Em busca de perspectivas para o Sínodo das Juventudes: que jovem? que sociedade? que Igreja?

Por uma Igreja libertadora e juventudes revolucionárias

 

Por   Glaucon Durães

O desafio das juventudes tem sido uma temática central e recorrente na dinâmica do pontificado do papa Francisco. De um modo mais contundente, agora, ele mobilizou toda a Igreja para acolher, ouvir e refletir sobre os anseios das juventudes cristãs católicas, em nível mundial, e os novos rumos que a Igreja deve tomar para ser fiel em sua missão. A Igreja, há quase um ano, se prepara para a realização da XV Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos, que acontecerá em outubro de 2018 e que traz como eixo norteador a fé e o discernimento vocacional dos jovens.

Mas, primeiramente, teçamos um olhar, ainda que panorâmico, para a história da Igreja. Que marcos significativos podem nos ajudar na compreensão da relação da Igreja com as juventudes?

 

São Luiz Gonzaga, padroeiro da juventude

Em 1726, o papa Bento XIII canonizou o jovem italiano Luiz Gonzaga (1568-1591) e proclamou-o padroeiro da juventude. Em 1926, o papa Pio XI realizou uma audiência, com cerca de 5000 jovens de todo o mundo, e reafirmou, por meio de uma Carta Apostólica, o título concedido a São Luiz Gonzaga dois séculos antes. É possível identificar duas perspectivas, ou melhor, duas construções imagéticas de jovem para a Igreja da época: o de razões eternas e o de razões temporais. O primeiro é dotado de virtude, doçura, alegria, inocência, pureza e que,  em meio à degeneração do mundo, espelha-se em São Luiz Gonzaga como “modelo ideal de todas as virtudes” e procura compor o “forte exército de paz da Sé Apostólica” para a reforma de um mundo em decadência. O segundo é aquele que não está aberto, ou que perdeu, ou ainda, que não tem a “dignidade e o mais belo ornamento da juventude, isto é, a ‘inocência da moral e castidade’”. Nessa perspectiva normativa e classificatória, São Luiz Gonzaga é apresentado como o tipo ideal de jovem de razões eternas. Porém, até este, não está livre de um sentimento de culpa advindo da indignidade humana, uma vez que, segundo o papa Pio XI:

ele não ignora a fraqueza natural de força humana e, especialmente cauteloso em si mesmo, ele tentou contar com a ajuda de Deus, rezando dia e noite por muitas horas sem interrupção, e para obter a misericórdia divina recorreu ao patrocínio da Virgem Mãe de Deus, de quem ele foi um dos devotos mais dedicados”.

Como se pode deduzir, o papa Pio XI apresentou uma visão dualista da realidade humana a partir de um olhar normativo que classifica e julga desde uma lógica singular. Com isso, é possível concluir que não se trata da humildade de um ser humano reconhecendo suas limitações humanas, mas sim, uma negação do humano respaldada na figura imagética de um jovem Santo que frente a sua suposta fraqueza humana natural, reza freneticamente, amedrontado e arrependido, pela misericórdia divina. E como se não bastasse sua reza incansável, recorre a um trunfo maior, a uma advogada que é a própria mãe do juiz.

 

O Concílio Vaticano II e o processo de renovação eclesial

Na década de 1960, a Igreja passou por extraordinário processo de renovação, cujo marco simbólico é reconhecido pelo evento Concílio Vaticano II (1962 a 1965): a abertura da Igreja para o mundo moderno. E novamente aí, ela voltou sua atenção para a juventude, isto é, para uma importante parcela da sociedade que vinha conquistado lugar em diversas instituições e espaços, mundo afora. Isso pode ser notado nos movimentos políticos e culturais, seja contra as drásticas consequências provocadas pela II Guerra Mundial (1939 a 1945), seja contra os impactos negativos promovidos pela globalização do sistema capitalista. Os jovens se tornaram atores sociais e políticos de tamanha relevância no cenário internacional, que a última mensagem do papa Paulo VI, em Concílio, foi destinada aos mesmos:

A Igreja, durante quatro anos, tem estado a trabalhar para um rejuvenescimento do seu rosto, para melhor responder à intenção do seu fundador, […] o Cristo eternamente jovem. E no termo desta importante «revisão de vida», volta-se para vós. É para vós, os jovens, especialmente para vós, que ela acaba de acender, pelo seu Concílio, uma luz: luz que iluminará o futuro, o vosso futuro. (Paulo VI, 08/12/ 1965)

Apesar do Concílio Vaticano II ter promovido uma mudança positiva na Igreja como um todo, a visão da Santa Sé em relação à juventude preservou muito dos antigos discursos dicotômicos e apaixonados dos papas sobre este setor da sociedade. Permanece em alguns pontífices, um olhar que se pretende universalista e inclusivo, tendo como referência um tipo ideal de jovem, mas que acaba por isso mesmo, por ser nivelador, gerando não reconhecimento de muitos, bem como exclusão, segregação, marginalização, estigmatização, preconceito e violência simbólica.

