No Brasil, como em cada país, a bandeira nacional é um dos principais símbolos que devem ser valorizados e respeitados por todos os cidadãos. A bandeira nacional tem por objetivo maior favorecer a experiência de união, de coesão e de identidade de povo. No caso brasileiro, é de senso comum que o retângulo verde remete à natureza e o losango amarelo às riquezas aqui presentes. Por isso, muitas pessoas tratam como absurdo incluir a cor de uma ideologia política na bandeira do Brasil. Recentemente, em contexto de disputa eleitoral, determinado grupo, com pretensões nacionalistas, de forma recorrente, evocava o slogan “nossa bandeira jamais será vermelha” em referência direta à cor tomada como símbolo do comunismo. Porém, enquanto brasileiros somos chamados a cultivar consciência crítica e autocrítica.
O que querem dizer realmente as cores da bandeira nacional? As cores utilizadas, originalmente, objetivavam valorizar as alianças feitas na monarquia. O verde e o amarelo, por exemplo, que foram posteriormente ressignificados naquilo que o Brasil tem de natural, se referiam às casas reais na monarquia. O verde era a cor da casa de Bragança, família do imperador Dom Pedro I e o amarelo era a cor da casa de Habsburgo, família da arquiduquesa Leopoldina, esposa de Dom Pedro I. Se fossem outras famílias, outras cores teriam sido certamente escolhidas, como o vermelho da família Pereira ou da família real de Leão, que ao serem ressignificadas, poderiam remontar ao sangue que aqui foi derramado no processo de construção do Estado brasileiro.
Vários países, inclusive capitalistas, têm o vermelho nas suas bandeiras e não veem isso como a cor do comunismo, de tal modo que, poucas são as bandeiras que declaram o seu vermelho ao comunismo, como é o caso da China e da antiga União Soviética. Nem Cuba ou a Coréia do Norte compreendem o vermelho como cores do comunismo. O vermelho das várias bandeiras nacionais representam Fraternidade (França), Honra e Bravura (Quirquistão), o Sol (Japão), União e Sangue (México), espírito patriótico (Coréia do Norte) e o Sangue (Etiópia, Sudão, Itália, Chile, Holanda, Estados Unidos – nas suas treze faixas lembrando as treze colônias – entre outros). O sangue é muito significativo, pois para terem liberdade, independência, direitos civis, políticos e sociais, muito sangue foi derramado. A cidadania teve um preço alto para ser conquistada.
Chega a ser patológico o que muitos brasileiros tem feito diante do risco, pouco provável, de terem as cores da bandeira nacional trocadas. Principalmente devido ao fato de que a bandeira nacional não pertence a nenhum grupo político, nenhuma ideologia ou partido particular, mas ao conjunto dos brasileiros e brasileiras. Além do mais, o medo de “contaminá-la” por alguma ideologia faz com que se esqueça de que nossa bandeira já ter sido, antes, “contaminada” pela ideologia do positivismo, incrustrada na frase “Ordem e Progresso”, pois esse é o lema de uma ideologia filosófica popular no século XIX. O positivismo pregava o conhecimento científico como o único verdadeiro, descartando os outros tipos de saberes (isso vai contra um país onde há uma grande riqueza presente no conhecimento popular), pregava o fim da religião, pois viam como um atraso para a humanidade (posicionamento igualmente incoerente em um país que se considera profundamente religioso e que abarca grande pluralidade de tradições religiosas). Importa, portanto, admitir que o nosso símbolo nacional, historicamente, veicula um caráter ideológico que não quase nada reflete das identidades da população brasileira e que, como as cores, precisa ser ressignificada.
Com o objetivo de provocar e fazer refletir, defendi no título a ideia de que, como brasileiro, minha bandeira é vermelha. Não pelas suas cores, mas porque desde a formação de um espaço nacional, ela vem sendo manchada de sangue: dos índios, dos negros, dos imigrantes, das mulheres, dos pobres, dos LGBTTQ e de todos aqueles que lutam pelo reconhecimento efetivo dos seus direitos (civis, políticos e sociais). Aqueles que não permitem que a bandeira nacional enxugue o sangue dos seus “filhos” (do ponto de vista patriota) é porque têm o sangue nas mãos.
Podemos ir ainda mais longe nesta reflexão, como cristãos não deveríamos nos escandalizar com essas comparações, pois o vermelho tem um grande significado na liturgia. Ele lembra a paixão (sofrimento) de Cristo e dos apóstolos que se tornaram mártires, pois o sangue foi derramado em nome de Jesus Cristo em favor dos mais necessitados. Também é utilizado no Domingo de Ramos e em Pentecostes, Deus se revela ao povo de forma humilde e também em autoridade (como línguas de fogo). O vermelho pode significar, portanto, a gratuidade do amor flamejante de Deus por nós e que se torna caridade inflamante em nossos corações, interpelando-nos a assumir a lógica do amar e servir, cuidando da dignidade da vida.
Desse modo, termino convocando todos os brasileiros e brasileiras, mas de modo bem particular os cristãos, que nessa Campanha da Fraternidade de 2019, que tem como lema Fraternidade e Políticas Públicas, a memória do sangue derramado por tantos brasileiros e brasileiras em sua luta por igual dignidade cidadã seja içado qual bandeira capaz de nos unir tanto na defesa de nossa Constituição cidadã, quanto no exigir que o Estado e o poder público concretize eficazes políticas públicas capazes de incluir os pobres e marginalizados na mesa da igualdade cidadã. Então, todos em coro, poderemos gritar: nossa bandeira, sim, é e sempre será vermelha!
Paulo Vinícius Faria Pereira é membro da equipe de colaboradores jovens do Observatório da Evangelização. Formado em Ciências Sociais pela PUC Minas, atualmente está concluindo o curso de Teologia. É professor concursado da Rede Pública de Ensino.
Parabéns pelo texto. Creio que poderíamos falar que alguns estão imersos numa esquizofrenia social. Bem colocado a questão da cor vermelha nas nossas liturgias. Que o fogo do Espírito nos inspire nessa quaresma.