Lançamos esta interpelação a você que acompanha a caminhada da Igreja e participa do nosso Observatório da Evangelização. Pedimos a você que leia o artigo a seguir de Robert Mickens e no espaço para o seu comentário nos presenteie com sua avaliação sobre os cinco anos de exercício do ministério de Pedro exercido pelo papa Francisco.
Cinco anos do papa Francisco e o princípio da reforma
“Reformas estruturais ou organizacionais são secundárias – isto é, elas vêm depois. A primeira reforma deve ser a das atitudes”, disse Francisco pouco mais de cinco meses depois de assumir o papado. E aqui não estávamos apenas diante de uma retórica bem elaborada. O papa falava sério.
A reportagem é de Robert Mickens, publicada por La Croix International, 09-03-2018.
A tradução é de Isaque Gomes Correa.
“O Senhor não demora para cumprir o que prometeu, como alguns pensam, achando que há demora; é que Deus tem paciência com vocês, porque não quer que ninguém se perca, mas que todos cheguem a se converter” (2 Pedro 3,8-9). Assim diz a epístola atribuída (embora provavelmente de modo incorreto) ao primeiro “papa” da Igreja.
Esta passagem me vem à mente imediatamente quando pondero sobre como avaliar o pontificado do Papa Francisco, o 265º Sucessor de São Pedro. Ela parece pertinente, no momento em que se celebra o quinto aniversário dele como Bispo de Roma, especialmente à luz das acusações de que ele vem demorando quanto às reformas profundas que muitos esperavam após se eleger ao papado.
Podemos dizer que, com o único jesuíta e latino-americano a se sentar na Cátedra de Pedro, cinco anos são como um dia? Alguns católicos impacientes poderiam se ver tentados a pensar que sim, mas só porque ainda não compreendem o tipo de reforma que o papa está tentando implementar na Igreja e mesmo no mundo de maneira mais ampla.
Certos setores do catolicismo – incluídos muitos dos cardeais que elegeram Jorge Mario Bergoglio em 13-03-2013 – continuam a acreditar que o principal locus do papa argentino a ser reformado é o Vaticano e a Cúria Romana. E, naturalmente, sentem-se desapontados, posto que ele fez relativamente pouco para, de fato, transformar o centro burocrático da Igreja em algum modo estrutural ou jurídico significativo.
Os escândalos financeiros e sexuais que tiveram um efeito paralisante em pontificados anteriores não deixaram de existir. A velha mortalha de sigilo que há tempos velava a maneira como as autoridades eclesiásticas lidam com tais escândalos praticamente não foi levantada. E, após cinco anos, a nova constituição que muitos deles esperavam que Francisco já teria a esta altura promulgado para uma Cúria totalmente reformada ainda se encontra longe de uma conclusão.
Outros na Igreja Católica – incluídos os que apostam no papa para reformar e atualizar muitas das estruturas de comando e ministério da Igreja, bem como certos ensinamentos e normas – continuam também a lamentar o ritmo lento das mudanças.
Pensam que o papa vem sendo vagaroso demais a abordar alguns temas centrais. Um desses seria o modo como lidou com os vários aspectos relativos ao fenômeno generalizado do abuso sexual clerical de menores. Um outro seria a sua relutância em romper as barreiras institucionais que continuam a fazer as mulheres cidadãs de segunda classe na própria Igreja.
É claro que ainda há outros – e estes incluem os católicos autodeclarados “ortodoxos” e tradicionalistas – que acreditam que o papa Francisco vem demorando demais para reafirmar as antigas “verdades” e os ensinamentos da Igreja, especialmente no campo da moralidade sexual e reprodutiva.
Mas estes vários setores do catolicismo (e provavelmente existam alguns outros) são apenas subconjuntos de uma Igreja muito maior. A grande maioria dos católicos ao redor do mundo, se as pesquisas de opinião estiverem corretas, ou apoia grandemente o que o papa tem feito ou (e isto poderia ser um motivo de preocupação) não possuem uma opinião forte de uma forma ou de outra. E se você achar que as pesquisas de opinião não são indicativos do que sentem as pessoas, apenas reflita por um instante sobre o que elas nos dizem a respeito das atitudes políticas dos eleitores, pelo menos nos países ocidentais.
O processo lento e gradual da reforma
Aqueles que, por qualquer motivo, criticam o papa Francisco por não ser mais resoluto na promulgação de reformas visíveis não estão prestando atenção ao que ele diz desde os primeiros dias de seu pontificado.
“Reformas estruturais ou organizacionais são secundárias – isto é, elas vêm depois. A primeira reforma deve ser a das atitudes”, disse Francisco pouco mais de cinco meses depois de assumir o papado. E aqui não estávamos apenas diante de uma retórica bem elaborada. O Papa falava sério.
E nos últimos cinco anos ele trabalhou, com persistência, para realizar este ambicioso “programa de ajustamento atitudinal”. Tem havido um esforço incansável para mudar o pensamento, a lógica e o ethos do que significam ser cristão e uma comunidade de discípulos mais radicalmente conformados com o espírito do Evangelho.
Se você não se convenceu ainda, volte e leia o plano programático de seu pontificado, a exortação apostólica Evangelii Gaudium. Está tudo aí. Mas mudar mentalidades e modos de pensar não é fácil. Os seres humanos parecem ser naturalmente resistentes a modificar qualquer coisa que ameace a zona de conforto em que se encontram – até mesmo em suas cabeças. E Francisco tem tentado implementar esta mudança de atitude e ethos diante de situações difíceis, entre católicos que abertamente se opõem ou que, no mínimo, relutam a aceitar qualquer mudança no status quo atual.
Entre os obstrucionistas há até mesmo bispos e padres influentes, tanto em Roma quanto noutros lugares, que usam os seus postos de autoridade para semear confusão entre os fiéis batizados confiados ao cuidado pastoral deles sobre a legitimidade de certas ações e prioridades o papa. Há também um pequeno número de “jornalistas” e comentadores – predominantemente na parte falante de inglês da Igreja – que continua a usar as mídias sociais com uma fúria semelhante à de fanáticos para produzir narrativas falsas de que é o papa Francisco, e não eles ou o clero obstrucionista, quem está causando toda essa assim-chamada consternação entre as pessoas.
A credibilidade do papa, e o apoio popular que ele tem, vem resistindo a todas as tentativas de retratá-lo, vejamos bem, como não sendo exatamente um católico.
Francisco não está demorando a implementar a visão apresentada em Evangelii Gaudium, como alguns podem pensar. Em vez disso, ele vem sendo paciente de forma que ninguém corra o risco de ser deixado para trás e que todos estejam juntos nesta caminhada de conversão atitudinal.
É essa a importante conversão à qual ele convida. Uns com razão identificaram-na como uma mudança de paradigma para toda a Igreja. O Papa a chama, de maneira bem simples, de a “opção missionária”, algo que deveria ser capaz de “transformar tudo”. Diz que deveria transformar – pode-se dizer mudar? – “os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura” de forma que se tornem “um canal proporcionado mais à evangelização” e que a Igreja, em todos os níveis, se torne “mais comunicativa e aberta”.
Há bolsões de resistência e oposição a isso. E não só deve Francisco desafiá-los; ele também precisa navegar numa situação bastante delicada que papa algum nos últimos seis séculos teve de enfrentar: aquele que o precedeu como papa (Bento XVI) ainda vive.
Alguns consideram que Francisco tem sido cauteloso na condução de certas reformas ou em lançar vários outros projetos que seriam vistos como uma ruptura (ou como uma reversão) de certas prioridades definidas por seu antecessor. Mesmo assim, o papa jesuíta vem conduzindo com firmeza a Igreja numa direção bastante diferente da trajetória em que Bento a havia colocado.
Vistas as circunstâncias singulares atuais, o que o Papa vem fazendo certamente é impressionante e um ato de coragem. Mas, então, onde toda essa situação coloca a Igreja no momento em que o papa Francisco marca o quinto aniversário de sua eleição como Bispo de Roma?
Uma primeira resposta é que este pontificado extraordinário, pelo menos para a maioria dos católicos, trouxe uma nova onda de energia e ar fresco para dentro da Igreja. Não católicos e não fiéis também têm demonstrado um maior apreço e muito menos hostilidade para com o Papa.
E isso não é pouca coisa. Pode-se dizer que Francisco alcançou este status por seu testemunho pessoal de um cristão radicalmente evangélico, algo que a história moderna provavelmente não viu antes entre os papas, pelo menos neste grau.
O papa argentino reavivou o espírito reformador do Concílio Vaticano II (1962-1965) e está desenvolvendo os seus ensinamentos e expandindo a sua visão como uma base para continuar a reformar a Igreja.
Há um longo caminho ser percorrido, obviamente. E muitos católicos de mentalidade reformista – especialmente mulheres e defensores das vítimas de abuso sexual clerical, entre outros – argumentariam que Francisco está se movendo muito lentamente, de maneira muito cautelosa e sendo demasiadamente conservador. Mas estão errados.
Porém eles, e todos nós, devem lembrar que Jorge Mario Bergoglio foi eleito para ser o sucessor de um pecador e frágil pescador da Galileia, e não tomar o lugar do Senhor Jesus Cristo ou de Deus Todo-Poderoso. Esta percepção também faz parte da reforma de mentalidade que está em andamento nos últimos cinco anos. E por isso devemos todos agradecer.
(os grifos são nossos)
Fonte:
Contribuição de Luiz Alberto Gomez de Souza
Há cinco anos o consistório dos cardeais elegeu o novo bispo de Roma, “vindo do fim do mundo”. O nome foi significativo. Logo no início, foi a Lampedusa encontrar imigrantes sobreviventes. Mais adiante, na Bolívia, reuniu-se com movimentos sociais. Simples, a caminho da casa Santa Marta, onde mora. Hoje é uma referência mundial, a personalidade mais atuante e crítica no planeta. Como bispo de Roma (prefiro isso a dizer papa) é o primaz da Igreja Católica Romana. Tem tomado iniciativas surpreendentes e colocado questões à consciência dos cristãos (“quem sou eu para julgar?”).