 

Do Concílio Vaticano II ao Sínodo da juventude em 2018

É possível identificar, no entanto, ao menos três momentos relacionais distintos entre a Igreja e a juventude após o Concilio Vaticano II até este Sínodo de 2018. O primeiro engloba o papado de Paulo VI (1963 a 1978), o concretizador do Concílio inaugurado por João XXIII; O segundo compreende o longo período do pontificado de João Paulo II (1978 a 2005) e o de Bento XVI (2005 a 2013); e o terceiro, ainda em andamento, é o inusitado do ministério do papa Francisco (2013 -).

 

a) Primeiro momento

Com Paulo VI, a Igreja se apresenta preocupada com o crescimento da influência, sobre os jovens, de filosofias que questionavam simultaneamente o poder infalível e imperial da Igreja e à exploração econômica e social do modelo de produção capitalista. Tendo este último, impulsionado o desencadeamento de várias crises internacionais e guerras no período.

Esta preocupação fica evidente na mensagem final do Concílio, em que o pontífice se dirige aos jovens sem reconhecer as responsabilidades da Igreja no desenrolar do processo histórico mundial, mas apontando incisivamente para os resultados negativos de práticas filosóficas emergentes no ocidente da época, caracterizando-as como geradoras de egoísmo e vazio. Isso, segundo o papa, a partir da centralização da cultura do prazer e da disseminação do ódio pela violência:

Tem confiança que vós encontrareis uma força e uma alegria tais que não chegareis a ser tentados, como alguns dos vossos antepassados, a ceder à sedução das filosofias do egoísmo e do prazer, ou às do desespero e do nada, e que perante o ateísmo, fenômeno de cansaço e de velhice, vós sabereis afirmar a vossa fé na vida e no que dá um sentido à vida: a certeza da existência de um Deus justo e bom. (Paulo VI, 08/12/ 1965).

E neste combate entra a Igreja de Roma e os movimentos sociopolíticos que lutavam pelos excluídos, ambas as partes jogaram pela janela, a água com a bacia e o bebê, não sendo capazes de se unirem e de se auto criticarem, como ocorreu na bem sucedida experiência da América Latina, em prol daqueles que eram da preferência de Jesus, de São Luiz Gonzaga e dos revolucionários: as pessoas excluídas, exploradas e estigmatizadas.

 

b) Segundo momento

Durante o pontificado de João Paulo II (1978 a 2005), a Igreja amplia suas redes de aproximação aos jovens do mundo inteiro, sobretudo com a criação das Jornadas Mundiais da Juventude, a partir de 20 de dezembro de 1985. João Paulo II corporifica a imagem do papa Pop, do papa para a juventude e do papa peregrino, a partir de sua história de vida, suas várias mensagens a juventude e suas viagens a diversas nações.

No entanto, este papado, expandido pelo de Bento XVI, inovam de forma conservadora, a imagem do jovem para a Igreja. A velha e cansada figura barroca de São Luiz Gonzaga perde a batina preta e branca de acólito europeu para ser revestida com a modernizante ideia de teor ideológico neoliberal, de que: “Precisamos de Santos que bebam coca-cola e comam hot dog, que usem jeans, que sejam internautas, que escutem disc man.”.

Esta ideia de jovens como santos modernos, se pretende novamente inclusiva, mas apresenta igualmente um olhar normativo e nivelador, estabelecendo um estereótipo de jovem que reflete, sobretudo, o “sonho americano” incisivamente vendido pelas campanhas publicitárias capitalistas internacionais, de viés neoliberal: o jovem high school musical; alegre, animado, descolado, com popularidade e que influencia os demais jovens de sua geração. Ou seja, é a nova figura do jovem ideal, eficiente para ir e fazer “discípulos em todas as nações”. Os jovens das massas que arrebata multidões.

