Um ataque crescente e desenfreado contra os povos indígenas vem tomando conta do Brasil, de modo explicitamente violento do Maranhão. Somente neste Estado, segundo a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), de 2016 a 2019, 13 indígenas foram mortos em decorrência do conflito com madeireiros. Em nenhum dos casos os criminosos foram punidos. Caso seja confirmada a relação de conflito com madeireiros nas duas mortes do último sábado (7/12/19) e nesta sexta-feira (13/12/19), o número subiria para 16.
“Nenhum caso foi identificado quem cometeu o crime ou levado a julgamento. O tipo de violência normalmente é praticado em lugares ermos, sem testemunha, principalmente no interior da floresta, e isso dificulta a investigação. Mas também tem a questão da estrutura de segurança que não está preparada ou não prioriza esses casos” (Antônio Pedrosa, assessor jurídico e membro da SMDH).
O jovem Erisvan Soares, de 15 anos, do povo Guajajara da Terra Indígena Arariboia foi encontrado morto e esquartejado na cidade de Amarante, Maranhão. Um não indígena Roberto do Nascimento Silva, de 31 anos, cujo corpo foi encontrado com o dele, ambos assassinados.
“Erisvan Soares Guajajara, de 15 anos, havia saído da Terra Indígena Arariboia, há cerca de duas semanas, para acompanhar o pai, Luizinho Guajajara, ao município de Amarante, no Maranhão, que fica a 683 quilômetros da capital São Luís. À cidade se dirigiram para com a aposentadoria do pai comprar mantimentos e roupas, hábito comum aos indígenas que saem dos territórios para nos centros urbanos encontrar aquilo que não plantam, tecem, caçam ou colhem. A viagem acabou de forma trágica nesta sexta-feira (13) quando o corpo do jovem indígena foi encontrado esquartejado em um campo de futebol localizado em Amarante.” (Conselho Indigenista Missionário – Cimi)
De maneira precipitada, com uma pressa oposta à habitual apatia diante de casos de violência nos territórios, e sem aguardar o término das investigações, a Fundação Nacional do Índio (Funai) soltou uma nota afirmando que “segundo a polícia (…) estão descartadas todas motivações de crime de ódio, disputa por madeira ou por terras”. Para o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão, Gilderlan Rodrigues, o trecho da nota da Funai é lamentável porque “parece uma isenção, como se o órgão não tivesse a ver com o fato. Há uma sequência de violência afligindo o povo Guajajara e a Funai deveria olhar para isso”. Para Rodrigues, a postura da polícia e da Funai em querer antecipar o resultado das investigações de um crime com requintes de crueldade “é como matar mais uma vez o indígena”.
Em suas redes sociais, a liderança indígena Sonia Guajajara comenta a sequência de crimes brutais que vem tirando a vida do seu povo:
“São muitas falácias, muitas versões, acusações, não interessa, ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém. Não é apenas um cenário de guerra, estamos num campo de batalha onde o ódio disseminado pelas forças políticas conservadoras, autoritárias, racistas são estimuladas pelo fascismo que já extrapolou todos os seus limites.” (Sonia Guajajara)
Este é o quarto assassinato registrado do povo Guajajara nos últimos dois meses. O ano de 2019 entrará para história tingido de sangue, um ano de massacre genocida contra os povos indígenas no Brasil.
1º Paulo Paulinho Guajajara, 26 anos, no dia 01/11/2019
2º Cacique Firmino Silvino Guajajara, 45 anos, no dia 07/12/2019
3º Cacique Raimundo Bernice Guajajara, 38 anos, no dia 07/12/2019
4º Erisvan Soares Guajajara, 15 anos, no dia 13/12/2019
O assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Luiz Eloy Terena, também defendeu essa linha de pensamento.
“Teve a morte do Paulino Guajajara, que era o líder dos Guardiões da Floresta, e agora esse outro ataque são crimes que estão relacionados aos conflitos por território, que é grande na região. Os indígenas estão defendendo com a própria vida suas terras.”
Bolsonaro se elegeu no ano passado afirmando que não permitiria novas reservas indígenas e, desde que assumiu, vem defendendo a exploração de recursos mineirais em suas terras. Seu discurso permissivo com relação ao desmatamento e à exploração das riquezas naturais da Amazônia é visto por especialistas e ambientalistas como fator determinante no aumento do desmatamento e dos incêndios neste ano. A maior parte da destruição se deu justamente em terras indígenas e reservas naturais protegidas, segundo indicam os dados. Essas terras são ambicionadas por madereireiros e grileiros, movidos pelas promessas do Governo de fazer uma regularização fundiária na região, o que poderia resultar também na legalização das áreas invadidas de forma criminosa.
Segundo Paulo César Moreira, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra – CPT, o aumento no número de mortes de lideranças indígenas é resultado de um discurso de “violência institucionalizada” nos conflitos do campo.
“Nós vivemos um momento em que o Estado é o agente promotor das agressões. Com todo esse momento político que a gente vive, os responsáveis pelas violências decidiram que esses povos indígenas não têm direitos e que têm que ser eliminados. Com isso, a gente está vendo um massacre” (Paulo Moreira, coordenador da Comissão Pastoral da Terra, da CNBB).
É preciso urgente um basta de tanta violência. Vidas estão sendo seifadas e outras colocadas em risco em nome da negação da dignidade cidadã dos povos indígenas e, sobretudo, pela ganância insaciável por lucros e a cobiça pelos territórios indígenas.