No importante exercício da memória, compartilhamos esta entrevista concedida por Alberto Antoniazzi, quando atuava no Instituto Nacional de Pastoral (INP) e coordenava o Projeto Pastoral “Construir a Esperança” na Arquidiocese de Belo Horizonte. Publicada em 18/05/2002, muitas de suas reflexões e intuições teológico-pastorais continuam com grande vigor a nos desafiar. Dentre elas merece destaque:
- A urgência de se pensar uma ação evangelizadora com linguagem e conteúdo significativos para o homem e a mulher de nosso tempo;
- A criação de uma dinâmica eclesial participativa e corresponsável entre clérigos e leigos/as;
- A configuração de uma ação evangelizadora própria para o complexo contexto urbano das grandes cidades;
- A presença viva, significativa e atuante da Igreja nas periferias, aglomerados e favelas;
- O desafio de se pensar uma ação evangelizadora específica para a situação dos condomínios e bairros verticalizados (grandes edifícios).
Por: Maria Lucia Gomes de Matos
Padre Alberto Antoniazzi era teólogo, assessor da CNBB e Secretário Executivo do Projeto Pastoral Construir a Esperança (PPCE). Trabalhou como Coordenador de Pastoral na Arquidiocese de Belo Horizonte e sempre se referiu a essa Arquidiocese como muito atuante, sempre almejando melhorar mais, como ele afirmou em um de seus artigos – “a colheita é grande, os trabalhadores são poucos” (Lc.10,2) .
Pe. Antoniazzi apresenta nesta entrevista questões que leva o leitor a ponderar sobre a importância daquilo que ele aborda:
“A missão da Igreja é uma tarefa de todos – e por isso também minha – ou só de alguns poucos? Nem todos são chamados a viajar tão longe como fazia São Paulo. Há modos de fazer missão por perto? Já saiu de seu bairro ou comunidade para levar o evangelho a outros? prestar serviços aos irmãos necessitados? Quando? Como?”
A seguir, ele responde a perguntas que esclarecem sobre as atividades de uma Pastoral Urbana:
1. QUAIS OS PRINCIPAIS OBJETIVOS DA PASTORAL URBANA?
Antoniazzi: A Pastoral Urbana nasceu na América Latina nos anos 60, como esforço de reflexão, orientação e ação relativamente aos problemas pastorais específicos das grandes cidades. Um marco, nesse sentido, foi o Encontro promovido pelo CELAM, em 1965, em Barueri (São Paulo). A consciência da necessidade de uma Pastoral Urbana nasceu, de um lado, da constatação que a urbanização crescia rapidamente e algumas cidades transformavam-se em “megalópoles” (ou grandes metrópoles) e, por outro lado, da percepção de que a maioria das práticas pastorais da Igreja Católica estavam adequadas ao mundo rural ou à cidade pequena, não às metrópoles modernas…
2. OS TRABALHOS DA PASTORAL URBANA ATINGEM AS COMUNIDADES DA PERIFERIA?
Antoniazzi: Certamente a Pastoral Urbana deve ocupar-se da periferia, particularmente no Brasil, onde nos últimos 15-20 anos não cresceram os municípios das capitais (já muito povoados desde os anos 80), mas os municípios periféricos a eles, formando o entorno das Capitais e inchando as regiões metropolitanas. Por exemplo, a cidade de Belo Horizonte tem há 20 anos pouco mais de 2 milhões de habitantes. No mesmo período a Região Metropolitana passou de menos de 3 para 4,3 milhões de habitantes. Alguns municípios da Região multiplicaram a população por dez. Apenas 8% da população acima de 18 anos de Betim, por exemplo, nasceu no município; os outros 92% vieram de fora! Agora, os problemas da periferia não são os mesmos do centro urbano! Na periferia encontramos muitas vezes uma população em transição do mundo rural (de onde vem) para a cultura urbana…
3. QUAIS AS MAIORES DIFICULDADES ENCONTRADAS PELA PASTORAL URBANA?
Antoniazzi: As dificuldades da Pastoral Urbana são muitas. A urbanização é acompanhada por um processo de modernização que tende a levar ao individualismo e ao enfraquecimento dos laços comunitários e institucionais. Isso desgasta também a ação pastoral da Igreja. (Vejam-se as reflexões sobre o tema no último capítulo do recente livro do CERIS: Desafios do Catolicismo na Cidade, Editora Paulus). Em geral, a ação pastoral da Igreja Católica está muito ligada às paróquias. Estas procuram se adaptar às exigências da pastoral urbana, tornam-se mais acolhedoras e dinâmicas. Mas falta, geralmente, uma pastoral mais especializada, que atinja setores específicos da sociedade ou ambientes de vida. Falta também mais rapidez para atender a periferia. Não é raro o caso em que, nas áreas periféricas, quando surge uma nova paróquia católica, já atuam dez ou mais igrejas evangélicas…
