Na sociedade atual muitos analisam e constatam grande ausência de profetismo em nossas lideranças políticas e religiosas. Mais propriamente, consideram que há carência de líderes carismáticos que encarnem os ideais de uma nova sociedade. Atualmente muitos daqueles que se apresentaram como lideranças sociais, políticas e religiosas, ainda que tenham inicialmente suscitado esperanças de um futuro melhor, parecem ter se encantado, na verdade, com o canto da sereia do poder, do ter e do prazer. Muitos se revelaram guias de cegos, tornaram-se ébrios e corromperam-se. Hoje vivem imersos por uma decadência moral, experimentam o descrédito e a zombaria de muitos. Os que se deixaram enganar experimentam a revolta de terem sido tão ingênuos no ato de confiar.
Mas felizmente ninguém consegue ludibriar a todos, em todos os lugares e o tempo todo. Mesmo quando procuram massificar e usar as novas tecnologias midiáticas, com belas imagens e sons, e veiculam diárias fakes News. Ledo engano. A verdade e a justiça sempre prevalecem no final. A força da luz se revela bem mais forte que o demoníaco poder das trevas. Quem pensa que o poder das mídias digitais basta para resolver a questão da conquista da credibilidade junto das pessoas, continua a errar.
Tais pessoas geralmente não se preocupam com a consistência e a coerência moral, com o zêlo pelo capital ético. Por isso não vão muito longe em seu projeto enganador. Podem até conquistar o poder e ficarem, por um tempo, à frente das instituições sociais políticas e religiosas, civis e militares. Mas não conseguem subsistir. Vivem uma ilusão. Com o tempo, seus admiradores/as, colaboradores/as ou devotos/as perceberão a mediocridade e o fato de estarem sendo enganados/as. Neste momento, seus olhos se abrirão e trilharão por outros caminhos.
Profetas são aqueles homens e mulheres que, diante das situações que violentam o projeto salvífico do Deus da vida, não ficam calados: por um lado, denunciam as injustiças e as mentiras, por outro, anunciam a chegada de um tempo novo do qual dão testemunho. Um dos maiores desafios do profetismo é a emergência de verdadeiros líderes carismáticos que se comprometem com a luta dos pobres pela conquista da vida digna, da cidadania, e que sejam coerentes com a prática da justiça e da verdade: defesa da inclusão social, da dignidade dos povos indígenas e quilombolas, do acesso cidadão de todos à saúde, educação, habitação, saneamento básico, trabalho digno, transporte, seguridade, segurança, lazer… Para os profetas verdade e justiça caminham juntas e de mãos dadas.
A profecia numa instituição implica contínua reflexão crítica e autocrítica, revisão constante dos rumos e renovação diária dos compromissos éticos. Exige que o amor humanitário que conduz à busca e à prática da justiça e da verdade seja sempre retomado. Implica saber que a mentira e a injustiça são areias movediças nas quais se afundam pessoas, grupos e instituições. A própria qualidade da sociedade é afetada quando as pessoas e sobretudo as instituições, que devem encarnar mediações que ajudem a avançar no ideal de uma sociedade justa, inclusiva, solidária e fraterna, afundam na lama da injustiça, da corrupção e do descaso com a vida do povo, especialmente dos mais pobres e vulneráveis.
Essas prerrogativas oferecem critérios de avaliação crítica-autocrítica para as pessoas e sobretudo as instituições: judiciário, legislativo, executivo, forças armadas, políticas, religiões e igrejas, ONGs, empresas e grupos diversos que exercem instâncias de poder sociopolítico, econômico, religioso, civil ou militar. Todos necessitamos cuidar da coerência de vida diante dos princípios e valores que concretizam a defesa da dignidade da vida, da pessoa humana, da justiça, da verdade e da nossa casa comum.
No contexto atual, tudo faz crer que a administração das coisas públicas e privadas está mergulhada em profunda crise antropológica. Alguns setores da Igreja também vivem essa ruptura ética no tocante a prática da justiça e da verdade. Falta dinâmicas de governo pautadas pela honra, dignidade, defesa do senso de coletividade e dos interesses da sociedade, sobretudo dos mais pobres e vulneráveis, respeito e transparência ética. Há muitos lobbies no legislativo que defendem apenas interesses privados, em detrimento ou na contramão dos interesses da sociedade. O critério maior não é o bem comum, mas os conchavos para a manutenção ou ampliação dos privilégios de classe e de casta e a perpetuação no poder.
A sociedade adoece, o pacto social, a coletividade, a convivência social e a democracia cidadã ficam fragilizados e ameaçados, diante da deteriorização, relativização ou perda dos valores estruturantes da vida social: justiça, equidade, honestidade, fraternidade e cuidado preferencial com os mais pobres e socialmente vulneráveis. Há uma apropriação indevida do que é público e um descaso com um bem comum.
Por isso, se quisermos falar de profetismo genuíno e encantador, de lideranças autênticas, servidoras do bem comum, defensoras da dignidade da vida, observemos criticamente quem se mostra amigo da verdade e da justiça.
Rezemos para que o Espírito Santo suscite verdadeiras lideranças comprometidas com a defesa da vida e dos interesses fundamentais do povo brasileiro e não apenas de suas elites econômicas e de grupos específicos de grande influência política. Basta desta cegueira política e religiosa imoral que leva ao descaso com a situação dos mais pobres e ao descrédito das instituições sociopolíticas e religiosos. Afastemos dessa perversa e degrandante alienação em relação aos desafios e urgências de nosso tempo.
Jamais percamos a esperança, mesmo que o mal tente roubá-la. Jesus Cristo, para nós cristãos, é a grande referência, que testemunhou em nossa história o caminho, a verdade e a justiça. Por isso o nosso profetismo de cristãos, na Igreja e na sociedade, precisa ser profundamente jesuânico: coerente com o amor de Deus que nos irmana e nos desafia a conviver pautados pela busca do amar e servir. Assim o seja! Amém
Sobre o autor:
Pe. Matias Soares é pároco da paróquia de Santo Afonso/Natal-RN e é colaborador do Observatório da Evangelização PUC Minas.