Quando revisitamos O ROSTO DA IGREJA CATÓLICA DE BELO HORIZONTE que se delineou a partir do Projeto Pastoral “Construir a Esperança” – examinando os dados coletados nas pesquisas há 30 anos atrás, os passos que foram dados, as opções tomadas, as ações realizadas e o amplo processo de envolvimento das pessoas – perguntamo-nos:
- hoje que impactos o projeto de evangelização provocou nos rumos da caminhada?
- o tipo de Igreja que estava em marcha na Arquidiocese de Belo Horizonte vingou?
- que podemos aprender desse projeto pastoral e da caminhada concretizada para que hoje, possamos responder com fidelidade e criatividade aos desafios e urgências de nosso tempo?
O Observatório da Evangelização disponibiliza aqui o Rosto da Igreja de Belo Horizonte traçado pelo teólogo pastoralista João Batista Libanio em 1992. Confira:
Rosto da Igreja de Belo Horizonte a partir do projeto “Construir a Esperança”
Introdução
O Projeto Pastoral “Construir a Esperança” está em andamento. À medida que ele caminha, delineia-se o rosto da Igreja que o realiza. Examinando os passos dados, as opções tomadas, as ações realizadas, o envolvimento das pessoas, pode-se descobrir como está em marcha um determinado tipo de Igreja. É uma Igreja em ato, em ação, cuja expressão teológica não está explicitada nem é consciente para as pessoas que a vivenciam, a realizam.
Mais que em nenhum outro momento vale o axioma teológico de que a teologia é “ato segundo” de uma realidade concreta, de uma vida, de uma práxis, que é “ato primeiro”. O ato primeiro da Igreja de Belo Horizonte no Projeto Pastoral “Construir a Esperança” vem sendo realizado por todos que estão empenhados nele. O “ato segundo” vem sendo feito por todos os que se têm debruçado sobre tal caminhada e têm procurado verbalizá-la. Aqui vai mais um esforço nessa linha (cf. PT 24 [1992] 77-94).
Este quadro eclesiológico faz-se mais inteligível, se o consideramos no movimento e na posição da Igreja de Belo Horizonte. Por sua posição geográfica e pela importância de estar na capital de um dos mais importantes estados do país, a Igreja de Belo Horizonte exerce forte influência dentro do regional Leste II da CNBB e de todo o país.
Esta Igreja caracterizou-se nos seus inícios por enorme vitalidade e por presença significativa na sociedade. Alimentou projetos audazes. Foi sede de um Congresso Eucarístico em 1936, irradiando uma piedade eucarística profunda e esclarecida. O movimento litúrgico encontrou aqui amplo espaço de atuação. O mesmo vale da Ação Católica que foi muito ativa, pioneira.
A Igreja de Belo Horizonte albergou desde o início acentuado pluralismo. Aqui estavam tanto a vanguarda litúrgica e do apostolado leigo, como grupos extremamente conservadores. Por ocasião do golpe militar de 1964, evidenciou-se em Belo Horizonte esta presença de extremos religiosos e políticos.
O trabalho persistente, paciente e conciliador do arcebispo anterior (Dom João Resende Costa) foi construindo uma unidade no clero e na diocese. Significou em contrapartida um tempo de certo refluxo daquele primeiro momento mais inovador, criador e, por isso mesmo, mais tenso e conflitivo.
Com o novo arcebispo (Dom Serafim Fernandes de Araújo), sentiu-se que já se estava no momento de iniciar nova fase. Construída uma base de consenso, podia-se pensar então, de novo, num momento de maior criatividade, novidade, originalidade, sem provocar conflitos dilacerantes.
Busca-se esta renovação tanto no âmbito interno da Igreja como da sua atuação na sociedade:
a) Pretende-se encontrar melhor articulação das pastorais, abrir novos campos para a presença e atuação do leigo, renovar em profundidade a estrutura paroquial, pensar novas estruturas eclesiais mais condizentes com a atual conjuntura social.
b) Em relação à sociedade, a Igreja procura ser uma presença mais significativa e ativa, especialmente no mundo da política, num momento de extrema gravidade social. O próprio nome do projeto aponta para o horizonte fundamental em que ele se coloca: Construir a esperança dentro e fora da Igreja.
1. A Igreja é participação criativa de todos
Logo de início o projeto encontrou-se em face a uma primeira escolha: levar um processo em ordem a convocar um Sínodo diocesano ou iniciar um processo em aberto que pode terminar numa assembleia?