Um perigo: criar-se um mito, um novo tipo sutil de papolatria, que é uma maneira de colocá-lo no alto de um pedestal e, com isso, afastá-lo para cima: com a consciência tranquila de ter um “papa formidável”, a Igreja descansa nele (“temos Francisco”) e não faz as mudanças indispensáveis. Os problemas que teve no Chile e no Peru mostram-no felizmente vulnerável e sujeito a questionamentos. Sempre pede que rezem por ele. Um passo mais: ajudemos-lhe na crítica a fatos de seu pontificado e, principalmente, à Igreja institucional que, na cúria e nas igrejas locais, tem enorme dificuldade em rever-se em tantos casos de moral anacrônica (ver problemas de sexualidade e reprodução) e diretrizes que serviram em outras épocas (celibato obrigatório, causa de tantos problemas psíquicos e escândalos).
Celebrar Francisco é sermos fieis aos desafios que nos coloca; é trabalhar pelo “aggiornamento” que ficou inacabado desde João XXIII e o Vaticano II. Então, sim, poderemos dar graças ao dom do Espírito que desceu com ele na Igreja Católica Romana.
São 5 anos de obra e ação do Espírito Santo. O Papa Francisco vem evidenciar como a Igreja é impulsionada pelo Espírito de Deus. Sua eleição, a escolha do nome e a maneira como se apresentou já nos vislumbrava um novo tempo de Graças e muitos desafios. Sempre se posicionando e emitindo orientações, enfrentando os problemas . Mesmo que muitas reformas esperadas não tenham se concretizado, ele apontou caminhos, foi e está sendo luz para o caminho que a Igreja deve seguir para manter sua fidelidade a Cristo, Uma Igreja povo, onde todos devem estar a caminho para anunciar e denunciar, onde todos devem descer de seus pedestais e servir. Tem sido um tempo novo, um tempo de muita Luz. Paz e Bem!
Contribuição de José Ricardo de Oliveira
Contam que certa vez Nietzsche perguntou: como querem que eu seja cristão se os cristãos se apresentam com um semblante tão sombrio e triste?
Não sei se o fato é verdadeiro, mas tenho certeza de que se vivo fosse e conhecesse Francisco de Roma, já não poderia fazer este comentário…
Parabéns a todos os católicos por mais um ano de pontificado do Bispo de Roma, o papa da esperança e da alegria, o grande restaurador da obra de Jesus. Um papa mais comprometido com a construção do Reino do que com a manutenção de uma instituição humana.
Deus te abençoe Jorge Mario Bergoglio, vida longa a Francisco de Roma !
Graças a Deus por nos dar um verdadeiro discípulo do Mestre para conduzir a barca de Pedro.
Fico impressionado como ele é capaz de mudar os rumos da velha igreja e ampliar a esperança de tantas pessoas no mundo.
Não me canso de agradecer a Deus por ter atendido a um pedido meu feito no tempo do papa Benedito. Naquela época, em meio a algumas revoltas, pedi a Deus que nos desse um papa que fosse tão admirável como é o Dalai Lama. Afinal o mundo merece essas pessoas especiais para conduzir a espiritualidade da humanidade por caminhos seguros.
Hoje comemoro mais um ano desta resposta de Deus ao meu pedido
OS 5 ANOS DO PAPA FRANCISCO
Para mim, o Papa Francisco é o sinal de esperança para a Igreja e para o Mundo. Para mim, falar sobre ele é pensar nas alegrias e esperanças, que sugiram em meu coração presbiteral, logo após a V Conferência de Aparecida. Lembro-me que logo depois deste grande evento eclesial da América Latina, eu me enchi de expectativas para o que poderíamos fazer na ação missionária na paróquia onde estava servindo e como pensar um Plano Missionário para a Arquidiocese de Natal-RN. Naquela época, pelos idos de 2008, em conversa com o então coordenador de pastoral, o Diácono Adilson, pensamos um Projeto Missionário Arquidiocesano, à luz dos princípios teológicos de Aparecida e a metodologia das Santas Missões Populares.
Com esse testemunho, só quero dizer que esses 5 anos de Pontificado do Papa Francisco só farão a diferença para aqueles que forem dóceis ao que o Espírito Santo está querendo que aconteça na Igreja nestes tempos de tantos desafios globais e locais. O grande projeto eclesial de Francisco para a Igreja é a “Conversão Missionária”. Os outros traços são consequências dessa mudança de mentalidade: A Igreja como hospital de campanha, misericordiosa, acolhedora, pobre e para os pobres, que é ponte, promotora do encontro, da reconciliação, ou seja, uma Igreja Discípula Missionária. Como ele mesmo já afirmou que os referenciais para esse horizonte são a Evangelium Nuntiandi e Aparecida.
Sou um entusiasta deste pontificado, como, quando Padre mais jovem, também era dos seus predecessores. Para mim, ele representa o que existe de autêntico e genuíno de Evangelho e eclesial nos tempos de hoje. Quem não acolhe o que ele propõe está na contramão do que existe de melhor para a Igreja como Sacramento de Salvação. Ele conhece a situação da Igreja, internamente com muito realismo e lucidez. “O Papa Francisco é um Cristão”.
Que Deus o conserve por muitos anos à frente da Barca de Pedro, que é conduzida por Jesus Cristo! Minha comunhão e oração, Santo Padre!
Pe. Matias Soares
Arquidiocese de Natal-RN
Cinco anos se passaram desde aquele altissonante “boa noite” vindo da “loggia” da Basílica e quebrava a formalidade protocolar da apresentação de um novo Papa. A euforia do anúncio foi transformada em silêncio de profunda comunhão pelo pedido inusitado do Papa jesuíta de que se rezasse por ele. Pedido acompanhado do gesto de quem se inclinou diante da multidão historicamente acostumada a receber a bênção. Gesto que tem a força de despertar na consciência dos presentes a dimensão ativa de sua presença. Este gesto profundamente enraizado na espiritualidade inaciana que se exercita para ver Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus.
Nosso exercício de olhar para estes cinco anos de pontificado do Papa Francisco deve ser acompanhado da intenção de quem quer encontrar Deus falando à sua Igreja nos dias de hoje. Vamos encontra um nome e gestos que são um programa e estilo com os quais a Igreja vem se habituando e se deve deixar interpelar.
Um sonho de Igreja que seja pobre e para os pobres foi se concretizando em gestos-sinais prenhes de atitudes a serem cultivadas. Uma Quinta feira Santa em que o Bispo de Roma troca a Cátedra pelo Cárcere. A Igreja que preside na Caridade não poderia dar uma lição maior, Vai ao encontro do seu Mestre que se identificou com quem estava na prisão, seja homem ou mulher, cristão ou não cristão, podem receber esta visita da Igreja que na pessoa do Papa lhes lava os pés.
Francisco propõe à Igreja que vá às periferias humanas, culturais e geográficas. Aqui também suas palavras são acompanhadas por seus gestos-testemunho. Papa Bergoglio, descente de migrantes, vai a Lampedusa encontrar-se com os prófugos, que se lançaram no mar, aventurando-se na busca de um melhor porvir. Ele vai ao seu encontro para alimentar neles a esperança e para estimular no seio da sociedade a acolhida e busca de solução para a situação deles. Vai á periferia para antecipadamente inaugurar o Ano da Misericórdia na África Central, abrindo as Portas da Misericórdia na Catedral de Bangui.
Para acompanhar Papa Francisco precisamos entrar no espírito no qual ele nos introduziu desde o primeiro instante de seu Pontificado, o espírito da oração que nos transforma de cristãos passivos em cristãos ativos. O Papa, pedindo ao Povo que rezasse por ele, queria despertar em todos a consciência de que não eram simples espectadores do seu agir, mas ativos atores de um tempo novo de uma Igreja sempre carente de purificação e renovação para corresponder à sua vocação e missão
“Eu também não te condeno. Vai e não peques mais!” Penso que com o carisma de “Jesuíta” nosso amado Papa Francisco , deve expressar naturalmente grande semelhança a Jesus.
Esse ano é de ação de graças. É uma oportunidade também de reflexões. Aliás, elas se fazem sempre necessárias, ainda mais quando permanentemente provocados. O risco do subjetivismo paralisante, intimista não leva a transformação. Muitas são as provocações para sairmos de nós mesmos num horizonte que se delineia a partir do pontificado de Francisco: busca da vivencia e atualização do Vaticano II; o convite à Igreja a voltar a Jesus Cristo, a Boa Nova por excelência, pois, dela os desvios se constataram, se constata e foram enormes; uma Igreja que privilegie a base comum que nos configura a Cristo regenerados que fomos e não o poder simbolizado na ostentosa pirâmide eclesiástica, enfim, sintonizo com a indicação de Francisco ao dizer daquela que é a mais urgente, embora demorada, mas necessária, a mudança de paradigmas. De fato aqui se encontra a possibilidade do novo. O que nos cabe é deixarmo-nos interpelar pelas provocações de Francisco como condição para o novo da e na Igreja. Abertos ao Espírito e também o coração, será possível a experiência do Deus de Jesus Cristo no encontro com cada pessoa através do compromisso com a dignidade do ser humano buscando “construir” e viver o Reino de Deus na história com suas luzes e sombras. O desafio é superar os obstáculos que entrecruzam a estrada, desviam do horizonte, empobrecem a vida e encasulam na atrofia do individualismo estéril. Que sejamos perseverantes na fé , esperança buscando o exercício permanente do amor/caridade.
Pe. Joel Maria dos Santos
Paróquia Santo Cura d’Ars. B. Hte.
Contribuição do teólogo Mário de França Miranda, SJ professor emérito do departamento de Teologia da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro)
As 10 conquistas do pontificado de Francisco:
1. Retomada de alguns pronunciamentos do Concílio Vaticano II que permaneciam esquecidos, marginalizados ou assumidos apenas parcialmente: a colegialidade episcopal, a Igreja como Povo de Deus, o diálogo com a sociedade, a importância e participação das igrejas locais e dos indivíduos na Igreja.
2. Defesa de uma Igreja ‘em saída’, voltada para um mundo em crise e atenta ao sofrimento da maioria dos habitantes do planeta, mais como um hospital de campanha, menos como educadora da sociedade (Igreja da cristandade).
