A obra Pastoral numa Igreja em saída foi organizada por Francisco das Chagas de Albuquerque e Manoel José de Godoy, ambos, especialistas em Teologia Pastoral. Albuquerque é doutor em Teologia Sistemática e professor de Teologia pastoral desde 2009 na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE – Belo Horizonte); Godoy é mestre em Teologia pastoral e supervisor de estágios pastorais na FAJE.
Trata-se de um livro gestado no meio acadêmico, pelo Grupo de Pesquisa Teologia e Pastoral, que reúne pesquisadores e estudantes de instituições acadêmicas e de formação de Belo Horizonte (FAJE, PUC Minas, ISTA, Centro Loyola de Fé e Cultura). O Prefácio é de autoria do Prof. Agenor Brighenti (PUC PR). Ele ressalta que, em tempos de imediatismos, pragmatismos e providencialismos, é sempre bem-vindo um livro de teologia pastoral, na esperança de que não fique no meio acadêmico, mas chegue aos agentes engajados na capilaridade das comunidades eclesiais, atreladas a paróquias que necessitam de urgente reconfiguração, na perspectiva da renovação conciliar e da tradição eclesial libertadora da Igreja na América Latina.
Destaca, ainda, que os textos do livro mostram que a pastoral é uma ação complexa. Por isso, a pastoral precisa situar-se numa relação interdisciplinar com aquelas ciências imprescindíveis para um engajamento consequente dos cristãos num mundo plural e cada vez mais diversificado. É a inter-relação da teologia pastoral com outros saberes, que lhe permitem precisar o “ponto de partida” e vislumbrar o “ponto de chegada” da ação evangelizadora.
Observa, outrossim, que o ponto de partida diz respeito a colocar os pés no chão (a realidade é mais importante que a ideia). Para caminhar do ponto de partida ao ponto de chegada, é preciso fazer processo (o tempo é superior ao espaço). Para fazer processo, faz-se necessária uma ação conjunta, que incida sobre a globalidade da realidade (o todo é superior à parte). Finalmente, fazer processo a partir da realidade, envolvendo tudo e todos, implica assumir conflitos e superá-los (a unidade é superior ao conflito).
Na apresentação feita pelos organizadores descreve-se a gênese desse livro. O Grupo e Pesquisa Teologia e Pastoral, a partir do estudo do Documento 100: Comunidade de Comunidades: uma nova paróquia (CNBB, 2014), propõe chaves de leitura que possam guiar as várias instâncias da pastoral preocupadas com a realidade efetiva na vida da Igreja. Ao longo de mais de um ano, os membros do grupo se debruçaram sobre as temáticas abordadas no documento, aprofundando-as e ampliando-as em perspectiva acadêmica e pastoral, descobrindo, assim, novas pistas para se pensar a pastoral no século XXI. Os resultados da pesquisa constituem-se no conteúdo deste livro disponibilizado para um amplo público.
A obra é composta de 10 capítulos. Os dois primeiros trazem um aprofundamento da situação cultural e religiosa da atualidade; os seguintes, do terceiro ao sexto, abordam temas centrais do documento 100; o sétimo e o oitavo lançam um olhar sobre os ministérios eclesiais; o nono e o décimo trabalham questões referentes ao planejamento pastoral.
1) Geraldo de Mori (FAJE), em O anúncio de Jesus Cristo em novos tempos – nas fronteiras da “insignificância”, do “sujeito vulnerável e da tecnociência”, privilegiando um recorte sistemático, faz, num primeiro momento, uma leitura teológica de nosso tempo e mostra que entramos num período de “debilidade”, que afeta nossa concepção de Deus, do ser humano e de mundo. Nesses três âmbitos, percebe-se a “mudança de época” em curso nas sociedades avançadas e nas que por elas são influenciadas. Esclarece que, nas sociedades latino-americanas, esse processo tem outra dinâmica, uma vez que nelas predomina a cosmovisão pré-moderna, combinada com elementos socioeconômicos, políticos e culturais que as tornam complexas. Tendo como base essa análise, o Autor debruça-se sobre o que seriam as fronteiras da evangelização hoje: a insignificância dos pobres, a vulnerabilidade do sujeito e a tecnociência. Essas fronteiras da evangelização desafiam a Igreja à saída das zonas de conforto e da estabilidade para a redescoberta da alegria do Evangelho.