A primeira possibilidade responderia mais à atual conjuntura. Os passos de um Sínodo já estão bem definidos pelo Direito Canônico. Seria um processo decidido de cima e as pessoas seriam convidadas a dar sua colaboração segundo as normas sinodais.
A segunda possibilidade, a que foi escolhida, permite maior criatividade. Acredita-se mais na vida latente da Igreja; espera-se que de dentro dela se vejam melhor as decisões a serem tomadas. Houve, portanto, uma opção que implica uma Igreja-participação criativa de todas as forças vivas. Entende-se a comunhão eclesial como algo que vem sendo tecido lentamente de baixo para cima. Nas bases está atuando o Espírito Santo e esta atuação vem sendo captada ao longo do processo, sem pré-definições ou pré-determinações. Procura-se nesse projeto levantar os problemas e ouvir as aspirações e propostas das pessoas e dos grupos.
Este modelo de Igreja é muito exigente de todos. Das bases, porque se espera delas uma atuação e corresponsabilidade real. Do clero, porque se pede que seja coerente com a opção e vá assumindo as mudanças na maneira de atuar conforme surjam das bases eclesiais novas exigências.
O projeto tem criado amplo espaço de liberdade e participação de todos. Abre-se para incorporar as aspirações apostólicas pessoais e comunitárias. Mais. Ele tem incentivado e motivado o surgimento de tais aspirações e esperanças. Um mundo de sonhos tem nascido no coração de muitos do clero e do laicato.
Entretanto, riscos ameaçam ambos os segmentos envolvidos no processo: clero e leigos:
a) Os leigos podem não ver a curto prazo resultados e desanimar, cansar-se. Ou mesmo por causa da dureza da vida atual podem não ter energia e tempo para empenhar-se no projeto. Se eles capitularem durante o percurso, fracassará o projeto como vem sendo levado.
b) O clero pode, por sua vez, assustar-se diante da liberdade e, às vezes, ousadia dos leigos. Pode sofrer do medo do “aprendiz de feiticeiro”, que inicia um processo que termina por devorá-lo. Se ele não tiver a liberdade e coragem de repensar muitas de suas atitudes e maneira de atuar como clero, o projeto poderá chegar a um impasse. E inevitavelmente terminará a autoridade resolvendo, se for preciso, autoritariamente.
c) Além disso, membros do clero e do laicato já vêm vivendo sua vida eclesial dentro de uma rotina, de um ritmo bem cadenciado. De repente, são agitados por uma nova onda de solicitações e exigências. E pode acontecer não se sentirem bem com esta inquietação e desejarem a paz inerte do momento anterior. Nesse caso, suas atitudes podem ser de omissão, de lentidão ou até mesmo de boicote. Perdem então esse “kairós” do Espírito que visita nossa Igreja particular.
d) Pode também acontecer uma defasagem de ritmos. Os leigos, mais livres em face a muitas estruturas eclesiásticas e mais metidos no mundo temporal, podem deixar-se embalar mais rápida e vitalmente pelo projeto, empenhando-se nele com esperanças e sonhos, enquanto o clero, mais calejado e desconfiado, imprime movimento mais lento. Temos então a anomalia automotora de um pé no acelerador e outro no freio, deixando atrás de si o rasto da lona queimada.
2. A renovação da palavra
Logo de início, o projeto constatou uma carência grande na compreensão dos fiéis em relação a dados fundamentais da revelação. Enveredou pelo caminho de lançar programas unificados e comuns de evangelização por meio de roteiros de homilia. Tal aconteceu em vários momentos. É sua intenção prosseguir nessa linha.
Examinando os roteiros percebe-se que a dimensão bíblica é a mais impor-tante. Não se trata de um endoutrinamento dogmático nem moralista, ainda que haja preocupação com uma correta visão de Deus, da escatologia. Mas tal correção de visão se tem pensado a partir da Escritura e da vivência litúrgica. Entretanto, há, sem dúvida, uma insistência na “palavra”. Neste ponto é uma Igreja da “modernidade” e menos “pós-moderna”. Com isso, quero dizer que é uma Igreja que acentua o aspecto intelectual da fé (que não quer dizer intelectualista). Além disso há uma crescente preocupação levantada e alimentada pelo projeto de propiciar cursos teológicos para leigos. Isso mostra a relevância da dimensão intelectual da fé para a nossa Igreja. Resposta-antídoto aos surtos emocionais, quer no interior da própria Igreja, quer fora. Os “movimentos de leigos”, em geral, são pouco sensíveis a este aspecto intelectual. Preferem a dimensão emocional da fé e nisso pagam maior tributo à pós-modernidade.