3. Advoga o fim de uma Igreja presa de um centralismo europeu em vista de uma Igreja que respeite as características culturais e sociais dos diversos povos, como aparece na imagem do poliedro e não do círculo.
4. Demonstra preocupação maior pelo ser humano concreto, sujeito a condicionamentos e desafios, em vez de declarações doutrinais ou morais de cunho universal de pouco efeito em nossos dias.
5. Insiste no encontro individual com a pessoa de Jesus Cristo e na importância da dimensão mística da fé, nem sempre muito clara no passado, em meio a práticas e devoções tradicionais ou mesmo a certo moralismo dominante na pastoral da Igreja.
6. Oferece uma representação de Deus mais fiel à revelação de Jesus Cristo com a imagem do Pai que nos legou nas parábolas e em sua conduta diante do sofrimento ou do pecado; a onipotência de Deus se manifesta exatamente em sua misericórdia.
7. Retoma e insiste, mais concretamente, na opção da Igreja em favor dos pobres e dos descartados nesta sociedade marcada pelo individualismo, pelo hedonismo e pela indiferença globalizada diante dos próprios semelhantes vivendo em condições miseráveis.
8. Demonstra, com seus gestos que não se detêm diante de outras culturas ou religiões, quer um Cristianismo inclusivo, pronto a colaborar com todos que busquem a paz e a justiça na sociedade, como expressou na Encíclica Laudato Sì.
9. Insiste no aspecto positivo da fé cristã: não se trata de não cometer pecados, mas de viver a mensagem de Jesus de Nazaré, que traz alegria e paz, que não nos abandona nem quando caímos, devido à infinita misericórdia de Deus.
10. Nesta sociedade pluralista, consegue se fazer entender com uma linguagem ao alcance de todos, ao priorizar o ser humano, hoje ameaçado por um sistema econômico em busca frenética de lucro e de produtividade; sua luta em favor da pessoa humana é profundamente cristã e igualmente universal, como demonstra a repercussão de sua liderança fora do próprio Cristianismo.
Bem antes de ser escolhido o Papa, estava em minha residência e dizia deve-se escolher um Papa que estivesse voltado para as questões pastorais de nossa Igreja. E pouco minutos a igreja apresentava para todos os seus fiéis Arcebispo Bergoglio e que se chamaria de Francisco… a partir do momento que ele disse rezem por mim, naquele momento ele se despojou de tudo e se tornou um servo, um servo para servir e acolher a todos… O Papa Francisco esta renovando a nossa igreja em todos os sentidos, está tentando colocar em ação aquilo que a 50 anos atras estavam em concilio para ver como seria a Igreja de Jesus Cristo em diante… Hoje podemos dizer que estamos vendo o concílio em ação. Que possamos rezar todos os dias pelo o nosso Santo Padre o Papa Francisco que ele tenha mais coragem, força e fé para enfrentar os obstáculos que a vida ira lhe apresentar. Papa Francisco realmente vive e coloca em prática todo o amor que São Francisco de Assis tinha pela humanidade e pela Natureza… Viva o nosso Papa amado Francisco.
Contribuição de Margarida Vasconcelos
Papa Francisco veio para restaurar a igreja… Não se chamaria Francisco, se não fosse para isso…e aqueles que querem uma igreja longe do evangelho próxima do poder e em busca de poder, não o entendem e querem derrubá-lo…
Cada uma de suas palavras tem poder transformador… Cristãos e não cristãos levam suas palavra s a sério… Tem atraído os q se afastaram e não houve debandada… Como em outras épocas…
Cada uma de suas palavras tem poder transformador… Cristãos e não cristãos o respeitam…
Contribuição de Francisco Marques
A Igreja, para além de seu Mistério de ícone da Trindade – ou seja, concretizar-se enquanto mediação histórica capaz de revelar, sacramentalmente, para o mundo o projeto salvífico universal do amor de Deus (Reino de Deus), a partir de uma revitalização criativa da prática libertadora de Jesus de Nazaré e da liberdade profética do Espírito Santo que a ajuda discernir os sinais do tempo – é sempre necessitada de reformas. Isso porque é formada, e não poderia ser de outro jeito, de pessoas com possibilidades e limites (todos somos pecadores).
Dito isso, para mim, entre as maiores contribuições do papa Francisco – não só para os católicos, mas também para todas religiões e pessoas de boa vontade – está a sua postura humana sem qualquer arrogância ou presunção indolente. Ciente dos próprios limites como qualquer um de nós e de suas responsabilidades diante de uma Igreja e de uma humanidade carente de reformas urgentes, ele procura ouvir, refletir, dialogar, aprender, envolver… Sua sensibilidade humanitária para os invisibilizados, excluídos do mercado e da mesa da dignidade, impressiona. Ele se apresenta não como “salvador da pátria”, mas como irmão disposto a caminhar junto, inclusive com seus contraditores na Igreja, com os cristãos das outras igrejas, com os religiosos de outras tradições, com os sem religião… impressiona essa liberdade evangélica de dialogar sem abrir mão de sua identidade e missão.
Contribuição de Thomas Reese, SJ
Quarto pontos merecem destaque:
1. O papa propôs um jeito novo de evangelizar. Ele nos diz que as primeiras palavras da evangelização devem ser sobre a compaixão e a misericórdia de Deus, e não uma lista de dogmas e regras a serem aceitas. Fala diariamente da compaixão e do amor de Deus. A nossa resposta, segundo ele, é mostrar compaixão e amor a todos os irmãos e irmãs, especialmente os pobres e marginalizados. Francisco não só fala sobre isso; ele age estendendo a mão aos refugiados, desabrigados e enfermos.
Os papas anteriores escreveram sobre a “nova evangelização” de um modo abstrato e enfadonho. Esse papa comunica-se de um jeito que capta a atenção das pessoas com suas palavras e ações. A mensagem que emite é a mensagem do Evangelho – é sobre o amor do Pai por seu povo e a responsabilidade deles de amar uns aos outros. Ele não se mostra obcecado com regras e regulamentos. Está mais interessado na ortopráxis (como vivemos a fé) do que na ortodoxia (como explicamos a fé).
2. O Papa Francisco vem permitindo uma discussão e um debate abertos na Igreja. Ele não se escandaliza por causa de desentendimentos, mesmo em se tratando de doutrina. É impossível expressar o quão extraordinário é esse aspecto. Somente durante o Vaticano II um debate assim foi possível. Ironicamente, os conservadores que atacavam os progressistas como dissidentes nos papados anteriores agora se tornaram dissidentes ao magistério do Papa Francisco.
Nos dois últimos papados, a dissidência era totalmente condenada e suprimida. As teologias de João Paulo II e Bento XVI não poderiam ser questionadas. Candidatos episcopais eram avaliados com base da lealdade, não das habilidades pastorais. Os bispos com ideias contrárias eram premidos ao silêncio. Um bispo australiano foi removido do seu ofício por sugerir que a Igreja discutisse a ordenação feminina.
Nos Sínodos dos Bispos, funcionários vaticanos controlavam a pauta e mesmo instruíam os bispos sobre quais tópicos não poderiam ser discutidos. Os Sínodos, que deveriam assessorar o papa, tornaram-se fóruns para os bispos professarem lealdade.
Com Francisco, os participantes sinodais foram encorajados a falar o que pensavam com ousadia, e não se preocupar com discordar dele, o papa. O resultado foi uma troca de ideias mais livre, desacordos públicos e críticas diretas ao papa por parte de alguns cardeais conservadores. Isso tudo nunca teria sido permitido sob os papas anteriores.
Há também uma longa lista de teólogos que foram investigados e silenciados pela Congregação para a Doutrina da Fé durante os dois últimos papados. Isso é especialmente verdade em se tratando de teólogos morais nos Estados Unidos, teólogos da libertação na América Latina e aqueles interessados no diálogo inter-religioso na Ásia. Muitos perderam o emprego nos seminários e foram proibidos de publicar. Uns até mesmo praticaram a autocensura para que não tivessem problemas.
Isto é especialmente verdade para os padres teólogos, que foram controlados via canais eclesiásticos, e não acadêmicos. Eles foram simplesmente ordenados, com base no voto de obediência, a consentir. A liberdade acadêmica para os teólogos era uma piada, a menos que fossem leigos. Padres jornalistas foram também censurados e destituídos de seus postos de trabalho.
Tudo isso faz parte do passado. Não se ouve mais sobre teólogos sendo investigados e silenciados. Isso é extremamente importante para que a teologia possa desenvolver e lidar com temas contemporâneos de um modo que seja compreensível pelas pessoas do século XXI. A comunidade teológica, se deixada em paz, pode ser uma comunidade de estudiosos que se autocorrige.
3. O Cardeal Burke e os críticos do papa estão certos; no Capítulo VIII de Amoris Laetitia, o papa apresenta uma nova maneira de pensar sobre temas morais. Ele está afastando a Igreja de uma ética baseada em regras e indo na direção de uma ética baseada no discernimento. Os fatos, as circunstâncias e as motivações importam numa tal ética.
Sob esta abordagem da teologia moral, é possível ver santidade e graça na vida de pessoas imperfeitas, inclusive aquelas em uniões irregulares. Ao invés de ver o mundo dividido entre o bem e o mal, somos todos vistos como pecadores feridos para os quais a Igreja serve como um hospital de campanha onde a Eucaristia é alimento aos feridos, e não uma recompensa aos perfeitos. Já não há mais a tentativa de assustar as pessoas para que sejam boas.
Em quarto lugar, o papa pôs algumas problemáticas ambientais num lugar central da fé católica. Ele reconhece que o aquecimento global pode ser a questão moral mais importante do século XXI. Em sua encíclica, Laudato Si’, o pontífice nos diz que “Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa”.
Esta encíclica foi recebida com entusiasmo por ambientalistas que, no passado, viam a Igreja como um inimiga por causa de sua postura sobre o controle de natalidade. Agora a Igreja é um aliado porque os ambientalistas estão reconhecendo que a religião é uma das poucas coisas que podem motivar as pessoas ao tipo de autossacrifício exigido para salvar o planeta. A encíclica do papa vem mostrando este caminho.