2) Cleusa Caldeira (FAJE), em Novos rostos, novos desafios: uma Igreja atenta aos “sinais dos tempos”, analisa a crise das instituições religiosas no contexto brasileiro a partir do Censo de 2010 e aponta o crescimento dos “sem religião” como um dos desafios no campo religioso brasileiro. Mostra que, no contexto da pós-modernidade, não há um sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, mas um indivíduo fragmentado, composto de múltiplas identidades, muitas vezes contraditórias ou não resolvidas, configurando identidades religiosas, segundo a clássica classificação da socióloga francesa Danièle Hervieu-Léger, denominadas como: a) praticante; b) peregrino; c) convertido. Para discernir como acontece a redenção no seio da história da humanidade fragmentada, a Autora aponta alguns elementos teológicos: a lógica da kénosis, da encarnação e da redenção. Por meio delas, é possível despojar-se de toda a pretensão de domínio e anunciar a mensagem da salvação.
3) Manoel José de Godoy (FAJE), em Paróquia no meio urbano, rede de comunidades, e a contribuição das Comunidades Eclesiais de Base, tem como ponto de partida a paróquia e levanta alguns aspectos em que o modelo das CEBs pode contribuir para que essa estrutura milenar se abra para uma perspectiva mais missionária. As CEBs, na área rural e urbana, deram vida nova à velha estrutura paroquial. Procurando viver no espírito do Concílio Vaticano II, elas buscaram praticar a hospitalidade, sobretudo com os pobres e excluídos, e lutar pela superação de todas as discriminações, que impedem viver como verdadeiros irmãos e irmãs. Destaca que, após um longo inverno eclesial, com o advento do Papa Francisco, elas ganharam novo fôlego e são um potencial para a evangelização no mundo urbano. Apresenta um desafio a ser enfrentado: recuperar em novos moldes seu elã. Será tarefa para os próximos anos. Como rede de comunidades, as CEBs já contribuíram com as paróquias, mas podem continuar, sobretudo no meio urbano.
4) Gelson Luiz Mikuszka (FAJE), em Reflexões metodológicas a partir de uma experiência. Suscitar comunidades cristãs, a partir da experiência de ação evangelizadora realizada numa paróquia do Estado do Paraná, por um período de dois anos, descreve metodologicamente como tal ação poderá contribuir com a reflexão sobre as novas práticas em relação à suscitação de comunidades cristãs numa paróquia. Num segundo momento, o Autor faz uma autocrítica de sua experiência e, a partir daí, amadurece princípios e critérios que visem suscitar comunidades de fé.
5) Francisco das Chagas de Albuquerque (FAJE), em Comunidade missionária: pastoral de manutenção ou de fronteira, reflete sobre o imperativo de a comunidade eclesial assumir sua missionariedade com a alegria evangélica, própria de uma comunidade missionária. Mostra que, em nosso contexto, são várias as situações de fronteira que desafiam e interpelam os cristãos, individual e comunitariamente, ao anunciar e testemunhar o Evangelho em vista da plena libertação e realização do ser humano. Destaca que ser missionária é, por excelência, o modo de toda a Igreja ser. A comunidade missionária se forma a partir do chamado de Jesus: Ele chama seus seguidores, forma-os na convivência cotidiana e os envia, constituindo-os, assim, em apóstolos-missionários. A vida missionária da comunidade eclesial se desenvolve no fiel seguimento de Jesus Cristo, comprometido com o Reino de Deus e com o serviço à sociedade. Uma Igreja “em saída” supera as práticas de pastoral de manutenção e assume a proposta de uma pastoral de fronteiras, num espírito de Igreja verdadeiramente missionária.