A tendência da pós-modernidade liga-se mais ao emocional, ao simbólico, ao estético, aos sentimentos. Nesse sentido, a face pós-moderna de nossa Igreja ainda não aflorou como orientação. Pelo contrário, esta face que surge em alguns setores não se integra e até conflita com a orientação assumida pelo projeto.
No nível da análise crítica, pode-se perguntar se o projeto não tem considerado pouco o aspecto simbólico, estético da vida cristã (sobretudo nas celebrações), sem naturalmente querer com isso assumir um carismatismo desregrado. É verdade que o projeto tem programado uma grande celebração para as crianças de 1ª Comunhão e tinha pensado também para os crismandos. Mas é um campo até agora pouco trabalhado, que deixa em descoberto um anseio do homem pós-moderno.
3. Uma Igreja preocupada com as expectativas dos fiéis
Nesse ponto a Igreja de BH é pós-moderna. A Igreja tradicional tinha certeza sobre o que pregar e não perguntava a ninguém. A Igreja moderna tinha também a mesma certeza sobre o conteúdo, mas desconfiava da sua linguagem. Por isso estava preocupada em conhecer a experiência do homem/mulher moderno para falar-lhe mais adequadamente. A Igreja pós-moderna renuncia, num primeiro momento, esta certeza. Numa atitude pós-moderna, a Igreja de BH detém-se para ouvir das pessoas o lhes que agrada ou desagrada na Igreja e que sugestões têm para dar-lhe. Esta ausculta das pessoas se estende não só aos católicos militantes, praticantes mas também aos não praticantes e não católicos. Esta última pesquisa vem exatamente revelar essa face preocupada da Igreja em responder às aspirações, anseios, perguntas do homem/mulher atual.
Evidentemente não está claro ainda se o fato de perguntar para saber significa uma disposição de querer realmente mudar conforme as respostas forem chegando e sendo interpretadas. Há, sem dúvida, um movimento de abertura inicial. Como o alcance das exigências não se pode prever e só aparecerá através de todo o processo, ver-se-á então até onde a Igreja de BH assumirá as transformações adequadas.
4. Uma Igreja de comunidades pequenas (grupos)
O projeto tem sugerido e provocado enorme crescimento de grupos de reflexão para discutirem os roteiros que têm sido elaborados. O projeto começou com a criação de grupos para discutirem quatro roteiros sobre o projeto e a responsabilidade do cristão, sobre os sinais de vida e de morte na sociedade e sobre a missão da Igreja. Já este primeiro roteiro indica uma orientação eclesial de pôr toda a Igreja a refletir em grupos com um duplo olhar. Um olhar para dentro e outro para fora. O olhar para dentro consiste em perguntar-se cada fiel, cada grupo pela tomada de consciência desse novo apelo da Igreja e sua consciência de responsabilidade. Um segundo olhar se volta sobre a sociedade para aí descobrir os sinais de vida e de morte. E cruzando esses dois olhares, surge a missão da Igreja no mundo atual.
Reflete tal processo uma consciência dupla de Igreja. De um lado, consciente e responsável em relação à vocação batismal e, de outro, atenta e sensível aos apelos da realidade, para só assim definir sua missão. Este projeto assume criativamente, quer o movimento do Concilio Vaticano II de uma Igreja mais consciente de sua vocação batismal, quer de Medellín-Puebla mais atento aos sinais dos tempos da nossa sociedade.
De novo, trata-se de uma eclesiologia de desejo, de perspectiva. Ainda não se têm provas suficientes para verificar se os resultados de tais pesquisas vão confirmar essa intenção inicial, no momento em que tanto a consciência batismal mais explicitada como as exigências dos sinais da realidade exigirem, sobretudo do clero, mudanças maiores em seu comportamento, na organização paroquial etc.
Apesar de o projeto valorizar muito a reflexão em grupo, deixou desde o início o campo aberto a que pessoas individualmente pudessem também dar sua colaboração. Também essas vozes podem trazer rica colaboração. Há, por conseguinte, uma consciência do valor de cada pessoa e da ação do Espírito nela e através dela.
5. Uma Igreja presbiteral com crescente participação dos leigos, mas não bem integrada com a vida religiosa
É uma característica da Igreja de BH, e que o projeto está reforçando, a relevância dada à participação dos presbíteros. O arcebispo e os bispos auxiliares têm ouvido, consultado os padres em todos os momentos. A gestação do projeto se deu no Conselho Presbiteral. As assembleias do clero com crescente e ativa participação dos padres têm sido momentos altos de decisão, de tomada de rumo, de sondagem a respeito do projeto.