4. O Papa tem agido para reformar as estruturas de comando da Igreja. Verdade seja dita, a reforma da Cúria Romana vem acontecendo com lentidão, porém está acontecendo. As reformas financeiras estão difundindo-se por meio de várias agências vaticanas, a começar pelo Banco Vaticano e movendo-se através de outras entidades. O processo orçamentário do Vaticano foi reforçado, e vários departamentos foram consolidados. Isso tudo é para o bem da Igreja. Há muito a ser feito ainda, mas as coisas estão acontecendo.
E o mais importante ainda: ele está tentando mudar a cultura do clero, afastando-os do clericalismo e indo na direção de uma vocação de serviço. O papa quer que os bispos e padres se vejam como servos do Povo de Deus, não príncipes.
Num aspecto importante para a proteção de seu legado, ele rompeu com a tradição e tomou o controle do processo de nomear novos cardeais. Em lugar de apenas promover prelados em sés cardinalícias tradicionais, ele vem estendendo a mão ao Colégio dos Bispos em busca de cardeais que reflitam as suas prioridades e os seus valores. Isso aumenta as chances de que o seu sucessor, eleito por estes cardeais, continue a sua agenda, e não retroceda nas mudanças que vêm sendo feitas.
Aos meus amigos progressistas que estão decepcionados com que o Papa não mudou a postura da Igreja relativa ao controle de natalidade, ao celibato, à ordenação feminina ao sacerdócio e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, eu os exorto a olhar para o que foi feito. É revolucionário. Celebremos e demos graças a Deus pelo papa Francisco.
Contribuição de Edson Veiga
Passados cinco anos, as crises da Igreja permanecem prementes, com um papado ainda exercido sob a sombra das acusações de abusos sexuais contra sacerdotes. Isso, junto com a resistência a mudanças e lutas de poder entre bispos, padres e cardeais, torna Francisco um alvo frequente de hostilidades dentro e fora da Igreja. Mas defensores argumentam que o papa imprimiu à conservadora instituição uma personalidade mais carismática, além de se envolver em questões mundiais urgentes:
* publicou uma encíclica em defesa da ecologia;
* fala com frequência em defesa dos refugiados da crise imigratória;
* intermediou a histórica retomada da diplomacia entre os Estados Unidos e Cuba.
“Francisco trouxe para a Igreja uma visão revigorante, interessante e atraente. Enquanto outros papas se concentraram na aplicação de regras ou normas doutrinárias, ele tenta atrair as pessoas para a mensagem primordial: uma Igreja que espalha a boa-nova de Jesus por meio do encontro, do diálogo e do testemunho”, analisa o vaticanista Joshua J. McElwee, autor de livros sobre o atual papa. “Muitos católicos têm achado essa visão convidativa.”
O teólogo e filósofo Fernando Altemeyer Junior, professor do Departamento de Ciência da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), avalia que “os cinco anos do pontificado de Francisco são um bálsamo de oxigênio para os cristãos, e braços abertos aos outros crentes e mesmo aos ateus que buscam a verdade e a justiça no mundo… Francisco não veio repetir fórmulas e enrijecer respostas obsoletas e caducas. Francisco veio propor algo novo, como pastor da esperança e da alegria, especialmente aos jovens, aos migrantes e às famílias.”
1. Visão pastoral
O papa insiste que o seu papel é pastoral, lembra o jornalista Filipe Domingues, que acompanha de Roma o atual pontificado desde o início. “Isso quer dizer que ele vê o bispo, o padre, como um pastor que guia um rebanho. E quando uma ovelha se perde, o pastor deixa todas as outras e vai atrás daquela ovelha perdida”, explica.
“A sua visão de Igreja, quando fala de misericórdia, de acolher os mais fracos, de não forçar uma visão idealizada da família, de pensar no ambiente em que vivemos, que foi doado por Deus e, se não cuidarmos do ambiente prejudicamos em primeiro lugar os mais frágeis da sociedade… Tudo isso é guiado por uma visão pastoral, muito próxima das pessoas.”
Mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, Domingues ressalta que Francisco foi escolhido, “antes de mais nada, para conduzir uma reforma”.
Isso porque a renúncia de Bento XVI permitiu que os cardeais tivessem cerca de um mês para conversar abertamente sobre os problemas da Igreja – antes mesmo de entrar no conclave.
“Bergoglio foi eleito, claramente, com o objetivo de realizar uma ‘reforma de gestão’, de forma colegial e não autoritária. Por isso, foi criado o conselho de cardeais e uma série de mudanças administrativas foram feitas na Cúria Romana”, diz ele.
“Ainda não temos clareza de quais serão os efeitos disso na prática. É um processo lento e sem respostas de curto prazo. Deve continuar no pontificado do próximo papa, com certeza.”
2. Denúncias de abusos
O ponto mais delicado de seu papado, porém, continua sendo a avalanche de acusações de pedofilia contra sacerdotes católicos, como evidencia a hostilidade enfrentada por Francisco em sua recente visita ao Chile – país onde um bispo nomeado pelo papa é acusado de ter acobertado um padre condenado por abusos sexuais.
“Ele próprio já se perguntou recentemente se está reagindo adequadamente aos casos de abusos sexuais por parte do clero”, comenta McElwee. “Viajei com Francisco durante sua visita ao Chile, em janeiro, e ficou muito claro que muitas pessoas estavam desapontadas com sua defesa do bispo (acusado de acobertar o caso)”.
No ano passado, o jornalista italiano Emilio Fittipaldi, autor de livros sobre o Vaticano, afirmou em entrevistas que “Francisco não defende diretamente os pedófilos, mas fez quase nada para combater o fenômeno da pedofilia (na Igreja)”.
Domingues acredita que o tema é o ponto fraco do pontificado de Francisco. “Às vezes a questão é tratada como mais um problema, como os outros. Este não é um problema como os outros. É um dos problemas mais graves na história da Igreja e existe em todo o mundo, dentro e fora da Igreja”, diz. “É algo a ser abominado e expurgado da Igreja com todas as forças – não pode ficar parado em burocracias e lutas internas de poder.”
3. Lutas por poder
Por falar em lutas internas do poder, a resistência enfrentada por Francisco dentro da cúpula da Igreja também é um problema – que muitas vezes acaba exposto.
Em 2015, por exemplo, poucos dias antes do Sínodo dos Bispos, um evento que reuniu 270 religiosos de todo o mundo para debater no Vaticano, uma carta supostamente assinada por 13 cardeais descontentes com o papa acabou sendo publicada pelo vaticanista Sandro Magister.
O texto continha preocupações de que a Igreja Católica, sob a batuta de Francisco, estaria enveredando pelo “caminho protestante ‘liberal'”, ao “enevoar” ensinamentos e sacramentos. Pelo menos dois cardeais da ala conservadora da Igreja admitiram a existência da correspondência – embora tenham ressaltado que o teor não era exatamente como foi publicado pela imprensa.
“Em tempos recentes, não há notícia de um papa que tenha sofrido tanta resistência interna, da parte de bispos, padres ou cardeais”, avalia o padre Antonio Manzatto, doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina e coordenador do grupo de pesquisa Lerte (Literatura, Religião e Teologia) da PUC-SP. “Tal oposição não advém de posições doutrinais, mas do apego a privilégios.”
“Ele nem sempre foi bom em se explicar aos conservadores, que estão assustados e desconcertados por ele”, acredita o vaticanista Austen Ivereigh, autor de The Great Reformer: Francis and the making of a radical pope (O grande reformador: Francisco e a formação de um papa radical, em tradução livre).
Para Domingues, como as reformas no Vaticano são lentas, esta morosidade traz uma incerteza que só aumenta os boatos e as aversões a qualquer mudança. “É natural que, quando entra um novo líder no poder, outros grupos percam representatividade, ou que algumas pessoas sejam afastadas de seus cargos. Mas as reformas que o papa conduz tocam forte nessas diferenças entre grupos políticos na Cúria e fora dela.”
“As pessoas da Cúria que se ressentem de Francisco dizem: ‘nós ainda estaremos aqui quando ele for embora’. Os burocratas não gostam de mudar”, comenta Ivereigh.
Dados compilados por Altemeyer a partir de informações disponibilizadas pelo Vaticano mostram que ao menos no colégio cardinalício a influência de Francisco já é grande. De todos os 216 cardeais vivos – de 83 países diferentes –, apenas 118 têm direito a voto num eventual conclave.
Isto porque os purpurados com mais de 80 anos não são mais eleitores. Considerando apenas os votantes, 49 foram nomeados no atual pontificado – outros 49 no pontificado de Bento 16; e o restante por João Paulo II.
4. Pastor ‘com cheiro das ovelhas’
Ao mesmo tempo, Francisco é visto como “um papa que desceu do trono”. Como se diz no meio religioso, seu papado é o de “um pastor com cheiro de ovelhas”.
“Ele quer transmitir ao mundo a ideia de que o papa é um líder, mas que está junto ao seu povo, no meio do povo, que veio do povo – por isso alguns o chamam de ‘populista’. E para estar junto é preciso viver com simplicidade, como vivem as pessoas mais humildes, e falar diretamente, olho no olho, e não de cima para baixo”, opina Domingues.
“Francisco procurou superar um fosso crescente entre a Igreja e o povo de hoje, por meio de uma reforma de atitudes e, quando necessário, das estruturas”, diz Ivereigh.
“Nessa área, suas conquistas têm sido enormes. As pessoas agora têm uma visão diferente da Igreja. Ela é vista como mais semelhante a Cristo, menos preocupada consigo mesma e mais ligada às necessidades e aos sofrimentos concretos do povo de hoje. É uma grande conquista em apenas cinco anos; mas, claro, está longe de ser completa.”
“Ele tem insistido que todos os membros da Igreja precisam motivar-se a partir do Evangelho de Jesus, e não a partir de valores da ‘mundanidade’: carreira, privilégios, glórias pessoais, etc.”, afirma Manzatto.
