Os bispos reunidos no Sínodo sobre a família querem seguir o exemplo de Jesus, que olhou com ternura e amor para as mulheres e homens que encontrou, e os acompanhou misericordiosamente, anunciando as exigências do Reino de Deus.
Leia o artigo:
O Sínodo quer levar a cabo a sua prática pastoral “com a ternura de uma mãe e a clareza de um professor (cf. Ef 4,15)”, imitando a misericórdia de Cristo. “A verdade está encarnad a na fragilidade humana não para condenar, mas para curá-la”.
A análise é do padre jesuíta Thomas Reese, jornalista, publicada por National Catholic Reporter, 13-10-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Ouvir, acompanhar, respeitar, valorizar, discernir, acolher e dialogar são palavras que se repetem ao longo do novo documento que está sendo discutido pelo Sínodo dos bispos, em Roma, durante esta semana. Palavras de condenação e marginalização foram evitadas.
O documento, chamado de “Relatio post disceptationem“, resume o que o cardeal Peter Erdö e o comitê de redação, composto por nove membros, consideram como o atual consenso sinodal na medida em que os participantes passam de uma semana de palestras para uma semana de discussões em pequenos grupos. A relatio serve para ajudar a focar as discussões em grupos linguísticos e para a composição do documento final que será o fruto do Sínodo e fornecerá conteúdo para conversações em toda a Igreja, que se prepara para o próximo Sínodo, em outubro de 2015.
A relatio é dividida em três partes: “Ouvir: o contexto e os desafios da família”, “O olhar em Cristo: o Evangelho e a família” e “Discussão: perspectivas pastorais”.
O documento começa com uma extensa citação do Papa Francisco descrevendo, em termos poéticos, as alegrias e as provações da família na noite antes do Sínodo começar:
Desce já a noite sobre a nossa assembleia. É a hora em que de bom grado se regressa à casa para se reunir à mesma mesa na consistência dos afetos, do bem feito e recebido, dos encontros que aquecem o coração e o fazem crescer, vinho bom que antecipa, nos dias do homem, a festa sem ocaso.
Mas é também a hora mais pesada para quem se vê cara a cara com a própria solidão, no crepúsculo amargo de sonhos e projetos desfeitos. Quantas pessoas arrastam os seus dias no beco sem saída da resignação, do abandono, se não mesmo do rancor! Em quantas casas falta o vinho da alegria e, consequentemente, o sabor — a própria sabedoria — da vida! Nesta noite, com a nossa oração, fazemo-nos voz de uns e de outros: uma oração por todos.
O que os bispos ouviram enquanto escutavam as vozes das famílias?
“O teste mais difícil para as famílias do nosso tempo é muitas vezes a solidão, que destrói e dá origem a uma sensação geral de impotência em relação à situação sócio-econômica que muitas vezes acaba esmagando-a”, de acordo com a relatio. “Isso se deve à crescente precariedade no trabalho que muitas vezes é experimentado como um pesadelo”.
Ele observa o variado contexto cultural e religioso de famílias ao redor do mundo, onde a poligamia, o “casamento por etapas”, os casamentos arranjados, os casamentos inter-religiosos, a coabitação, o divórcio, os filhos nascidos fora do casamento, a violência familiar, bem como a guerra podem ocorrer.
O desafio pastoral, então, é “aceitar as pessoas em seu ser concreto, para saber como apoiar a sua busca, para incentivar o desejo de Deus e a vontade de se sentir parte integrante da Igreja, também por parte daqueles que têm experimentado o fracasso ou se encontram nas mais diversas situações”.
Os bispos querem seguir o exemplo de Jesus, que “olhou para as mulheres e os homens que ele encontrou com amor e ternura, acompanhando os seus passos com paciência e misericórdia, proclamando as exigências do Reino de Deus”.
Ao pensar sobre as famílias “feridas”, os bispos encontraram uma “chave hermenêutica” nos ensinamentos do Concílio Vaticano II sobre outras Igrejas cristãs. Aqui, a Igreja Católica afirma que “muitos elementos de santificação e de verdade são encontrados fora de sua estrutura visível” e “esses elementos, como dons pertencentes à Igreja de Cristo, impelem para a unidade católica”.
Os bispos concluíram, assim como as Igrejas protestantes tem muitos elementos de santificação e de verdade, assim também, podem ter as uniões não sacramentais. “Percebendo a necessidade, portanto, de discernimento espiritual no que diz respeito à coabitação, o casamento civil e às pessoas divorciadas e recasadas”, explica a relatio, “é tarefa da Igreja reconhecer as sementes do Verbo que se espalharam além dos limites visíveis e sacramentais”.
Em vez de ver essas situações como pura maldade, “a Igreja se volta respeitosamente para aqueles que participam de sua vida de uma forma incompleta e imperfeita, apreciando os valores positivos que eles contêm mais do que suas limitações e deficiências”.
“O acompanhamento pastoral deve sempre começar a partir destes aspectos positivos”, diz o documento.
