(Texto de José Beltran, publicado na revista Vida Nueva Digital, em 17/06/2019. Tradução de Edward Guimarães)
Ao contrário dos documentos preparatórios para outros fóruns do Vaticano, o Instrumentum laboris para a Assembleia Especial da Região Pan Amazônica do Sínodo dos Bispos, que acontecerá de 06 a 27 de outubro de 2019 em Roma, evita qualquer generalização. Ao contrário, ele propõe medidas diretas e concretas a serem discutidas pelos Padres sinodais.
Distribuído em três partes, em todos e em cada um dos capítulos da segunda e terceira partes do texto estão indicadas, de forma pormenorizada, sugestões concretas para que a Igreja adote a fim de realizar o apelo a uma ecologia integral, escutando desse modo o clamor da terra e dos pobres, tal como explicita a encíclica Laudato si’ do papa Francisco.
Além da desafiadora proposta de ordenar presbíteros homens casados, maduros e com família estável, portanto, algo no nível da organização interna da Igreja, se somam outras iniciativas não menos desafiantes para a Igreja, como por exemplo, a emergência de uma nova consciência ecológica e a concretização de uma ação evangelizadora libertadora no nível sociopolítico e econômico capaz de desmascarar as novas formas de colonialismo presentes na Amazônia.
O documento afirma categoricamente que a Igreja é chamada a ouvir o grito da Mãe Terra agredida e gravemente ferida pelo modelo econômico de desenvolvimento predatório e ecocídio, que mata e saqueia, destrói e desmata, expulsa e descarta, projetado e imposto desde fora e a serviço de poderosos interesses externos.
Para este fim, interpela aos padres sinodais a assumir sem medo a implementação da opção preferencial pelos pobres na luta dos povos indígenas, comunidades tradicionais, migrantes e jovens para configurar a fisionomia da Igreja Amazônica.
Eis as 15 propostas mais corajosas do Instrumentum laboris aos padres sinodais:
1ª Denunciar profeticamente a violação dos direitos humanos e a destruição extrativista
De forma reiterativa, o Instrumentum laboris enumera todas e cada uma das ameaças que a Amazônia sofre diante da atual degradação neocolonialista que atenta contra a natureza e contra quem nela vive. Diante desta trágica realidade, exige-se que a Igreja assuma um compromisso permanente de denunciar a violação dos direitos humanos e a destruição extrativista, bem como de concretizar linhas de ações institucionais que promovam o respeito ao meio ambiente e programas de formação específicos;
2ª Criar uma agenda de justiça com outros movimentos sociais
Desse modo, mostra-se urgente que a Igreja assuma postura de denúncia profética contra os modelos extrativistas e os projetos em curso na Amazônia que danificam o território, violam os direitos das comunidades e promovam a morte. Para isso, é feito um forte apelo para que a Igreja trabalhe em rede, ou seja, que ela se una aos movimentos sociais de base para anunciar profeticamente uma agenda de justiça;
3ª Exigir que os governos protejam os povos indígenas isolados
O texto sai em defesa de todas as comunidades nativas, mas dedica um capítulo especial àquelas que livremente decidiram viver à margem da sociedade. A Igreja é chamada a protegê-las, exigindo que os governos garantam os recursos necessários para a sua proteção efetiva, tais como a criação de um censo e de reservas naturais. Além disso, indica que a Igreja precisa criar, com urgência, uma pastoral específica para esses povos, que se promova uma formação capaz de conhecer e fazer com que os direitos desses povos sejam reconhecidos e respeitados. Desse modo, pede-se a rejeição de toda e qualquer aliança com a cultura dominante em vista de promover as culturas e os direitos dos povos indígenas, dos pobres e do território;
4ª Reconhecer de forma formal o ministério especial para os agentes que promovem o cuidado com a Casa comum
O texto destaca, em vários momentos, como a Igreja deve promover hábitos de comportamento, produção e consumo, reciclagem e reutilização de resíduos. Neste sentido, propõe a criação, não só de itinerários pastorais em ecologia integral, mas do reconhecimento formal da Igreja particular como um ministério especial para o agente pastoral que promove o cuidado da Casa Comum;
5ª Criar serviços para a acolhida dos migrantes indígenas
Ciente do êxodo migratório em todo o continente que afeta também os povos indígenas, o Instrumentum laboris sugere uma maior coordenação para a acolhida nas igrejas de fronteiras, nas cidades, assim como promover a integração respeitando a sua identidade cultural. Mais uma vez, exorta-se a pressionar como comunidade eclesial o poder público para defender, neste caso, os direitos dos migrantes. Nas cidades, propõe-se uma pastoral específica para os indígenas, com novas estruturas eclesiais que favoreçam a integração;
6ª Uma igreja inculturada contra o colonialismo
