“O enfoque missionário na Amazônia exige mais do que nunca um magistério eclesial exercido na escuta do Espírito Santo, que seja capaz de assegurar tanto a unidade como a diversidade e, portanto, uma cultura de encontro em harmonia multiforme.”
Trecho de texto postado oficialmente no site do Vaticano
Reflexão sobre a oposição ao papa Francisco
A oposição ao papa Francisco vem se mostrando crescente e cada vez mais explícita, mas facilmente localizada. Trata-se, a nosso ver, de uma oposição visivelmente contraditória em suas teses e linhas mestras. Por uma lado, apresenta-se como “defensora da ortodoxia”, uma espécie de guardiã autorizada do depósito da fé, mas, por outro, revela-se, profundamente, fechada a qualquer dinamismo do Espírito Santo, o grande guia da Igreja.
Além disso, mostra-se contraditoriamente contrária a toda e qualquer repensar da estrutura eclesial – ainda que esta há tempos se mostra com profundos sinais de obsolescência – ou com falta de confiança na providencia divina e abertura para acolher toda e qualquer inovadora resposta pastoral, ainda que tenha coerência com o Evangelho do Reino e seja jesuanicamente criativa no enfrentamento dos desafios e urgências de nosso tempo.
A concepção de Igreja que está nas entrelinhas da oposição ao projeto de Reforma da Igreja impulsionado pelo papa Francisco, com fidelidade ao Evangelho e ao Concílio Vaticano II, não é a Igreja sacramento do Reino, povo de Deus a caminho, sempre necessitada reformas e em contínuo processo de aperfeiçoamento histórico, esta autocompreensão consagrada no Concílio Vaticano II (1962-1965), mas a de uma instituição perfeita e acabada, sem qualquer necessidade de conversão ou transformação histórica.
Ao que parece, os críticos do papa Fransico fazem vista grossa para os muitos e graves erros históricos, sobretudo morais e teológico-pastorais, presentes na caminhada da Igreja Católica, bem como de suas muitas virtudes quando, depois de constatá-los e reconhecê-los, pela força e dinamismo do Espírito Santo, ir se corrigindo e se aperfeiçoando ao longo do tempo. Igualmente ignoram os muitos e graves erros e pecados cometidos pelos clérigos que compõem a hierarquia da Igreja e que, em sua ambivalência humana, cometem erros e pecados que o papa Francisco tem dado visibilidade, combatido e humildemente se implicado no chamado à conversão pastoral e estrutural da Igreja.
Dois cardeais atacam o Sínodo da Amazônica e o papa Francisco
Segundo os jornais Gazeta do Povo e Estadão, dois cardeais fazem críticas tanto ao Sínodo da Amazônia quanto ao magistério do papa Francisco.
O primeiro é o conhecido cardeal Gerhard Muller, 71 anos, retirado do cobiçado cargo de prefeito da Congregação para a Doutrina na Fé pelo próprio papa Francisco.
O segundo é o cardeal emérito ultraconservador Walter Bradmüller, 90 anos, que se tornou conhecido por ser um dos signatários da polêmica Carta ao Papa, que quatro cardeais tornaram pública, após a publicação da Exortação Apostólica Amoris Laetitia de Francisco.
“Tanto Muller quanto Brandmüller usaram termos como “heresia”, “estupidez” e “apostasia” para se referir a trechos do documento que orientará o Sínodo para a Amazônia.“
A) Críticas de Muller, segundo a reportagem citada:
“No livro recém-publicado Römische Begegnungen (“Encontros em Roma”, em tradução livre), Muller acusa o papa Francisco de trabalhar pela dissolução da Igreja. No texto, há amplas críticas a aproximações com “política” e “intrigas”, além de falas sobre uma secularização da Igreja ao modelo protestante. São amplas as queixas, por exemplo, à participação de Francisco na celebração dos 500 anos da Reforma Protestante, durante sua visita à Suécia, em 2017.
Quanto ao Sínodo da Amazônia, Muller concentra suas objeções aos conceitos de cosmovisão (com acenos a mitos e rituais evocando a “mãe natureza”), ecoteologia, cultura indígena e ministério sacerdotal, com a possibilidade de ordenar padres casados, presente no instrumento de trabalho. “A cosmovisão dos povos indígenas é uma concepção materialista semelhante ao marxismo e não é compatível com a doutrina cristã” afirmou o cardeal, em entrevista em 17 de julho.“
B) Críticas de Brandmüller, segundo a reportagem citada:
“É impossível esconder o fato de que esse Sínodo é particularmente adequado para implementar dois dos projetos mais ambiciosos e que nunca foram implementados até agora: a abolição do celibato e a introdução de um sacerdócio feminino, a começar por mulheres diaconisas.”
