Há uma dimensão social na ação evangelizadora que exige do cristão profundo envolvimento na política, enquanto lugar próprio para a busca do bem comum na vida em sociedade. Trata-se de uma exigência irrenunciável da fé cristã, que irradia de seu ventre a concretização de uma vocação profética que a interpela: de um lado, anunciar, da parte de Deus, uma boa notícia para os pobres e excluídos da mesa do amor e da dignidade dos filhos e filhas de Deus (somos todos filhos e filhas de Deus, que tem por nós um amor gratuito e incondicional e tem como projeto uma convivência social pautada pela justiça e pelo bem querer fraterno) e, de outro, denunciar contra todas as formas de injustiça, violência e ameaça à dignidade da vida de seus filhos e filhas. Desse modo, a política se revela, nas palavras do papa Francisco, uma das formas mais elevadas de caridade fraterna, compromisso com a humanidade e santidade.
A seguir, publicamos o artigo de Selvino Heck que chama a atenção para o marco celebrativo dos 30 anos do Movimento Fé e Política (1989-2019). Vale a pena conferir:
Fé e Política: 30 anos de um movimento
“Envolver-se na política é uma obrigação para um cristão. Nós, cristãos, não podemos fazer como Pilatos e lavar as mãos. Não podemos! Devemos nos envolver na política porque é uma das formas mais elevadas de caridade, porque é próprio da política a busca do bem comum. A política é um compromisso de humanidade e santidade“. São palavras justas e orientadoras do Papa Francisco.
Voltando no tempo:
“Em 20 de dezembro de 1988, em Petrópolis, o grupo estava convicto de que aquele algo novo exigia nascer. Neste sentido, foi organizado um Seminário ampliado para os dias 24 e 25 de junho de 1989 no Rio de Janeiro. Aí então, entre foguetes e fogueiras de São João que iluminavam os céus do Rio de Janeiro, nasceu finalmente a criança, batizada com o nome de ‘Movimento Fé e Política’. Pais e mães, padrinhos e madrinhas dela são todos aqueles e todas aquelas que participaram do longo período de gestação. Esta criança vai precisar de uma família que a ame e que a queira ver crescer saudável e robusta. Por isso, todos aqueles e todas aquelas que sentirem em seus corações despertar o comprometimento com a fé e a política farão parte desta grande família que permitirá a esta criança ser jovem e depois adulta. Assim como nós o queremos, também o queira Deus, Pai e Mãe”.
(Márcia Miranda, Um Tempo fecundo de Gestação, em Movimento Fé & Política , Histórico, Princípios, Natureza, Organização e últimos encaminhamentos, outubro de 1991).
Em Princípios do Movimento Fé e Política, documento deliberado no Rio de Janeiro, em 24 de junho de 1989, Festa de São João, está escrito:
“O Movimento Fé e Política é um movimento ecumênico, não confessional e não partidário. Ele está aberto para todas as pessoas que consideram a política como campo preferencial da vivência de sua fé e que consideram a fé como fundamento último de sua utopia política.
O Movimento tem como objetivo fazer avançar a reflexão política e a vida espiritual daqueles que estão comprometidos com uma prática política e social. Trata-se daqueles e daquelas que, atuando em movimentos sociais, organizações populares ou partidos políticos, assumem a causa dos pobres e dos oprimidos; que conferem prioridade à conscientização e organização popular de base; que recusam a manipulação das bases e rejeitam qualquer vanguardismo; que afirmam as classes populares como sujeitos da sua história, na construção de uma sociedade democrática e socialista.”
São, pois, tempos de celebração dos 30 anos do Movimento Fé e Política. Um dos momentos fortes de encontro e celebração acontecerá no
XI Encontro Nacional, que acontecerá nos dias 12 a 14 de julho em Natal, Rio Grande do Norte, com o tema:
DEMOCRACIA, POLÍTICAS PÚBLICAS E ALTERNATIVAS SOCIAIS:
SINAIS DOS TEMPOS NA CONSTRUÇÃO DO BEM VIVER
(Informações, contatos, inscrições: www.fepolitica.org.br; secretarianfepolitica@gmail.com).
São, pois, tempos proféticos e de urgência. Escreveu frei Betto, um dos fundadores do Movimento Fé e Política, em ‘Os 10 Mandamentos da Relação Fé e Política’, em 1991, no décimo Mandamento:
“A política é tanto mais popular quanto mais a gente se encontra ligada à luta do povo. A fé é tanto mais evangélica quanto mais a gente se liga ao Deus da Vida através da comunidade cristã”.
A ‘grande família’, nas palavras de Márcia Miranda, chegou à maturidade. Nos tempos e conjuntura atuais, de ódio, intolerância, de perda direitos dos mais pobres e trabalhadores, de ameaças à democracia e à soberania, de criminalização da política, as palavras do papa Francisco, os Mandamentos de Frei Betto, os 30 anos do Movimento Fé e Política são fontes de esperança, são fachos de luz.
A resistência dos anos 1970, que fez surgir as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), pastorais como a da Terra, a Operária, a da Juventude, o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), cimentadas pela Teologia da Libertação, continua viva. A Igreja em saída, na proposta do papa Francisco, os jovens e as mulheres na rua, lutando e exigindo igualdade, democracia, direitos, soberania, o Movimento Fé e Política, vivo e forte, são sinais de futuro e de uma sociedade do bem viver.
Sobre o autor
Selvino Heck é um dos fundadores e membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política. Ele foi deputado estadual constituinte pelo Rio Grande do Sul (1987-1990) e um defensor da política como instrumento de defesa da dignidade da vida, de igual cidadania para todos e combate às injustiças e desigualdades sociais.