“Parece pouco, mas é muito se olharmos para os comportamentos de muitos membros atuais do clero. O segundo foco é pastoral, que se pode dizer social. A preocupação de que a Igreja esteja ao lado dos pequenos, dos fracos, dos sofredores, dos pobres. Seu ensinamento vai nessa direção, e a junção dos dois focos é a marca de seu pontificado.”
“A ênfase no social e na opção pelos pobres, rigorosamente falando, já estava presente nos papados anteriores, ainda que não tão acentuada”, comenta o sociólogo e biólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador de projetos do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
“Até que ponto esses novos documentos (produzido pelo pontificado de Francisco) serão realmente o gérmen de uma época depende da acolhida global que receberão nos próximos 15 anos, do nascimento de uma nova geração de sacerdotes, consagrados e militantes católicos em nível mundial.”
5. Mais santos e beatos
Em cinco anos de pontificado, papa Francisco já é o maior canonizador de santos da Igreja Católica, conforme demonstra levantamento realizado por Altemeyer, da PUC-SP, com base em informações disponibilizadas pelo Vaticano.
Até agora, Francisco reconheceu 878 santos e 1.115 beatos. Antes, o recordista era João Paulo II, que nos 26 anos de pontificado fez 482 santos e 1.341 beatos. Bento 16, o antecessor de Francisco, inscreveu no cânon 45 novos santos e 371 beatos – foram quase 8 anos à frente da Igreja.
Altemeyer também compilou as viagens missionárias de Francisco. Até agora foram 17 viagens internas na Itália e 22 viagens internacionais nas quais visitou 31 países – entre eles Brasil, Estados Unidos, Cuba, Quênia, Bangladesh e Myanmar.
Sua produção documental e catequética já compreende 992 discursos, duas exortações apostólicas, 34 constituições apostólicas, 165 cartas, uma bula, 30 cartas apostólicas, 216 mensagens, 31 motu próprios e duas encíclicas – Lumen Fidei e Laudato Si’.
6. Avanços e preocupações
Do ponto de vista sociopolítico, um destaque da gestão do pontífice argentino é a publicação, em 2015, da 298ª encíclica papal, chamada de Laudato Si’ – a primeira da História a trazer o meio ambiente como tema principal.
“Essa encíclica teve um impacto real sobre os acordos ambientais de Paris, e foi calculada para isso”, afirma Domingues. “Mas ele mesmo, sozinho, não pode fazer nada para mudar os rumos do cenário global. É preciso que a sociedade e os líderes mundiais o ouçam e entrem em diálogo.”
Outro aspecto importante é a ênfase que Francisco dá à importância do acolhimento dos imigrantes, em um tempo de crise de refugiados mundial e forte clima de xenofobia, sobretudo com a ascensão de governos de direita na Europa.
“Sua frase sobre os imigrantes – ‘construir pontes, e não muros’ – tornou-se um slogan mundial”, lembra McElwee. “(O papa) é a voz que defende os pobres e profeticamente clama por uma mudança de sistema. Não é ouvido na medida em que os interesses econômicos dominam o comportamento de chefes de Estado ou outros líderes globais”, diz Manzatto.
Em termos de geopolítica mundial, Francisco já garantiu seu nome na história. Ele é apontado como o responsável pelo fim de um rompimento que parecia eterno: o das relações entre Cuba e os Estados Unidos, interrompidas em janeiro de 1961 e retomadas em dezembro de 2014.
Dezoito meses antes do anúncio diplomático, papa Francisco intermediou conversas entre ambos os governos, tanto no Canadá quanto no Vaticano. “É um tremendo impacto no cenário mundial”, comenta McElwee.
Contribuição de Elisabetta Piqué
Quem mais o conhece diz que o extraordinário em Francisco é que, ao nível pessoal, não mudou em nada após cinco anos de pontificado. Garante que ele segue sendo o mesmo e que ele “no se la creyó”, como diria ele mesmo em portenho. Mas a verdade é que desde o dia 13 de março de 2013, quando Jorge Bergoglio tornou-se o primeiro papa jesuíta e latino-americano da Igreja católica e iniciou um pontificado marcado por fortes inovações e um retorno à essência do Evangelho, com a atenção colocada nos mais pobres, nos “feridos” de hoje, houve, sim, mudanças em sua pessoa.
No Vaticano, um monsenhor que preferiu não se identificar destacou como uma mudança perceptível o fato de que “o Papa Francisco, apesar de representar um tsunami para a cúria romana, nestes cinco anos também aprendeu vários códigos”, de modo que já não existe mais essa falta de apego ao protocolo que ele teve no início.
“Embora não tenha perdido essa autenticidade e espontaneidade com a qual consegue empatia com os diversos chefes de Estado e de governo de todo o mundo que costumam fazer fila para serem recebidos em audiência”, acrescentou a mesma fonte.
Falando sobre a política exterior, no Vaticano também enfatizam que, nestes cinco anos, “o Pontífice foi pouco a pouco conhecendo em profundidade não apenas as diversas situações políticas do mundo, mas também a situação das diversas dioceses, o que lhe deu mais confiança e audácia na hora de tomar decisões diplomáticas e eclesiais”.
Em um nível mais pessoal, vários analistas destacam a alegria, a proximidade e a paz interior que o Papa transmite atualmente, o que não era perceptível antes da sua eleição.
Na véspera do conclave que elegeu o primeiro papa que decidiu chamar-se Francisco, assumindo o nome do santo de Assis, protetor dos pobres e da natureza, o então arcebispo de Buenos Aires estava com 76 anos e se preparava para se aposentar. Ele já tinha apresentado a sua carta de renúncia, que esperava que Bento XVI aceitasse, e homem metódico e organizado, já tinha reservado o quarto número 13 no térreo da Casa Sacerdotal de Flores, casa onde tinha vivido como vigário dessa localidade portenha.
“Eu lembro que o entrevistei vários anos antes de ser papa, durante um sínodo e, claro, ele era uma pessoa totalmente diferente. Não diria distante, mas também não próxima. Foi uma entrevista puramente profissional que ele cortou o máximo que pôde; foi gentil, mas estritamente formal. E isso foi uma mudança espetacular: como se comporta agora com os jornalistas nas coletivas de imprensa no avião e como ele se comporta com as pessoas, com essa proximidade que naquela época me parece que ele não tinha”, disse ao La Nación Antonio Pelayo, veterano vaticanista e correspondente da Antena Tres TV.
“Lembro que tivemos que correr atrás dele com a câmera porque ele saiu correndo. E isso, acho, é uma mudança, é um estilo que ele assimilou com essa graça de estado que diz que tem, e isso acho que faz as pessoas sentirem-no próximo, próximo de verdade e tenha essa confiança para dizer e contar tudo o que está acontecendo com ele”, disse.
Ele não é o único que destaca como ele mudou seu estilo de comunicação com a mídia.
“Devemos recordar que ele, quando era arcebispo, não gostava de dar entrevistas, da relação com a imprensa. Mas depois da sua eleição, começou a dominar a relação com os jornalistas, a usar as coletivas de imprensa no avião para lançar algumas mensagens, com algumas palavras muito simples e muito claras, e soube organizar os seus colaboradores para se tornar um grande produtor de tuites, com milhões de seguidores”, disse Marco Politi ao La Nación, outro veterano vaticanista, autor, junto com Carl Bernstein, de Sua Santidade: João Paulo II e a história oculta de nosso tempo (Editora Objetiva, 1996), entre outros livros.
Politi também destacou que “Francisco demonstrou acima de tudo uma vitalidade e criatividade incríveis ao assumir e fazer o mundo entender temáticas novas: passou da desigualdade às novas formas de escravidão, das novas formas de escravidão ao problema ecológico, à relação entre degradação social e degradação da natureza, da questão ecológica à questão da relação entre os gêneros, do machismo, dos abusos sexuais ou à questão das falsas notícias. Ou seja, é um líder que continua caminhando, assim como sempre disse que a Igreja deve estar a caminho”.
Finalmente, houve também mudanças físicas: se no começo engordou, porque passou a ter refeições regulares no refeitório da residência de Santa Marta, agora, graças a uma dieta, perdeu peso. E parece rejuvenescido em relação a 13 de março de 2013.
“Francisco é como um bom vinho: melhora a cada ano. Vejo-o tão feliz como no início, mas mais sereno. Com a mesma liberdade interior, mas com mais paz. Com a mesma energia, mas com mais paciência”, disse ao La Nación Juan Vicente Boó, correspondente do jornal espanhol ABC no Vaticano.
“Francisco começou a gostar das viagens e, nestes cinco anos, as fez no ritmo inicial de São João Paulo II, um atleta escolhido com 58 anos”, afirmou Boó, que concluiu: “E uma última mudança nesta lista: dá-me a impressão de que ele está um pouco mais magro”
Apoio de Bento XVI
Francisco recebeu ontem [12 de março de 2018] um grande apoio de seu predecessor, Bento XVI, Papa emérito, que destacou, em uma carta, que se opõe “ao preconceito tolo pelo qual o Papa Francisco seria apenas um homem prático, que não possuía formação teológica ou filosófica”. Bento, que desde a sua renúncia ao trono de Pedro em 2013, teve poucas aparições públicas, expressou-se em uma carta que enviou a dom Dario Viganò, prefeito da Secretaria de Comunicação do Vaticano, após receber uma série de 11 livros sobre a Teologia do Papa Francisco, editada pela Santa Sé.
Contribuição de Élio Gasda, SJ
Tendo o Evangelho como referência, Francisco está abrindo as portas da Igreja. São eixos de seu pontificado:
* cuidar da terra e das criaturas que habitam a casa comum (Laudato sí);
* promover o amor nas famílias, sem medos e sem preconceito (Amoris Laetitia);
* Misericórdia é o nome de Deus. Um Deus que surpreende, não o Deus impassível ensinado por tantos e que não atrai ninguém.
Francisco é a única liderança global a levantar a voz contra o neoliberalismo. Um crítico severo do sistema econômico mundial. O “papa comunista”, como os seus inimigos o definem, incomoda. Para ele é preciso construir uma economia que serve ao homem e não se sirva do homem. Nenhum poder sacrifica mais vidas e ocasiona mais sofrimento e destruição que essa ditadura de uma economia sem um objetivo verdadeiramente humano. Francisco incita a rebelião contra a tirania do dinheiro que reina ao invés de servir.