6) Maria Eugenia Lloris Aguado (PUC-Minas), em Comunidades ambientais: o território da afinidade, mostra como a mobilidade alcançada pelos meios de comunicação e pela tecnologia facilitam transitar por diferentes lugares em curtos espaços de tempo. Percepções de tempo e espaço mudaram consideravelmente, uma vez que a vida humana desenvolve-se em ambientes e territórios diversificados. Tal realidade exige que pensemos alternativas de agrupação ou sociabilidade e, portanto, de comunidade. Imersos em um mundo globalizado, sabe-se que a comunidade virtual não se opõe à comunidade presencial e que as redes estabelecidas na internet são duradouras, quando mantêm um vínculo real. A Autora indica de que maneira as comunidades ambientais criadas na rede social podem iluminar nossas práticas e abrir espaços reais para as comunidades afins ou ambientais presenciais e como as comunidades ambientais, nascidas de um interesse comum, podem ser autênticas comunidades de vida e de fé.
7) Cleto Caliman (PUC- Minas), em Igreja e ministérios eclesiais, defende que os ministérios eclesiais adquiriram maior relevância depois do Concílio Vaticano II (1962-1965). Este concílio deu impulso renovador à vida eclesial, dentro de uma nova moldura histórica, que suscita novas interrogações decorrentes, primeiro, da renovação da própria autocompreensão da Igreja em sua relação consigo mesma. Mostra que essa mudança de enfoque pode caracterizar-se brevemente pelo deslocamento do acento da hierarquia para Povo de Deus, partindo da eclesialidade batismal e da igualdade fundamental de todos os fiéis. Partindo deste novo quadro histórico-cultural e reconhecendo a complexidade da problemática, o Autor explora a possibilidade de uma nova configuração dos ministérios eclesiais, perfazendo dois momentos: o das transformações dos ministérios eclesiais na era constantiana, com um rápido aceno a a seus desdobramentos eclesiais dos primeiros séculos até as vésperas do Concílio Vaticano II, e o da sondagem dos caminhos de um novo paradigma: a) alguns aspectos da teologia da Igreja à luz do Concílio Vaticano II; b) possibilidades de florescimento e renovação do ministério ordenado; c) ministérios ordenado para mulheres?
8) Edward Neves Monteiro de Barros Guimarães (PUC – Minas), em Conversão pastoral na estrutura da Igreja: o desafio de um novo jeito de ser presbítero, propõe uma reflexão sobre a urgente tarefa da Igreja de formar seus presbíteros para a missão em um modelo de Igreja que seja comunidade de irmãos, pensando conforme a sugestão do Documento 100 da CNBB a possibilidade de uma nova configuração pastoral dos presbíteros. Por isso, faz-se necessário compreender que os presbíteros são, antes de tudo, cristãos batizados e situados em determinado contexto histórico e, como qualquer ser humano, sendo portadores de dons e qualidades, como também de limites e ambivalências. Destaca que não só é possível, mas necessário buscar novos caminhos. Apresenta algumas propostas concretas de conversão pastoral e defende que o desafio de trilhar o caminho da conversão pastoral de nossas estruturas paroquiais – proposta assumida pelo Documento de Aparecida e com os apelos lançados pelo papa Francisco, na Evangelii Gaudium – exige “novos” perfis de presbíteros e o cultivo de “novas” relações eclesiais entre hierarquia e laicato.
