Que alegria acreditar que as comunidades eclesiais de base, as pastorais sociais e os movimentos populares, mesmo fragilizados pela pressão e pelos ataques de um sistema dominante opressor, são animados e conduzidos pelo Espírito Divino.
Imensa graça crer que, mesmo se luto contra o que dentro de mim, recusa a se renovar, posso sempre contar com a presença amorosa e renovadora do Espírito.
Que alegria testemunhar essa força revivificante atuante nas pessoas e em todas as iniciativas de solidariedade e de transformação do mundo.
Hoje, a liturgia das Igrejas celebra a festa de Pentecostes, ou seja, o quinquagésimo dia da Páscoa.
O Pentecostes antigo começou nos últimos períodos do primeiro testamento, como celebração de ação de graças pela aliança de Deus no Sinai. No meio do deserto, Deus completou a libertação do seu povo e casou com Israel para expressar seu projeto de casar com a humanidade toda. Antigamente, no monte Sinai, Deus tinha se revelado no fogo e no tremor de terra.
De acordo com o livro dos Atos dos Apóstolos, depois que Jesus ressuscitou, em uma festa de Pentecostes, os discípulos e discípulas do Cristo, reunidos, receberam a plenitude do Espírito que Jesus prometeu. Nesse novo Pentecostes, no lugar das chamas de fogo, dos trovões e relâmpagos que desciam sobre a montanha, eram como que “línguas de fogo” para revelar que o primeiro dom do Espírito é a comunicação. De fato, ali, naquele mesmo instante, juntou-se uma pequena multidão; pessoas de várias nacionalidades e culturas. Diz o texto: “todos escutavam os apóstolos e os compreendiam como se eles estivessem falando a língua de cada um”.
Quem viaja como eu conhece bem o drama da diferença de línguas. Uma vez, fiz escala de quase um dia em Copenhague, na Suécia. Era difícil compreender e se comunicar com ninguém. E o pior, não é a diferença de línguas, mas de linguagem. Na maior parte das vezes, nossa experiência é que sofremos mais pelos desentendimentos que temos no dia a dia, mesmo quando falando todos uma mesma língua. Mas, o Espírito Santo não se restringe a ser uma espécie de aparelho de tradução simultânea. A sua ação é muito mais profunda: é no sentido da linguagem, da cultura interior. Ele nos dá a graça de nos compreender. Faz conosco o contrário de Babel (Gen 11). Lá, o propósito dominador e imperial (Babel era Babilônia) levou à divisão e à destruição. Em Pentecostes, o Espírito suscita unidade e a construção de uma nova comunhão.
Hoje, no mundo colonialista, os migrantes e refugiados são obrigados a aprender a língua da nação na qual se refugiam. A Bíblia diz que o milagre de Pentecostes foi o Espírito Santo fazer os apóstolos serem capazes de ser compreendidos na língua de cada povo. Não é o imperialismo da cultura que se impõe, mas ao contrário, a abertura a todas as culturas.
O Evangelho de João que ouvimos nesta festa (João 20, 19-23) nos diz que o dom do Espírito é consequência da ressurreição de Jesus e do encontro nosso com o Ressuscitado. Ele nos dá a paz, nos devolve a alegria profunda do coração, nos confirma o perdão de Deus e pede que sejamos testemunhas deste perdão. “Recebam o Espírito. A quem perdoarem…”, Jesus não abre a possibilidade da comunidade não perdoar alguém. Temos de perdoar todo mundo. Ele deu tudo de sua vida para reconciliar com Deus até os seus inimigos. Trata-se da prática que os primeiros cristãos tinham de “ligar e desligar” a pessoa do pecado: responsabilizar ou des-responsabilizar. O perdão é gratuito, mas é preciso refazer o que foi destruído. Ele nos diz: “A responsabilidade das divisões e das guerras é do modo como vocês organizam este mundo”. Ele nos perdoa totalmente, mas nos dá a tarefa de nos empenhar e nos consagrar como testemunhas e construtores da paz.
Se nos abrirmos hoje ao Espírito Santo, seremos mesmo, eu e cada um/uma de vocês, profetas, profetizas de Deus.
- Tornando-nos pessoas verdadeiramente tomadas pelo Espírito. Não mais seguidores de ritos ou de uma religião externa, mas templos do Deus Vivo. Portadores do Espírito.
- Seremos portadores do Espírito na sua tarefa de dizer o que “o Senhor nos manda dizer e fazer” nas Igrejas e no mundo.
Nessa tarde, na varanda das Fronteiras, começamos a celebração de Pentecostes cantando um salmo cujo refrão é inspirado no livro da Sabedoria: “O Espírito do Senhor, o universo todo encheu, tudo abarca em seu saber, tudo enlaça em seu amor, aleluia, aleluia“(Sb 1, 7). Mesmo se cremos nessa verdade e podemos nos alegrar com essa presença em nós do Espírito, a Igreja nos aconselha a sempre de novo pedirmos que ele venha, venha e venha e nos impregne com o seu amor.
Em uma poesia, Dom Pedro Casaldáliga orava assim:
Vem, Espírito Santo, vem,
ou melhor, vamos:
Faze que nós vamos
aonde Tu nos levas.
Tu nunca Te ausentas,
ar que respiramos,
vento que acompanhas,
clima que aconchegas.
Vem, para levar-nos por esse Caminho,
o Caminho vivo, que conduz ao Reino.
Vem, para arrancar-nos,
numa ventania de verdade e graça,
de tantas raízes de mentira e medo
que nos escravizam.
Vem, feito uma brisa, para amaciar-nos,
feito um fogo lento,
um beijo gostoso,
a paz da justiça,
o dom da ternura,
a entrega sem cálculos,
o amor sem cobrança,
a Vida da vida.
Vem, pomba fecunda, sobre o mundo estéril
E suscita nele a antiga esperança,
a grande utopia da Terra sem males,
a antiga, a nova, a eterna Utopia!
Vem, vamos, Espírito!
Marcelo Barros é monge beneditino, escritor e teólogo biblista brasileiro. Em 1969 foi ordenado padre por Dom Helder Camara e, durante quase dez anos, de 1967 a 1976, trabalhou como secretário e assessor de Dom Hélder para assuntos ecumênicos. É membro da Comissão Teológica da Associação Ecumênica dos Teólogos do Terceiro Mundo (ASETT), que reúne teólogos da América Latina, África, Ásia e ainda minorias negras e indígenas da América do Norte. Assim, em seu blog, ele se define: “Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar”.
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