Há, além disso, um esforço constante, paciente e programado com a finalidade de envolver todos os padres, especialmente os diretamente presentes na pastoral, vencendo as resistências e descrenças, tão normais em iniciativas dessa nataureza.
Prescindindo dos religiosos que têm participação direta na pastoral paroquial, quer porque assumiram paróquias, quer porque colaboram em caráter permanente com obras pastorais integradas no projeto, há ainda muitos religiosos e sobretudo religiosas que estão ou/e se sentem à margem. Desde o início da vida da arquidiocese, os religiosos desempenharam papel relevante assumindo inúmeras e importantes paróquias. Depois vieram outros que se dedicaram a obras educacionais ou assistencialistas. Em relação a esses últimos, a integração com a Igreja local não tem sido fácil. E o projeto continua revelando essa dificuldade.
A presença do leigo na Igreja de BH tem passado por vicissitudes. Houve desde o início leigos de presença significativa e criativa na Igreja em irradiação cultural relevante — basta lembrar o grupo que levou o jornal “O Diário” e os membros da Ação Católica — e não têm faltado até hoje essas pessoas leigas. Entretanto, não é uma marca da Igreja de BH esta presença leiga consistente. Os “movimentos” que procuram ser a forma nova de presença de leigos têm-se restringido ao seu âmbito interno e não raras vezes conflitam com orientações arquidiocesanas ou paroquiais.
O leigo fiel simples tem dado sua participação tradicional de presença e de sustento, mas sem muita criatividade, por sentir-se despreparado. O projeto tem tentado inverter tal situação, colocando entre suas maiores prioridades a formação do leigo. Nesse ano de 1992, o programa mais desenvolvido, rico e criativo situa-se nesse campo da formação do leigo.
Com isso, a face da Igreja presbiteral de BH vai receber uma complementação que certamente trará tensões, esperemos, ricas e inovadoras. Os próximos anos vão definir mais claramente esse rosto da nossa Igreja. A entrada mais significativa e participativa do leigo na vida da Igreja obrigará a reestruturação de algumas estruturas tradicionais, a criação de outras. Por isso o projeto já está prevendo a criação de um Conselho Arquidiocesano de Pastoral e uma comissão para repensar o problema da paróquia. Nesses dois projetos, a figura e presença do leigo se faz imprescindível e trará consequências para toda a Igreja de BH.
Os próprios leigos entre si deverão encontrar uma articulação de presença e ação. Pois a “grosso modo” pode-se dizer que há quatro tipos de fiéis ativos na Igreja:
- Há o fiel comum, tradicional, cuja ação mais importante é a presença nas celebrações e contribuição para a manutenção das obras de Igreja;
- Há um outro tipo que é o cristão das pastorais, sobretudo sociais, mais engajado. Cristãos críticos, envolvidos com a vida da Igreja, mas desde o ponto de vista de seu compromisso social;
- Um terceiro grupo são os que pertencem a “movimentos” em crescimento, mas ainda muito mais preocupados com os próprios movimentos transnacionais que com a igreja local;
- Enfim, há o leigo participante nos círculos bíblicos, nas comunidades eclesiais de base.
O desafio da Igreja de BH é articular criativa e apostolicamente esses diversos tipos de leigos, evitando sectarismos, unilateralismos. Até hoje tem sido uma característica da Igreja de BH a sua enorme capacidade de suportar a diversidade, quer no mundo dos presbíteros, quer no universo dos movimentos leigos. O projeto ainda não tem definido uma linha pastoral que enfrente tal problema. Até agora a maneira da participação dos leigos têm sido tanto através de assembleias como de pessoas escolhidas para as comissões em todos os níveis: paroquial, forania e arquidiocese.
6. Os traços dos grupos temáticos
O projeto criou 5 grupos temáticos:
- formação de leigos;
- pastoral social;
- liturgia e vida;
- evangelização e comunicação;
- juventude.
A criação dos grupos pode revelar simultaneamente coisas opostas. Pode expressar a vida já existente e que se quer reforçar, mas também pode refletir uma carência, que se quer suprir. Provavelmente significa as duas coisas no nosso caso.