4. COMO SÃO ELABORADOS OS PLANOS DE TRABALHO NA PASTORAL URBANA?
Antoniazzi: O Brasil tem uma boa experiência de planejamento pastoral, sobretudo a partir do “Plano de Pastoral de Conjunto” (PPC), criado pelos Bispos para aplicar o Concílio Vaticano II. O primeiro PPC foi feito para o período de 1966 a 1970. E ficou depois como referência. Em 1975, foram introduzidas as “Diretrizes Gerais da Ação Pastoral”, renovadas há quatro anos. Cabe às Dioceses elaborar planos de ação diocesanos. Em Belo Horizonte, a Arquidiocese coincide com a Região Metropolitana. Desde 1990 temos um Projeto Pastoral, que foi chamado “Construir a Esperança”. Este projeto é renovado anualmente, envolvendo os padres e os Conselhos Pastorais (nos quais os leigos são maioria) na discussão e aprovação dos programas anuais. A inspiração básica vem do ” Ver – Julgar – Agir”. Ou seja, procuramos elaborar os planos a partir de:
- 1. Análise da realidade (usando dados das instituições de pesquisa, mas também promovendo pesquisas próprias, bem como acolhendo as ricas contribuições analíticas das ciências humanas e sociais);
- 2. Reflexão teológica, que deve nos ajudar a discernir objetivos e prioridades à luz do Evangelho e da doutrina da Igreja;
- 3. Diretrizes de ação, que procuram coordenar a ação de forma mais orgânica e eficaz na dinâmica da Igreja e da sociedade.
A complexidade da realidade urbana nos estimula a buscar um “planejamento participativo” (e não tecnocrático ou centralizado), que estimule a corresponsabilidade e criatividade de todos os agentes. As propostas que são feitas a todos (por exemplo, a Campanha da Fraternidade ou outras campanhas sociais, a Missa da Unidade na Quinta-feira Santa, a festa de Corpus Christi, as missões, os eventos dos movimentos católicos, as lutas dos movimentos populares por cidadania e melhores condições de vida etc.) também são estudadas de tal forma que obedeçam a um ritmo e a um cronograma compatíveis com a vida da cidade.
5. OS GRANDES CONDOMÍNIOS SÃO CONTEMPLADOS NA PROGRAMAÇÃO DA PASTORAL URBANA?
Antoniazzi: Talvez se possa dizer que para muitas cidades os condomínios e os grandes prédios de apartamentos são um “espinho na carne” da ação pastoral. Eles são muitas vezes tão fechados, que se torna difícil o acesso de missionários ou mesmo atividades internas por parte de católicos mais ativos. Há, contudo, exceções. Um bom estudo de como evangelizar um condomínio da Barra da Tijuca foi apresentado no curso de doutorado em Teologia da PUC-Rio pelo Pe. Joel Portella Amado. Dois artigos dele na revista “Atualidade Teológica” (de 2001) oferecem uma boa resposta também à pergunta que se segue.
6. AS TENDÊNCIAS ATUAIS DO CATOLICISMO LEVAM A NOVAS ABORDAGENS?
Antoniazzi: Certamente. Os artigos do Pe. Joel na “Atualidade Teológica”, sobre a “A Igreja e a Cidade”, procuram exatamente mostrar isso. Espero publicar no próximo número da revista “MAGIS”, também da PUC-Rio, uma intervenção sobre o assunto, inspirada pela recente pesquisa do CERIS sobre as Regiões Metropolitanas. Por enquanto, limito-me a dizer – um pouco apressada e simplificadamente – que as novas tendências da religiosidade urbana exigem uma inversão da pastoral tridentina, que dominou na Igreja Católica até o século XX. Ela queria oferecer a reta doutrina, a liturgia autêntica, a justa disciplina, mas não se preocupava com o modo como as pessoas recebiam a ação pastoral. A Pastoral Urbana deve partir da valorização da pessoa e propor a experiência cristã em clima de liberdade. A pastoral tridentina foi chamada “pastoral do medo” e, até que persistiu a união de Igreja e Estado, as práticas religiosas eram obrigatórias e policiadas. Os desafios são grandes, mas a cidade hoje exige crescimento da qualidade do catolicismo e não se concretiza sem estimular a participação ativa de todos os católicos.
Sobre o autor:
Alberto Antoniazzi nasceu em Milão em 1937. Na arquidiocese de Belo Horizonte tem iniciada sua trajetória no ano de 1963. Professor de Filosofia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), e, mais tarde, vice-reitor. Pe. Alberto Antoniazzi é um importante intelectual do clero brasileiro, com notórios trabalhos de pesquisas e obras direcionados para a ação pastoral da Igreja no país. Participou de diversos cargos administrativos dentro de Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB e da Arquidiocese de Belo Horizonte. Faleceu no dia 25 de dezembro de 2004.
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