Isso exige uma nova prática pastoral que aceita “a realidade do casamento civil e também a coabitação, tendo em conta as devidas diferenças”, diz o documento. “De fato, quando uma união atinge um nível notável de estabilidade através de um vínculo público, é caracterizada por profunda afeição, responsabilidade em relação aos filhos e capacidade de suportar as provações, ela pode ser vista como uma semente a ser acompanhada em seu desenvolvimento em direção ao sacramento do matrimônio. “Isso não seria verdadeiro a respeito das coabitações que excluem qualquer possibilidade de casamento futuro.
O Sínodo quer levar a cabo a sua prática pastoral “com a ternura de uma mãe e a clareza de um professor (cf. Ef 4,15)”, imitando a misericórdia de Cristo. “A verdade está encarnad a na fragilidade humana não para condenar, mas para curá-la”.
Importante para esta prática pastoral será “o testemunho alegre dos cônjuges e das famílias”, que serão evangelizadores chave para os casais antes e depois de seus casamentos.
“É necessário não parar em um anúncio que é meramente teórico e não tem nada a ver com os problemas reais das pessoas”. A prática pastoral “não é apenas apresentar um conjunto de normas, mas apresentar valores, respondendo à necessidade daqueles que se encontram hoje, mesmo nos países mais secularizados”.
O Sínodo reconheceu a necessidade de novos caminhos pastorais para lidar com famílias divorciadas. “Cada família danificada, antes de tudo, deve ser ouvida com respeito e amor, tornando-se companheira de jornada como Cristo fez com os discípulos no caminho de Emaús”. Os bispos perceberam que sacerdotes e leigos precisam ser treinados para fazer isso.
Os bispos estão especialmente preocupados com aqueles que sofrem injustamente um divórcio e com os filhos de casais divorciados.
A relatio relata que o processo de nulidade foi discutido e que “vários padres sublinharam a necessidade de fazer o reconhecimento dos casos de nulidade mais acessível e flexível. Entre as proposições estavam o abandono da necessidade de uma dupla conformação; a possibilidade de estabelecer meios administrativos sob a responsabilidade do bispo diocesano; um processo mais expedito em casos de nulidade clara”. Uma aceleração do processo “foi solicitada por muitos”.
Sobre a questão da readmissão dos católicos divorciados e recasados à Comunhão, o documento reconhece divergências. “Alguns argumentaram em favor dos atuais regulamentos por causa de seu fundamento teológico, outros foram a favor de uma maior abertura em condições muito precisas ao lidar com situações que não podem ser resolvidas sem a criação de novas injustiças e sofrimentos”.
Uma sugestão foi permitir a readmissão à Comunhão após um “caminho penitencial”, sob a supervisão do bispo local. A readmissão “não seria uma possibilidade geral, mas fruto de um discernimento aplicado caso a caso, de acordo com a lei da gradualidade, que leva em consideração a distinção entre estado de pecado, estado de graça e as circunstâncias atenuantes”.
Um maior estudo teológico é necessário sobre essas questões, os bispos admitem, “começando com as ligações entre o sacramento do matrimônio e a Eucaristia em relação à Igreja-sacramento”.
Uma das seções mais extraordinárias da relatio lida com os homossexuais. “Os homossexuais têm dons e qualidades a oferecer à comunidade cristã”, afirma o documento. “Somos capazes de acolher essas pessoas, garantindo-lhes um espaço fraterno em nossas comunidades?”.
Os bispos notam que os homossexuais, muitas vezes, “desejam encontrar uma Igreja que lhes ofereça uma casa acolhedora. As nossas comunidades são capazes de oferecer isso, aceitando e valorizando a sua orientação sexual, sem comprometer a doutrina católica sobre a família e o matrimônio?”.
Os bispos reafirmam que “as uniões entre pessoas do mesmo sexo não podem ser consideradas em pé de igualdade com o matrimônio entre homem e mulher”, mas isso já é um bom distanciamento da linguagem “intrinsecamente desordenada”, usada no passado. Ele vai ainda mais longe ao reconhecer que “há casos em que a ajuda mútua, a ponto de sacrifício, constitui um apoio precioso na vida dos parceiros”.
Uma atenção especial deve ser dada às crianças de casais homossexuais. “enfatizando que as necessidades e os direitos dos menores deve ser sempre uma prioridade”. Isso parece descartar negar o batismo ou uma educação católica para os filhos de gays.
Quanto ao controle de natalidade, os bispos não alteraram o ensino, mas disseram: “Provavelmente, aqui também o que é necessário é uma linguagem realista que seja capaz de ter como ponto de partida a escuta das pessoas e o reconhecimento da beleza e da verdade de uma abertura incondicional à vida”.
A relatio conclui observando que o documento não representa, portanto, decisões, tampouco ele apresenta simplesmente pontos de vista. Em vez disso, suas reflexões “destinam-se a levantar questões e indicar perspectivas que terão de ser amadurecidas e clarificadas pela reflexão das Igrejas locais no ano que nos separa da Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, prevista para outubro de 2015”.
Independentemente de como essas discussões se desenvolvem, está claro que a Igreja está embarcando em um novo estilo pastoral que é mais compassivo e afirmativo.