Entretanto, creio que os grupos temáticos refletem mais uma preocupação com lacunas de nossa Igreja.
a) Sobre a formação do leigo, já me referi várias vezes no texto.
b) A pastoral social vem de encontro aos graves problemas sociais de uma megápole como BH. A Igreja tem já uma presença real nesse mundo. Julga-se insuficiente e quer-se aumentar sobretudo num momento de enorme descrença. A pergunta se levanta sobre a nova maneira de a Igreja fazer-se presente nesse campo. Já não pode ser da mesma maneira que durante os regimes militares. O projeto tem mais diante de si que atrás de si esse percurso no campo social.
As atuais ciências sociais nos permitem visualizar melhor o funcionamento da sociedade superindustrializada de que fazemos parte em alguns setores. Doutro lado, o Brasil tem estruturas arcaicas. E a presença da Igreja deve levar em conta não só a existência desse duplo tipo de estrutura, mas também do movimento hegemônico nessa sociedade. Além disso, é importante perceber a relação, influência desses “sistemas e subsistemas” que estruturam a sociedade sobretudo no referente à produção dos bens sobre o “mundo vivido”. A presença da Igreja deve ser diversificada quando enfrenta esses sistemas e quando procura interferir no mundo vivido das pessoas, no grande reservatório cultural em que elas encontram sentido para viver e relacionar-se.
O projeto tem já ensaiado passos na direção de definir esta nova presença da Igreja na atual sociedade. A iniciativa do programa “Economia popular solidária” já se situa claramente no sentido de uma presença e colaboração da Igreja no universo do sistema de produção, articulando-o com a dimensão do “mundo vivido” dos pobres.
c) O grupo de “liturgia e vida” vem reforçar um esforço constante na maioria das paróquias de liturgias que respondam às expectativas dos fiéis. Os resultados das pesquisas apontavam uma deficiência na acolhida e no conteúdo das pregações. O projeto tem orientado a uma modificação da relação do ministro com o povo e da pregação.
Evidentemente a Igreja de BH continua sendo fundamentalmente uma Igreja sacramental, portanto vinculada estreita e insubstituivelmente ao ministro ordenado. Os esforços de culto sem ministro ordenado, os ministros da eucaristia etc. são ainda incipientes para configurar uma face nova na Igreja. Tem-se percebido que o problema do ministério necessita um repensamento mais profundo. A face da Igreja de BH dependerá muito de como ela vai equacionar para o futuro tal questão.
d) Evangelização e comunicação corresponde a uma tradição de nossa Igreja. Foi pioneira com o jornal “O Diário”, luta para manter o “Jornal de Opinião”, ocupa espaços nas rádios, especialmente na rádio da arquidiocese e também tem certa presença nos canais de TV. Além disso, desenvolve intenso trabalho de comunicação visual através de cartazes, videos etc. É, sem dúvida, uma Igreja aberta ao mundo da comunicação, sabendo, porém, que ainda lhe resta longa e interminável via.
e) A coincidência com o ano da Campanha da Fraternidade sobre a Juventude deu maior relevância ao grupo de juventude. Se a face estatística de nossa Igreja de fiéis e também do clero é relativamente de jovens, a importância deles está longe de corresponder ao número. Além do mais, as estatísticas permitiram perceber uma realidade preocupante, ao mostrar que os rapazes começam a deixar a Igreja na faixa de 14-18 anos e as meninas ainda mais cedo, entre os 10-14 anos. A pastoral da juventude não tem sido pujante. Antes tem havido dificuldades nesse setor.
Falta muito a nossa Igreja de BH assumir um rosto mais jovem no sentido de uma presença viva, significativa, criativa e ativa dos jovens. Nesse sentido, o grupo temático exprime mais desejo que realidade, mais esperança que realizações, mais projeto que presença.
7. Desafio da espiritualidade e da consciência missionária
Um projeto revela-se não só pelas afirmações como pelos silêncios. A face da Igreja de BH retrata o que nela existe, mas também as lacunas. O campo da espiritualidade e da consciência missionária ainda não assumiu a relevância que o momento atual demanda. É verdade que o projeto dum centro de espiritualidade no alto da Serra da Piedade está em andamento e pode tornar-se um sério pólo de irradiação espiritual. Há iniciativas, em curso, de retiro na vida com pessoas de classe letrada e popular com enorme fruto de renovação espiritual. Há várias casas de encontro, que são focos de espiritualidade. Mas são experiências que não parecem integradas no projeto. Por isso não revelam de si a face da Igreja do projeto, ainda que pertençam ao rosto já configurado de nossa Igreja.