Francisco leva o Evangelho ao coração do capitalismo. Mensagem subversiva. Ricos e poderosos estão à serviço de uma ideologia que coloca o dinheiro acima da dignidade humana. Se o lucro prevalece como fim, a democracia se torna uma plutocracia em que crescem as desigualdades. Existem duas causas que alimentam a exclusão: a desigualdade e a exploração do trabalho não digno da pessoa humana. Como explicar o aumento da fome, quando há tanto dinheiro? Um mundo atrofiado por um sistema que não permite o desenvolvimento humano integral e respeitoso da criação.
Um papa contra o ecocídio e o humanicídio. Sem respeito pela terra e pelo outro não haverá futuro. Como permanecer indiferentes silenciando a voz da consciência com práticas religiosas? Parte das religiões tornou-se serva do capitalismo e dos poderosos. Fundamentalismos que levam ao extremismo e ao ódio. O que Francisco faz, ao contrário, é pôr a fé a serviço da humanidade, que é a tarefa de cada religião.
Homem de extraordinária sensibilidade social. Encontrou nos refugiados, nos trabalhadores, nos descartados, nas crianças e nas mulheres o rosto de Cristo. Lampedusa, ilha que acolhe milhares de refugiados vindos da África foi sua primeira viagem. Foi o primeiro passo que o transformou na grande liderança geopolítica do planeta. A história se faz com os mais pobres. Estes são os protagonistas. Não deis a nenhum César o que só é de Deus: a vida dos seus filhos e filhas. Os pobres são de Deus. Ninguém pode abusar deles. Não se deve sacrificar a vida e a dignidade das pessoas a nenhum poder. Uma Igreja reorientada a partir dos abandonados.
A defesa do trabalhador é um tema central. “O mundo do trabalho é tão importante para a Igreja quanto a paróquia. É o mundo do povo de Deus”. A precarização, além de imoral, mata a dignidade, mata a saúde, mata a família, mata a sociedade. Os desempregados não têm mais força para procurar trabalho. Os que trabalham na precariedade não conseguem superar o limiar da pobreza (Mensagem aos participantes da 48ª Semana Social Italiana). O trabalho edifica todo o pacto social. “Sem trabalho, a democracia entra em crise”. Tirar o trabalho das pessoas ou explorá-las com trabalho indecente e mal pago é uma tragédia social. Os desempregados são os novos excluídos (Encontro com o Movimento de Trabalhadores Cristãos).
Mudar a visão do mundo! Evitar a tragédia! Voltar a pensar. Buscar saídas. “Quando uma pessoa se depara com uma vítima, é chamado a cuidar dela e talvez, como o bom samaritano, também associar o mercado (o hoteleiro) à sua ação”. Mas “é preciso agir antes que o homem se depare com os ladrões, combatendo as estruturas de pecado que produzem ladrões e vítimas. É simples doar uma parte dos lucros, sem abraçar e tocar as pessoas que recebem as migalhas” (Encontro Economia de Comunhão, 2017).
O que ordena aos cardeais aplica-se ao povo de Deus: “Jesus segue à frente de vós, cardeais. Chama-vos a olhar para a realidade. Não vos chamou para vos tonardes príncipes na Igreja. A realidade é muito diferente! A realidade é a cruz. A realidade são os inocentes que sofrem e morrem por causa das guerras e do terrorismo. São as escravidões que não cessam de negar a dignidade, mesmo na era dos direitos humanos; a realidade é a dos campos de refugiados, que às vezes lembram mais um inferno do que um purgatório; a realidade é o descarte sistemático de tudo o que não é útil, incluindo as pessoas. É isto que Jesus vê” (Vaticano, 2017). Esses cinco anos fizeram dos católicos pessoas mais preocupadas com as questões sociais?
Contribuição de Eduardo F. Valdés
“Quando dou comida aos pobres chamam-me de santo. Quando pergunto por que são pobres e vão mal, chamam-me de populista”.
Parafraseando Dom Helder Câmara, essa frase seria perfeitamente aplicável como resposta ao coro de críticas que o papa Francisco recebe. Em 14 de fevereiro, o jornal El País publicou uma nota do ex-presidente uruguaio Julio María Sanguinetti intitulada “Entre o céu e o bairro”, onde rechaça o pontífice por suas críticas ao capitalismo financeiro – porque Francisco, no Peru, disse que se tratava de um sistema “desumano, que causa dano às pessoas” – utiliza a terminologia de Loris Zanatta para qualificá-lo hoje como “populista-peronista”.
Em 25 de março de 2013, 12 dias depois de assumir o pontificado, Sanguinetti fez uma publicação em seu site Correo de los viernes, sob o título Um novo papa: “Ele será um Papa com um forte acento pastoral, dedicado à luta contra a pobreza, como tem sido seu histórico na Argentina. Não é um ideólogo, não é um pensador. É um homem prático que procura ajudar os necessitados com o que está a seu alcance. Tudo indica que enveredará todo seu esforço para as regiões pobres do mundo, aproximando o sacerdote das pessoas “.
Francisco cumpriu essas exigências mas, não satisfeito com isso, denunciou as causas da pobreza: ” No centro de todo o sistema económico deve estar o homem, o homem e a mulher, e tudo o resto deve estar ao serviço deste homem. Mas nós colocamos no centro o dinheiro, o deus dinheiro. Caímos num pecado de idolatria. A idolatria do dinheiro. A economia move-se pelo afã de ter mais e, paradoxalmente, alimenta-se de uma cultura do descarte: descarta-se as crianças, limitando a natalidade, os anciãos, porque já não produzem, é uma aula passiva, e se descartam os jovens com o desemprego.
Descartamos toda uma geração para manter um sistema econômico que já não se aguenta, um sistema que para sobreviver deve fazer a guerra, como sempre fizeram os grandes impérios. Como a terceira guerra mundial não pode ser feita, então se fazem guerras por zonas, o que significa que as armas são feitas, vendidas e, com isso, os balanços destas economias idólatras, que são as mundiais obviamente, vão adiante … Um sistema que sacrifica o homem pelo ídolo dinheiro”.
Francisco é alimentado pela doutrina social da Igreja – leia-se encíclicas “Rerum Novarum”, de Leo XIII (1891), e a “Quadragesimus Annus”, de Pio XI (1931). Ele é um filho do Concílio Vaticano II concebido por João XXIII e da Exortação Apostólica do Beato Paulo VI “Evangelii Nuntiandi” de 1975, de sua aplicação na América Latina na II Conferência Episcopal Latino Americana de Medellín, onde foi decidido que a igreja do continente faz uma “opção preferencial pelos pobres, para sair com eles da pobreza lutando contra a injustiça”, de acordo com o cardeal Eduardo Pironio, formador de Bergoglio e secretário da Conferência.
Por último, a Conferência de Aparecida, Brasil, em 2007, na qual o então Cardeal Bergolio foi o redator principal, convoca-se aos católicos que “iniciem uma nova Ordem Social na América Latina, com base na dignidade do ser humano e da justiça”. No Brasil, disse aos jovens que seu programa consiste nas bem-aventuranças e Mateus 25.
Permanecerá na história que “todo mundo tem o direito de ter Teto, Terra e Trabalho” e que o futuro da humanidade “está fundamentalmente nas mãos dos povos” (Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados).
O Papa não é marxista, nem populista, nem peronista, ele é um cristão no sentido mais profundo e quer leva adiante a palavra de Cristo e a conduta de São Francisco de Assis.
Contribuição de Ricardo Machado
O vento que varreu a Praça São Pedro, em Roma, na noite de 13 de março de 2013 e levou para longe a fumaça branca, anunciando o novo pontífice, Jorge Mario Bergoglio – papa Francisco, foi abrindo lentamente as portas da Igreja. Com a paciência e constância dos ventos que sopram na amplitude dos lugares abertos, o novo Papa deixou que os ares cruzassem e rompessem as portas e janelas do Vaticano e trouxessem uma lufada de frescor. Com seu jeito particular, Francisco abandonou o Palácio Apóstólico, residência dos pontífices desde o século XIV, e fez morada na Casa Santa Marta, local bem mais modesto, ainda mais para os padrões papais. Deixou de lado os ornamentos vermelhos e dourados e preferiu a sobriedade das roupas de cor branca e tons de tecidos crus.
Foi, justamente, em um desses dias de vento na Praça São Pedro que Bergoglio percebeu que os ares sopravam em direção ao Mediterrâneo. Decidiu que sua primeira viagem seria a Lampedusa, a ilha que abriga a esperança para milhares de refugiados vindos da Tunísia e o ponto sensível de uma União Europeia insensível ao drama contemporâneo de quem tenta se exilar da fome, da guerra e do sofrimento. Esse era o primeiro passo do papa Francisco em direção a um pontificado que o transformaria, em pouco tempo, em uma das principais lideranças geopolíticas do planeta no século XXI.
Desajuste moderno
Dias antes de Bergoglio ser escolhido o novo Papa, mais precisamente em 28 de fevereiro de 2013, Joseph Ratzinger, que foi prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé entre 1981 e 2005 e Bispo de Roma entre 2005 e 2013, o papa Bento XVI, atualmente emérito, deixou o pontificado a bordo de um moderno helicóptero. A renúncia, até então inédita, coloca em relevo o reconhecimento radical da humanidade do próprio papa à época, que percebeu seu descompasso com o presente e com a dificuldade de anunciar o Evangelho diante da crise civilizacional instaurada pela modernidade.
No arco do tempo, a chegada de Francisco simboliza o tardio encontro de um Papa com o Concílio Vaticano II. Cinco décadas mais tarde, o pontífice assume o poder sem um discurso de coroação, simplesmente porque não há trono, não há príncipe. Ao descrever a chegada de Bergoglio, Raniero La Valle, jornalista e ex-senador italiano, ponderou que foi estabelecido uma nova ordem de poder no Vaticano. “Poder de apascentar, isto é, sobretudo de alimentar e cuidar do rebanho de Deus, até dar a sua vida por ele; e esse poder só pode ser exercido como serviço”, analisa La Valle.