O que se percebe em todos os discursos papais até aqui abordados, é a ideia de um jovem padrão a ser imitado e um jovem padrão com capacidade de influenciar e reproduzir seus padrões joviais de religiosidade conservadora. Isso é perceptível, por exemplo, pelo fato de não haver, nos mesmos discursos, uma valorização da figura de São Luiz Gonzaga como um nobre jovem que subverteu a ordem social da qual vivia, renegando as riquezas herdadas de sua família, para ir medicar doentes em situação de miséria. Há portanto, a construção da imagem de um jovem santo que tem mais valor por ter morrido virgem, do que por ter morrido doente, solitário e pobre, em meio ao que ele próprio escolheu como sentido missionário de sua vida: tratar de doenças de pessoas pobres, nas ruas italianas do século XIV.

As duas figuras de jovens, construídas pela Igreja ao longo do século, uma antiga e europeia e outra moderna e estadunidense, cumprem uma função colonialista e imperialista, nivelando a pluralidade dos jeitos de ser jovem, dos jovens das nações periféricas ao jovem ideal das nações centrais, e nivelando as juventudes periféricas das nações centrais ao jovem de classe média e alta das mesmas nações.

Nesse sentido, falta reciprocidade na relação entre Igreja e juventude, uma vez que a diversidade da juventude, isto é, as juventudes, são negadas em detrimento de uma única, tida como ideal. Ou seja, o jovem colocado como ideal para se transmitir uma experiência de fé pouco reflexiva, moldada em preconceitos, fundamentalismo, controle e vigilância. Uma experiência de fé alienadora e unilateral em suas compreensões a respeito da verdade transcendental.

 

c) Terceiro momento

Entretanto a XV Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos (2018) traz uma concepção de juventude que se pode considerar revolucionária dentro do contexto histórico da Igreja. Foi justamente da boca de um papa latino-americano, “do fim do mundo”, como Francisco se auto denominou no dia de sua posse, que o mundo inteiro ouviu:

Não! O Sínodo é o Sínodo para e de todos os jovens! Os jovens são protagonistas. Mas também os jovens que se sentem agnósticos? Sim. Mesmo os jovens que tem uma fé tépida? Sim. Também os jovens que se sentem distantes da igreja? Sim. Também os jovens que, não sei se há algum, mesmo que exista algum, os jovens que se sentem ateus? Sim.

(Papa Francisco).

Nesta fala, a Igreja enfim conseguiu ser acolhedora, inclusiva, não normativa, não niveladora, não colonizadora e imperialista, não preconceituosa, não juíza e não punitiva, pois além de colocar os jovens como protagonistas do Sínodo e não apenas como receptáculos de discursos elaborados por bispos, reconhece também as diversidades e as singularidades das diversas juventudes católicas e não católicas de todo o mundo.

O Sínodo pede mais, pede ações concretas das juventudes perante a vida e o mundo líquido, concretiza como vocação e vocação como ações que refletem os sinais do Amor Transcendental em cada ser. Amor este que impulsiona todos jovens a lutar pela promoção da dignidade humana de cada pessoa, pela libertação dos marginalizados e explorados, pelo cuidado amoroso com a nossa casa comum, o planeta Terra, em todas as suas dimensões biológicas-naturais e socioculturais.

Por fim, este Sínodo representa uma das maiores expressões do nascimento de uma nova Igreja, desde o Concílio Vaticano II. Uma Igreja mãe e não juíza arbitrária, uma Igreja libertadora e não alienadora, uma Igreja que se compadeça das dores das juventudes, sobretudo as excluídas e estigmatizadas, e enxergue nelas, a face ferida do Cristo que sofreu nas mãos de tiranos e opressores, à miséria e a vaidade humana.

Que o Reino de Deus se cumpra também aqui neste mundo concreto, com pessoas de carne e osso que concretizam uma caminhada, com altos e baixos, acertos e erros. Que tenhamos sabedoria para ajudar os jovens, e os povos da Terra inteira, a se libertarem das alienações e explorações e avançarem passos concretos na conquista de uma vida que valha a pena e em busca do amor e da alegria de compartilhar a fé e a vida em comunidades fraternas, acolhedoras e inclusivas.

glaucon

 

Glaucon Durães

Formado em Ciências Sociais pela PUC Minas

Membro da equipe de colaboradores jovens do Observatório da Evangelização