Nesse campo da espiritualidade, há várias expressões. Já me referi à expressão inaciana com o retiro na vida cotidiana. Nas CEBs, trabalha-se uma espiritualidade bíblica através sobretudo dos círculos bíblicos. Espiritualidade muito articulada com a vida que segue a metodologia elaborada por Frei Carlos Mesters. É uma espiritualidade de compromisso com as lutas do povo.
Os “movimentos de leigos” também desenvolvem uma espiritualidade. Esta, por sua vez, volta-se mais para o interior do grupo. Visa ao aperfeiçoamento dos membros do movimento e à vida do movimento. Nem sempre ela consegue articular-se com a vida pastoral e social.
As experiências missionárias ainda são também escassas. O projeto não tem trabalhado iniciativas nessa direção. Pode-se pensar uma visão missionária dentro da Igreja local e para fora dela. Dentro da Igreja local, os “movimentos” desempenham uma tarefa missionária de conquista e repesca. É um proselitismo para o movimento. As CEBs também desempenham uma atividade missionária noutro sentido. Procuram formar outras comunidades que adquirem sua autonomia e já não dependem do missionário. E há também em nossa Igreja uma percepção, ainda não muito cultivada, de uma missão para fora dela e/ou do país.
8. Traços a serem definidos
O projeto está ainda no começo. Já tem dado seus frutos, permitindo esse esboço eclesiológico. Mas pairam ainda no ar dúvidas, expectativas, incertezas. Algumas já apontadas nos parágrafos anteriores. Entretanto, o projeto ainda não tocou algumas áreas mais sensíveis e conflitivas, tais como a reorganização da estrutura paroquial, a criação de mecanismos e estruturas eclesiásticas estáveis com participação real e ativa de leigos. Nesse momento, pôr-se-á à prova a base de consenso que se tinha conseguido nessa diocese para um novo e mais rico patamar. Este salto qualitativo está ainda para ser dado.
Além disso, o processo é como um deslizar de trem. Os vagões seguem o ritmo, a velocidade, o trajeto que a locomotiva seguir sobre os trilhos de suas possibilidades concretas. O presente projeto tem procurado que a locomotiva não seja uma pessoa, nem um grupo bem definido de antemão, mas que se constitua de representantes das forças vivas da Igreja. Essa locomotiva já está em funcionamento com mecânicos ainda montando-lhe as peças fundamentais para seu trafegar.
Acostumados que estão tanto o clero como os leigos a terem já uma locomotiva toda completa desde o início da viagem, sentem-se algo inseguros diante de um projeto em que a própria locomotiva se constrói no trajeto. Aberração mecânica, mas realidade pastoral.
A Comissão Central é parte dessa locomotiva. Mas pertencem a ela os grupos temáticos, as assembléias do clero e dos leigos, as reuniões de regiões e de forania etc. Este conjunto complexo está levando o projeto para frente.
Conclusão
Esta visão de Igreja latente na realidade viva vai-se transformando à medida que novas práticas surgirem, decisões forem tomadas. Além disso, a explicitação dela responde aos limites de quem a faz. Por isso outras leituras são possíveis e encontrarão traços nessa Igreja que não foram descritos e indicarão também carência de elementos ainda não desenvolvidos. Todas essas análises refletem um determinado momento, o conhecimento limitado de dados e a perspectiva escolhida e percebida pelo analista. Mas podem provocar ulteriores reflexões e críticas. Eis o seu sentido.
Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma), Libanio foi um grande teólogo da libertação, pastoralista, professor de teologia sistemática e da práxis cristã, escritor, orientador de estudos, conferencista, assessor da CNBB, da CRB, das CEBs, de grupos de jovens e de muitos outros grupos, movimentos e pastorais. Além disso, foi vigário paroquial.
(os grifos são nossos)
Fonte:
Resenha perfeita. Para nós que atuamos diretamente no “Projeto Pastoral Construir a Esperança” este boletim retrata a síntese de ações de todo o processo. Pe. Antoniazzi . Pe.Libanio, Pe. Carlos Fragoso e Carlos Geraldo Pinto, além de leigas muito envolvidas, pode-se fazer acontecer este dinamismo na Igreja de BH. Creiam estes pilares foram envolvendo muitos e muitos leigos nesta construção. Muitas iniciativas partiram desta novo jeito de ser Igreja. O forte mesmo foram os GRUPOS DE REFLEXÃO que se multiplicavam a cada etapa e levavam a Palavra a todos. Chegamos a ter 2500 grupos cadastrados.