Ao recuperar o Evangelho como referência de seu pontificado, o papa Francisco, durante a homilia de uma de suas primeiras missas, lembrou que o mundo precede a Igreja. Havia ali pistas de como ele trataria temas sensíveis como os da crise civilizacional que o mundo atravessa atualmente. Diante da encruzilhada em que fomos jogados pela própria modernidade e para onde parecia não haver mais saída, nem para as formas laicas de organização da vida (os dilemas políticos; econômicos e ambientais), nem para os modelos católicos pré-conciliares (as disputas entre a Igreja e a ciência; o desejo de Estados confessionais e a negação de reciprocidade com outras religiões), Bergoglio nos entrega a força viva do Evangelho e de uma Igreja em saída.
Na primeira homilia, ele ressaltou a importância de dois cuidados essenciais: o cuidado da terra e de todas as suas criaturas; e a fé no amor destemido e na ternura que o expressa. Mais tarde essas ideias estariam mais longamente formuladas na Encíclica Laudato Si’. sobre o cuidado da casa comum e na exortação apostólica Amoris Laetitia. Sobre o amor na família, respectivamente. Tais eixos orbitam na ordem de uma Igreja sonhada pelo papa João XXIII, que um mês antes do Concílio Vaticano II havia dito em uma entrevista para a uma rádio italiana do sonho de construir uma “Igreja de todos e especialmente uma Igreja dos pobres”.
Laudato Si’
Se a modernidade jogou o homem no centro do universo e fez dele senhor das criaturas, a contemporaneidade inscreve um enorme ponto de interrogação neste paradigma. Isso porque quanto mais se supõe o controle da natureza, mais somos nós os governados por ela, considerando os eventos climáticos extremos e todo o rearranjo provocado e previsto, por exemplo, pelo aquecimento global. A encíclica Laudato Si’. Sobre o cuidado da casa comum joga uma luz nova sobre o ideal tecnocrático de nosso tempo e coloca em causa o ideal de ser humano atual. Lançado meses antes da 21ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – COP 21, o documento se conecta à primeira homilia de Francisco e o coloca no centro de um dos mais importantes debates geopolíticos da atualidade. A Igreja finalmente dava seus primeiros passos para além da encruzilhada moderna, colocando-se como um ator que voltava a ter peso no cenário global e na opinião pública laica.
A revista IHU On-Line dedicou a edição 469, de 3-8-2015, intitulada O ECOmenismo de Laudato Si’, para debater o tema. Entre os entrevistados, o ex-agente do mercado financeiro que mais tarde tornou-se jesuíta, Gaël Giraud, debateu as implicações econômicas do documento apostólico e o débito do sistema financeiro com os pobres. “Em sua Encíclica, ele (o Papa) denuncia a ‘dívida ecológica’, ou seja, o fato de que, extraindo hoje da natureza mais do que ela é capaz de nos dar sem pôr em perigo sua própria renovação, acumulamos uma dívida muito maior do que os bilhões que a dívida da Grécia representa”, pondera Giraud.
Amoris Laetitia
Se a encíclica Laudato Si’ causou menos alvoroço no mundo eclesial, a exortação apostólica Amoris Laetitia. Sobre o amor na família suscitou maior discussão e críticas ora suaves, ora severas. O documento encontra guarida para quem esperava uma mudança pastoral em relação às questões ligadas à família, mas nem de longe apresenta uma mudança radical na doutrina. Vale lembrar que Amoris Laetitia é, também, resultado de um processo sinodal realizado entre 2014 e 2015.
Logo nas primeira páginas do texto, o papa Francisco deixa claro sua opção e seu apelo ao amor, um amor sem medo. “Quero reiterar que nem todas as discussões doutrinais, morais ou pastorais devem ser resolvidas através de intervenções magisteriais. Naturalmente, na Igreja, é necessária uma unidade de doutrina e práxis, mas isto não impede que existam maneiras diferentes de interpretar alguns aspectos da doutrina ou algumas consequências que decorrem dela”, pondera o Papa. Massimo Faggiolli, ao analisar o documento, ressalta o cuidado em sua elaboração, que, paradoxalmente, é a fonte das controvérsias e, ao mesmo tempo, a razão pela qual nenhum dos lados do debate pode alegar “vitória” ou “derrota”.
A edição 483 da revista IHU On-Line, Amoris Laetitia e a ‘ética do possível’. Limites e possibilidades de um documento sobre ‘a família’, hoje, abordou a exortação apostólica trazendo uma série de pontos de vista sobre o tema. Todd A. Salzman e Michael G. Lawler, professores da Teologia da Universidade de Creighton, nos Estados Unidos, e autores do livro A Pessoa sexual. Por uma antropologia católica renovada (São Leopoldo: Editora Unisinos, 2012), em artigo publicado na edição apontam que o texto de Amoris Laetitiaassinala “o início de uma Igreja mais aberta, compreensiva, convidativa e misericordiosa e esperamos que, assim como está moldando um desenvolvimento orgânico da abordagem pastoral de questões morais, vá além, no longo prazo, para moldar também um desenvolvimento da doutrina da teologia moral católica relacionada a questões controvertidas da ética matrimonial e sexual”, concluem Salzman e Lawler.
Um feixe de luz no quarto escuro da pedofilia
Sem dúvida, um dos principais desafios do atual pontífice diz respeito aos casos de pedofilia em que pesa sobre a Igreja centenas de acusações. Em 2016, o filme vencedor do Oscar, Spotlight – Segredos Revelados (2015), que retrata casos de abusos sexuais ocorridos em Boston, nos Estados Unidos, durante a década de 1990, deu ainda mais visibilidade ao tema. No mesmo ano, na América Latina, o drama vivido por jovens chilenos foi retratado na obra El bosque de Karadima (2015). Tais produções cinematográficas, entre outras, destapam uma gigantesca ferida aberta na Igreja Católica, jogando o tema no debate da cena pública.
Sem ser tratado como tabu, atualmente a problemática tem sido percebida pela Igreja como uma tragédia. Por ocasião do prêmio da academia norte-americana de cinema de 2016, o cardeal Sean P. O’Malley divulgou uma nota afirmando o seguinte. “Ao fornecer reportagens em profundidade sobre a história da crise de abuso sexual clerical, a mídia levou a Igreja a reconhecer os crimes e pecados de seus funcionários e a começar a encarar os seus erros, o dano feito às vítimas e suas famílias e as necessidades dos sobreviventes”, ponderou.
O mundo da pedofilia dentro do catolicismo deixou o subterrâneo da história para se tornar um dos principais desafios contemporâneos a Francisco, colocando em xeque suas intenções pessoais e a capacidade da Igreja de lidar com tema tão delicado. Uma das principais questões ainda em aberto, apesar das inúmeras investigações, é saber como a questão dos abusos sexuais tornou-se um fenômeno global dentro da Igreja, pensando-a como um acontecimento histórico. O vento que arrancou a sujeira debaixo do tapete romano espalhou as peças do quebra-cabeças, que agora tenta ser remontado.
“Ainda não temos uma visão clara de exatamente quando e onde os casos de abuso sexual começaram na Igreja global. Já passamos muito do momento de acreditar que isso aconteceu apenas nos Estados Unidos durante o período que se seguiu ao Concílio Vaticano II (1962-1965). Ainda não temos uma cronologia dos abusos sexuais do clero em todo o mundo. Mas isso não deve impedir que comecemos imediatamente a refletir sobre a eclesiologia dos abusos sexuais clericais e como ele está ligado à necessidade de reforma institucional e cultural na Igreja”, frisa Massimo Faggiolli.
Ainda que certos setores esperem posições mais claras e firmes do pontífice em relação aos casos de pedofilia dentro da Igreja, o que parece estar em curso é uma profunda transformação nas relações entre o centro a periferia do catolicismo. Esses movimentos são típicos das crises que assolam a história da igreja fundada por Pedro. Essa é a face eclesial de um dos limites da modernidade, que é a crença na hierarquia dos representantes. Se a forma hegemônica de seleção do bispado tinha mais a ver à adesão às políticas vaticanistas, o pontificado de Francisco reposiciona o eixo histórico, mais pelo exemplo que por formalizações, exigindo dos bispos mais capacidade de servirem à missão pastoralque às hierarquias de Roma. Se por um lado isso presume um desafio sem precedentes, de outro relega à Igreja a missão inaciana de encarar os dilemas com audácia, imaginação e coragem.
Transformar os abusos sexuais em uma marca, ainda que indelével, do passado exige o esforço de percorrer muitos caminhos. O papa Francisco, durante sua passagem pelo Peru, em janeiro de 2018, disse aos jesuítas que “o abuso nessas congregações é sempre o fruto de uma mentalidade ligada ao poder que deve ser sanada em suas raízes malignas. E acrescento que são três níveis de abuso que vão juntos: abuso de autoridade – o que significa misturar os foros interno e externo –, abuso sexual e enredos econômicos”. No fundo, a crítica do Papa remete à necessidade de se reconstruir a Igreja (e esse é maior desafio de todos) a partir daquilo que poderia ser considerado seu mantra desde o primeiro gesto papal, ou seja, a obsessão por uma “Igreja pobre” e de uma “Igreja para os pobres”. Vem dessa horizontalização das relações, de uma dessacralização do pontífice e do pontificado, uma resposta, que é individual e coletiva, à crise dos abusos sexuais.
Um desafio de gênero
Papa Francisco é o pontífice mais progressista desde o fim do Concílio Vaticano II, mas está longe de ser feminista. A conclusão que fecha a frase anterior é de Mary Hunt, teóloga feminista, cofundadora e codiretora da Women’s Alliance for Theology, Ethics and Ritual – WATER. Outra dificuldade importante diz respeito aos limites de se pensar a posição do Vaticano como um claro ou escuro totalmente definido, isso porque historicamente há posições que reforçam uma postura misógina da Igreja, mas há também, ainda que em gestos muito sutis, uma maior abertura ao feminismo cristão. “Não há mudanças estruturais na Igreja institucional para sinalizar um reconhecimento da igualdade das mulheres, nem há movimentos para alterar a linguagem e o imaginário sobre o divino para refletir o todo da criação. Pelo contrário, há uma aceitação implícita do feminismo, mas segundo a definição singular própria do Vaticano”, descreve Hunt.