C) Posição do papa Francisco e do relator no Sínodo Dom Cláudio Hummes
Para o papa Francisco:
“o Sínodo da Amazônia é filho direto de sua ‘encíclica verde’, a Laudato Si’, na qual ele descreve o planeta como uma Casa comum. ‘Quem não a leu não entenderá o Sínodo’, diz. O Papa defendeu a Amazônia como parte importante a ser preservada, a exemplo dos oceanos. Sua perda, segundo ele, poderia levar à redução da biodiversidade e ao surgimento de doenças mortíferas.“
“a possibilidade de ordenar os chamados ‘viri probati’ – normalmente idosos, ligados a comunidades amazônicas e de virtude comprovada – não será tema central do encontro. Absolutamente, não. (…) é simplesmente um ponto do Instrumentum Laboris. O foco são os ministros da evangelização e as diferentes formas de atuação’.“
“os governos locais devem responder diretamente pelas ‘minas ao ar livre’ que envenenam os rios(…). A ameaça à vida dessas populações e desse território envolve interesses econômicos e políticos dos setores dominantes da sociedade.”
Para Dom Cláudio Hummes,
“O foco da próxima reunião está em criar ‘uma Igreja indígena para as populações indígenas’.“
“é necessário confrontar ‘resistências’ existentes ‘tanto na Igreja quanto fora dela’ (…). Para ele, ‘interesses econômicos e o paradigma tecnocrático se opõem a qualquer tentativa de mudança e estão prontos a se impor pela força’. Ele fala, ainda, de crimes ambientais que ficaram impunes, e destaca a necessidade de o encontro tratar de direitos humanos.”
A dinâmica e o processo em andamento do Sínodo da Amazônia
O Instrumentum Laboris que eles tanto criticam não é redigido pelo Papa. Trata-se um documento já tornado público pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), produzido desde a base da Igreja da Amazônia, resultado de um longo processo de escuta. A estes o papa Francisco quer escutar o grito, já que estamos falando de um Sínodo para a Igreja da Amazônia e não para cardeais que vivem no conforto da Europa. Este importante documento de trabalho foi redigido por uma equipe de especialistas – bispos, teólogos/as, pastoralistas, religiosos, leigos – que recolheu as mais diversas narrativas e solicitações, por meio de amplas consultas às lideranças leigas e religiosas atuantes na complexa realidade social e eclesial da Amazônia.
Este documento apresenta os temas centrais, com pistas de ação e propostas concretas que respondem aos desafios e urgências da Igreja e da realidade sócio-econômica e ambiental da região Amazônica. Um instrumento de trabalho para ser discutido e avaliado durante o evento. Depois de todo este processo de escuta e análise do conteúdo proposto à luz da fé e da tradição da Igreja, do resultado produzido pelo Sínodo é que Francisco escreverá a sua Exortação pós-sinodal, como fez depois do Sínodo da família e da juventude ao logo de seu magistério.
Para o Sínodo da Amazônia muitos estão participando direta e indiretamente desde a sua convocação pelo Papa. Mas para a reunião de outubro, para o Sínodo propriamente dito, estão previstas a presença de 250 delegados, sendo cerca de 60 brasileiros, mais aqueles a quem o Papa convidou para o evento. Entre os delegados e delegadas, estarão presentes bispos, religiosos e leigos oriundos dos nove estados brasileiros que compõem a chamada Amazônia Legal, ou seja, Acre, Amapá, Rondônia, Roraima, Amazonas, Pará, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso, bem como de outros países amazônicos, ou seja, Bolívia, Equador, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname.
- Confira duas reportagens de crítica ao Sínodo da Amazânia e ao papa Francisco completas aqui comentada em: www.gazetadopovo.com.br e www.brasil.estadão.com.br
- Para conhecer, acompanhar o Sínodo da Amazônia acesse o site da Repam:
www.repam.org.br
Edward Neves Monteiro de Barros Guimarães
Teólogo leigo, membro da diretoria da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER) e secretário Executivo do Observatório da Evangelização PUC Minas
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