, ajenos a nuestra vida y realidad cotidianas, este año se han unido rostros que nos resultan cercanos. En algunos países, casi todo mundo conoce, con mayor o menor proximidad, a alguien que ha muerto en consecuencia del Covid-19. Son amigos, familiares, es alguien que de alguna manera forma parte de nuestro universo más próximo. Esa realidad, que al menos en el norte planetario es algo que a muchos les resulta desconocido, a muchos les lleva a preguntarse, cómo es posible que fulano haya muerto de esta manera, fruto de una situación que se nos escapa.

La historia a veces tiene esas cosas, de ella forman parte personajes, que representados por diferentes actores, en momentos y lugares diversos, asumen papeles siempre presentes en esa gran comedia que perennemente ha acompañado a la humanidad. Es Caifás quien condena injustamente a alguien para mantener un sistema social, económico, político o religioso, que privilegia a unos pocos en detrimento del pueblo, al que dice servir y preocuparle, pero del que se aprovecha cobardemente. Son aquellos que con discursos altisonantes encantan los oídos de sus amigos, inclusive de masas obnubiladas.

Es Pilatos quien se lava las manos, quien se desentiende y no actúa, aunque sepa perfectamente que su negligencia está contribuyendo para que la injusticia prevalezca. Es Judas quien ha entregado al amigo, quien piensa que el otro puede ser usado cuando nos interesa y vendido cuando eso nos reporta un lucro mayor. Son muchos los personajes que aparecen en los relatos de la Pasión con los que podríamos confrontarnos, en un ejercicio de contemplación que nos lleve a descubrir y reflexionar sobre nuestras actitudes ante situaciones presentes en la historia y en nuestra vida.

Pero por encima del personaje concreto, todos ellos tienen que remitirnos a Jesús y a su forma de mirar hacia él. Crucificado, sin poder sentir la cercanía de los suyos, su experiencia nos conduce a la de tantos que hoy continúan siendo crucificados, pero también a aquellos que al pie de la Cruz se preguntan los por qués ante algo que no tiene respuesta, porque hay cosas que, en el transcurrir de la historia, suceden. Ellas nos enseñan a tener nuevas miradas de la realidad y a entender, poco a poco, aunque no sea algo fácilmente asumible, que los inocentes también mueren.

En este Viernes Santo somos llamados a suplicar a Dios ante el sufrimiento del inocente, a ayudar a entender a quien padece que no está sólo. Este sentimiento de soledad es una tentación que siempre amenaza el pensamiento de aquel que vive momentos de angustia, que incluso salió de la boca de quien desde la Cruz clama porque piensa que Dios le ha abandonado. Pero nunca podemos olvidar que tenemos por Padre a un Dios que acompaña a sus hijos, que nunca nos abandona y que siempre ofrece su mano para ayudarnos a salir del hoyo, especialmente cuando parece que nos hundimos y ya no hay vuelta atrás.

La fe es lo que siempre nos va a permitir descubrir, inclusive en situaciones donde parece que solo el dolor está presente, que Dios acompaña la vida del que sufre. Pero también que somos actores decisivos para que la realidad cambie y para que las estructuras de muerte, que se hacen presentes por acción u omisión, desaparezcan. El compromiso individual y colectivo es un elemento fundamental para que la vida triunfe, para que el Reino de Dios avance, y para que entendamos que la Cruz es camino de Salvación.