O apelo da opinião pública em relação aos casos de abusos sexuais na Igreja acaba sendo mais estridente que o da igualdade de gênero porque é capaz de compor um campo semântico maior e com apoio mais amplos, inclusive de certos setores de viés mais conservador. Contudo, quando se trata das minorias políticas de gênero, a luta tende a ficar mais restrita à militância feminina e LGBTIs, dada uma certa antipatia a priori em sociedades marcadamente machistas. A percepção construída em torno do papa Francisco nesse contexto oscila entre, na melhor das hipóteses, uma posição confusa e, na pior, uma posição horrível. “Francisco designou várias mulheres para coordenar agências no Vaticano. Elas são, porém, previsivelmente conservadoras e estão a lidar com questões de família. Então é difícil dizer que ele não tem promovido a mulher, mas é igualmente difícil dizer que está promovendo mulheres que sejam outra coisa que não clones ideológicos dos homens que as nomearam”, complexifica Hunt.
Se para muitos Francisco representa uma virada profética, para Mary Hunt isso não ocorre em relação às mulheres. Uma instituição de dois mil anos move-se lentamente e custa a desprender-se dos fardos do tempo. A misoginia encrustada na tradição católicaconfigura-se em um dos tremendos desafios a este e aos futuros pontificados. Apesar dos avanços e limites de Francisco nesta agenda, o temor de um retrocesso permanece vivo. “O meu medo é que a reação negativa a Francisco se expresse na eleição de um Papa mais conservador da próxima vez. É provável que quaisquer ganhos que Francisco tenha feito na questão das finanças, nas tomadas de decisão locais a respeito das anulações matrimoniais, por exemplo, sejam rapidamente revertidas”, pontua Hunt.
Crônica de uma novidade anunciada
Mas voltemos no tempo. Lembremos da noite romana de 13 de março de 2013, quando Jean-Louis Pierre Tauran foi ao balcão da Basílica de São Pedro e proferiu a célebre expressão: “Annuntio vobis gaudium magnum; habemus Papam!”. Em seguida completou: “Eminentissimum ac reverendissimum Dominum, Dominum Georgium Marium Sanctae Romanae Ecclesiae…”. Dito em latim, o nome continuou uma incógnita para grande parte da audiência, fosse na Praça São Pedro, fosse nas centenas de canais de televisão que transmitiram o anúncio. Quando a gritaria acalmou e Bergoglio finalmente apareceu ao público, a surpresa transformou-se em choque. “Foram três choques ao mesmo tempo, porque eram três estreias de uma vez só. A lista de estreias veio em cascata à minha mente, e era difícil deglutir todas elas: O primeiro papa jesuíta. O primeiro papa do hemisfério sul. O primeiro papa a ter o distinto e santo nome de Francisco”, assinala James Martin, editor- chefe da revista America, no texto de apresentação da edição comemorativa aos cinco anos do pontificado, relembrando a noite do anúncio em que estava na ABC News, nos Estados Unidos, para falar sobre o novo pontífice.
Quando as cortinas da basílica se abriram para o novo Papa, o pano do tempo revelou seu capricho. Quando os dilemas da modernidade pareciam ter jogado a Igreja Católica na encruzilhada derradeira, onde parecia não haver mais possibilidade de encaixe entre os evidentes sinais de esgotamento de um tempo (a modernidade) e uma instituição incapaz de dar respostas ao seus enigmas, surge Francisco, o Papa. Quando pensávamos estar diante do fim o mundo é que surge o Papa do fim do mundo, como ele próprio se descreveu.
Diante dos prognósticos que anunciavam o inevitável fim da civilização humana, como um fim que todos sabiam, tal qual o assassinato de Santiago Nasar no romance de Gabriel Garcia Márquez, o papa Francisco aparece não como figura salvadora, mas como alguém obcecado por uma Igreja em movimento, uma Igreja em saída, que encontrou nos pobres, nos refugiados, nos desempregados, nos marginalizados, nas crianças e nas mulheres a cara do Cristo e do amor misericordioso. Sem se colocar como um messias enviado por providência divina, senão por uma feliz causalidade do mais surpreendente conclave do último século, papa Franciscoé um zeloso defensor da casa comum e do amor destemido, que convoca a todos à missão, antes humana que pastoral, de defender a vida dos mais frágeis e todas as formas de vida. Como disse Raniero La Valle em tom de provocação e convocação, “se o papel histórico é de parar o fim, então ele deve ser assumido como uma tarefa. Neste caso, nós, o que fazemos?”.
Contribuição de Leonardo Boff
Passaram-se já cinco anos do papado de Francisco, bispo de Roma e Papa da Igreja universal. Muitos fizeram balanços minuciosos e brilhantes sobre essa nova primavera que irrompeu na Igreja. De minha parte enfatizo apenas alguns pontos que interessam à nossa realidade.
O primeiro deles é a revolução feita na figura do papado, vivida em pessoa por ele mesmo. Não é mais o Papa imperial com todos os símbolos, herdados dos imperadores romanos. Ele se apresenta como simples pessoa como quem vem do povo. Sua primeira palavra de saudação foi dizer aos fiéis”buona sera”: boa noite. Em seguida, anunciou-se como bispo de Roma, chamado a dirigir no amor a Igreja que está no mundo inteiro . Antes de ele mesmo dar a benção oficial, pediu que o povo o abençoasse. E foi morar não num palácio – o que teria feito chorar Francisco de Assis – mas numa casa de hóspedes. E come junto com eles.
O segundo ponto importante é anunciar o evangelho como alegria, como superabundância de sentido de viver e menos como doutrinas dos catecismos. Não se trata de levar Cristo ao mundo secularizado. Mas descobrir sua presença nele pela sede de espiritualidade que se nota em todas as partes.
O terceiro ponto é colocar no centro de sua atividade três pólos: o encontro com o Cristo vivo, o amor apaixonado pelos pobres e o cuidado da Mãe Terra. O centro é Cristo e não o Papa. O encontro vivo com Cristo tem o primado sobre a doutrina.
Em vez da lei anuncia incansavelmente a misericórdia e a revolução da ternura, como o disse, falando aos bispos brasileiros em sua viagem ao nosso país.
O amor aos pobres foi expresso na sua primeria intervenção oficial:”como gostaria que a Igreja fosse a Igreja dos pobres”. Foi ao encontro do refugiados que chegavam à ilha de Lampeduza no sul da Itália. Ai disse palavras duras contra certo tipo de civilização moderna que perdeu o sentido da solidariedade e não sabe mais chorar sobre o sofrimento de seus semelhantes.
Suscitou o alarme ecológico com sua encíclica Laudato Si:sobre o cuidado da Casa Comum (2015), dirigida a toda a humanidade. Mostra clara consciência dos riscos que o sistema-vida e o sistema-Terra correm. Por isso expande o discurso ecológico para além do ambientalismo. Diz enfaticamente que devemos fazer uma revolução ecológica global(n.5). A ecologia é integral e não apenas verde, pois involucra a sociedade, a política, a cultura, a educação, a vida cotidiana e a espiritualidade. Une o grito dos pobres com o grito da Terra(n. 49). Convida-nos a sentir como nossa a dor da natureza, pois todos somos interligados e envolvidos numa teia de relações. Convoca-nos a “alimentar uma paixão pelo cuidado do mundo….uma mística que nos anima, nos impele, motiva e encoraja e dá sentido à ação pessoal e comunitária”(n. 216).
O quarto ponto significativo foi apresentar a Igreja não um castelo fechado e cercado de inimigos, mas um hospital de campanha que a todos acolhe sem reparar sua extração de classe, de cor ou de religião. É uma Igreja em permanente saida para os outros especialmente para as periferias existenciais que grassam no mundo inteiro. Ela deve servir de alento, infundir esperança e mostrar um Cristo que veio para nos ensinar a viver como irmãos e irmãs, no amor, na igualdade, na justiça, abertos ao Pai que tem características de Mãe de misericórdia e de bondade.
Por fim, mostra clara consciência de que o evangelho se opõe às potências desse mundo que acumulam absurdamente, deixando na miséria grande parte da humanidade. Vivemos sob um sistema que coloca o dinheiro no centro e que é assassino dos pobres e um depredador dos bens e serviço da natureza. Contra esses tem as mais duras palavras.
Dialoga com todas as tradições religiosas e espirituais. No lava-pés da Quinta-Feira Santa estava uma menina muçulmana. Quer as Igrejas, co m suas diferenças, unidas no serviço ao mundo especialmente aos mais desamparados. É o verdadeiro ecumenismo de missão.
Com esse Papa que “vem do fim do mundo” se encerra uma Igreja só ocidental e começa uma Igreja universal, adequada à fase planetária da humanidade, chamada a encarnar-se nas várias culturas e construir ai um novo rosto a partir da riqueza inesgotável do evangelho.
Contribuição de Maria Aparecida Avelino Cordeiro
Cinco anos do pontificado do papa Francisco. Cinco anos de uma história que começou com uma grande expectativa. Como seria esse Papa? E hoje Francisco está aí, cada dia nos surpreendendo com seus gestos e atitudes. Francisco veio para fazer a diferença entre nós. Veio com um olhar voltado para as necessidades da igreja e do seu povo. Quebra muitos protocolos para chegar mais perto das pessoas. Na sua catequese tem sempre uma mensagem de acolhida. Está sempre questionando atitudes e regras dentro e fora da Igreja. Sempre com sugestões, propostas para sermos mais irmãos, mais fraternos, mais solidários, mais humanos… Francisco não se preocupa com status, com pompas, com luxo… Francisco está voltado para o Evangelho, com uma preocupação em levar Jesus a todas as pessoas, de um modo particular aqueles mais distantes, excluídos e desamparados pela sociedade e as vezes até pela própria Igreja.
É assim que eu avaliei esses cinco anos do seu pontificado. Um Papa presente na vida do povo e comprometido com o anúncio do Evangelho.