9) Manoel José de Godoy (FAJE), em Por que planejar?, oferece um balanço da atual situação da pastoral e, em seguida, expõe razões teológicas, pastorais e conjunturais em defesa do planejamento participativo. Destaca que o planejamento participativo ressalta a importância do desenvolvimento de uma eclesiologia segura da Igreja Local. Conclui apresentando algumas exigências para a recepção do plano diocesano, tendo-se em conta que é a partir da diocese – do Bispo e de seus colaboradores diretos – que a Igreja Local poderá articular suas diversas expressões e mostrar a unidade e a variedade de sua vitalidade. Em anexo, apresenta algumas pistas práticas para a elaboração de um Projeto Pastoral.
10) Felipe Magalhães Francisco (PUC Minas), em Nos passos da 5ª Assembleia do Povo de Deus, da Arquidiocese de Belo Horizonte: memória pedagógica de um planejamento pastoral, faz a memória de um caminho percorrido pela Arquidiocese de Belo Horizonte por meio das Assembleias do Povo de Deus (APD). Mostra que o Projeto Construir Esperança, que marcou o início de uma pastoral organizada e orgânica, colocou a Arquidiocese de Belo Horizonte diante de um horizonte muito amplo, que ecoa desde o Concílio Vaticano II, e que, 25 anos depois, quando já se trilhou o caminho da 5ª Assembleia do Povo de Deus, os temas aí surgidos evocam uma práxis pastoral que atenda às exigências pastorais de nosso tempo, diante daquilo que se discerne como interpelação pastoral para o hoje da ação evangelizadora. Entre os temas, destacaram-se: a participação e todos na vida eclesial, presbíteros e leigos, a centralidade da Palavra e Deus, consciência missionária, uma Igreja em pequenas comunidades. Destaca qual foi a pedagogia da 5ª APD e conclui apontando algumas mudanças e novidades que surgiram nas últimas APDs.
Os organizadores desta obra bem como o Grupo de Pesquisa Teologia e Pastoral merecem um elogio por trazer a público um texto de Teologia Pastoral. Uma abordagem bem desenvolvida em ambientes acadêmicos protestantes e escasso em ambientes acadêmicos católicos. A obra tem o mérito de tratar de um assunto relevante para a caminhada eclesial em tempos de mudança e de papa Francisco. Poderíamos classificá-la como o GPS das atividades pastorais.
Diante de modelos de pastoral inconsequentes com os tempos atuais (pastoral de conservação; pastoral apologista; pastoral secularista; pastoral liberacionista), urge um paradigma pastoral aberto, acolhedor e inclusivo. Os autores desta obra caminham nesta perspectiva e apontam indicações práticas para uma “Igreja em saída”.
O livro cumpre a função de ser um ótimo instrumento para estudantes de teologia, pois, mostra como conciliar teoria e prática pastoral. Afinal, uma boa teologia leva à prática e a prática precisa ser nutrida por uma boa teologia. Teologia e prática pastoral se retroalimentam. Nas palavras de Agenor Brighenti, “com os teólogos latino-americanos aprendemos que uma teologia consequente com os desafios da realidade é sempre um “ato segundo”, precedido por um “ato primeiro”, que são as práticas eclesiais e sociais” (p. 8).
A obra traz atualização de algumas temáticas fundamentais no campo pastoral e, por isso, é indicada também para agentes de pastoral. Estamos diante de um texto de leitura fácil, exceto os dois primeiros capítulos que exigem do leitor familiaridade com o campo sociológico (tendo-se em conta que a ação pastoral precisa da normatitividade de um discurso inter e transdiciplinar).
Ao se pensar a pastoral da Igreja na atualidade e em vista da recepção do Documento 100 da CNBB, vale a pena conferir as oportunas reflexões, provocações e indicações contidas nesse livro.
Sobre o autor:
Eliseu Wisniewski é doutorando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.
Rua Pedro Gawlak, 174
83704-560 Araucária – PR/BRASIL
E-mail: <eliseu.vicentino@gmail.com
Fonte:
Revista Eclesiástica Brasileira
(REB, Petrópolis, volume 79, número 312, p. 251-256, Jan./Abr. 2019)