O texto do Vaticano coloca uma igreja que valoriza e respeita as instituições culturais, o modo próprio de organização da comunidade, através de uma pastoral familiar que, desde as coordenadas de Amoris Laetitia, acompanhe, integre e não exclua ninguém, onde a família seja sujeito e protagonista. Desta maneira, promove-se uma Igreja inculturada e mais participativa, de modo que se supere o clericalismo para se viver a fraternidade e o serviço como valores evangélicos que animam a relação entre as lideranças e os membros da comunidade. Dado que ainda persiste uma mentalidade colonial e patriarcal, é necessário aprofundar o processo de conversão e reconciliação;
7ª Reconhecer a espiritualidade indígena como fonte de riqueza cristã
A espiritualidade indígena é acolhida e valorizada como fonte de riqueza para a experiência cristã, E, a partir desse reconhecimento, reivindica uma catequese capaz de juntar e harmonizar a linguagem e o significado das narrativas das culturas locais com as narrativas bíblicas, com uma homilia estreitamente ligada à realidade indígena e amazônica;
8ª Celebrações litúrgicas com danças indígenas e traduzir a Bíblia
Nesta linha, sugere-se que as celebrações litúrgicas recebam a própria música e dança, em línguas e com roupas indígenas, em comunhão com a natureza e com a comunidade. Além disso, é preciso superar a rigidez de uma disciplina que exclui e distancia, por uma sensibilidade pastoral que acompanha e integra. Por isso de pede as Conferências Episcopais que adaptem o ritual eucarístico às culturas locais, bem como a tradução da Bíblia para as línguas originais da Amazônia;
9ª Ordenação sacerdotal dos idosos com família estável
O Instrumentum laboris sugere que estude “a possibilidade de ordenação sacerdotal para homens idosos, preferencialmente indígenas, respeitados e aceitos por sua comunidade e que já tenham uma família estável e constituída. Esta proposta se junta a uma maior responsabilidade e formação dos leigos como dinamizadores da comunidade;
10ª Que o diaconato feminino nasça na Igreja Amazônica
Depois de sugerir a importância da ordenação de “viri probati“, ou seja, de homens casados (veja a 9ª proposta) o documento levanta a possibilidade também de identificar-se um ministério oficial para ser conferido às mulheres (atualmente não há nenhum ministério feminino oficial e reconhecido na Igreja católica), tendo em conta o papel central desempenhado pela mulher na Igreja Pan-Amazônica. A Igreja faz um “mea culpa”, pois no campo eclesial a presença feminina nas comunidades cristãs infelizmente nem sempre é valorizada;
11ª Definir uma estrutura e de um fundo econômico para tornar o Sínodo uma realidade na Igreja Amazônica
Embora existam organizações regionais eficazes, tais como a REPAM, afirma-se no Instrumentum laboris a necessidade de uma estrutura episcopal amazônica para levar a cabo a implementação do Sínodo. Assim, pede-se também que se crie um fundo econômico de apoio à evangelização, promoção humana e ecologia integral;
12ª Criação de uma mídia católica indígena
O Instrumentum Laboris pede para que a Igreja seja a voz altissonante na defesa dos direitos e da dignidade da cultura indígena por meio da criação de meios de comunicação indígenas, tais como estações de rádio, de televisão próprios, aumento da presença na Internet e de outros meios de comunicação.
13ª Treinamento e protocolos para evitar a corrupção
O Instrumentum laboris ao refletir sobre as dificuldades econômicas das Igrejas da Amazônia, adverte para a necessidade de se prestar especial atenção à origem das doações e ao objetivo destes investimentos. Por isso, propõe às Conferência Episcopal oferecer formação e assessoria para que não se caia em uma “corrupção generalizada”, especialmente diante do narcotráfico.
O documento é particularmente incisivo na defesa de “uma cultura da honestidade”, com formação de leigos para a exercer a liderança econômica e política, bem como o acompanhamento lado a lado em cada povo indígena para evitar que sejam enganadas. Nessa mesma linha, ele propõe que a Igreja busque aliados capazes de exigir que as empresas assumam responsabilidade pelos impactos sócio-ecológicos de suas ações;
14ª Seminaristas integrados nas comunidades
O documento indica a reforma das estruturas dos seminários para que se promova uma integração dos candidatos ao presbiterato nas comunidades, bem como planos de formação para responder a uma cultura filosófica e teológica adaptada para as culturas amazônicas;
15ªA necessidade de uma teologia indígena pan-amazônica
O Instrumentum laboris pede para aprofundar uma teologia indígena do pan-amazônica. Ele pede, por exemplo, que se tenha em conta os mitos, tradições, símbolos, conhecimento, rituais e celebrações, incluindo a origem transcendente, a comunidade e as dimensões ambientais.
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