O cântico que, nas antigas liturgias, introduz a festa de Natal (o invitatório) começa dizendo: “Hoje, o Cristo nasceu para nós. Vinde e o adoremos”. A beleza da música e a consolação dessas palavras encantaram gerações. Até que alguém começou a perguntar quem seriam esse nós destinatários da salvação. O evangelho responde que o Cristo veio para toda a humanidade. Até hoje, ressoa o cântico que, segundo Lucas, os mensageiros de Deus entoaram na noite de Belém: “Glória a Deus no mais alto céu e Paz na terra a todos os seres humanos, aos quais Deus quer bem”.
Hoje, mais do que nunca, é urgente que a mensagem de paz do Natal atinja toda a humanidade, independentemente de quem é religioso ou não e seja qual for a sua crença.
É um apelo para que o amor seja nossa opção de vida e isso signifique um encorajamento de esperança que confirme: esse mundo tem salvação e todos temos que testemunhar isso com nossa vida.
Na primeira noite de Natal, o anúncio do nascimento de Jesus se deu fora dos templos e se dirigiu, em primeiro lugar, aos pastores do campo, na época, pessoas marginalizadas pela sociedade e pela religião oficial. O Talmud chega a aconselhar: “Não ensines a teu filho a função de pastor porque estarias indicando a ele uma profissão de ladrões e marginais”. Esse tipo de gente foi a que Deus escolheu para enviar os seus mensageiros a anunciar uma mensagem de alegria e libertação a toda a humanidade: “Hoje, nasceu para vós um Salvador e ele o será para toda a humanidade“. É importante entrarmos nessa de Deus e, hoje, novamente, crermos que os portadores e primeiros portadores da Boa Nova da Libertação são os pobres e marginalizados do mundo. Antes eram excluídos. Agora tratam de exterminá-los, extingui-los.
Como o anúncio dos anjos aos pastores, essa mensagem de alegria e paz oferecida no Natal é dada a todas as pessoas, mas, de fato, a partir dos mais pobres. Do mundo dos grandes, as notícias são inquietantes. Trump opta pela guerra e pelo massacre ao oficializar Jerusalém como capital de Israel. Perto de nós, quase a cada dia, o bando que tomou o poder declara o seu descompromisso o grande desamor em relação aos mais pobres.
A palavra do Natal vem através de vozes diferentes. Os povos indígenas propõem o Bem-viver como paradigma cultural para toda a humanidade. Lavradores sem-terra defendem as sementes crioulas e proclamam a água como bem comum, direito de todo ser vivo. Em cidades grandes, trabalhadores sem-teto armam acampamentos que são verdadeiras profecias de solidariedade humana. Como diz o papa Francisco, ao lutarem por Terra, Trabalho e Teto, as organizações sociais tecem poesias de esperança para o mundo. São os profetas desse Natal. Por falar no Papa, de todos os rincões do mundo, pessoas das mais diferentes religiões e culturas o acolhem como mensageiro divino nesse Natal.
Em sua mensagem à humanidade, o papa Francisco nos diz:
“ O Natal costuma ser uma festa ruidosa. Há muito barulho; nos faria muito bem um pouco mais de silêncio para ouvirmos a voz do Amor.
Natal é você quando decide nascer de novo, cada dia, deixando que Deus penetre em seu interior.
(…) A luz do Natal é você quando ilumina com sua vida o caminho dos outros, através da bondade, paciência, alegria e generosidade.
Os anjos do Natal são você quando canta ao mundo uma mensagem de paz, de justiça e de amor.
(…) A melodia do Natal é você quando consegue encontrar harmonia interior.
O presente de Natal é você quando é verdadeiramente irmão/ã e amigo/a de todo ser humano.
O cartão de Natal é você quando a bondade está escrita em suas mãos.
A felicidade do Natal é você quando perdoa e restabelece a paz, mesmo que ainda esteja sofrendo.
O presépio do Natal é você quando sacia de pão e de esperança o pobre que está ao seu lado.
Você é sim a noite de Natal, quando, humilde e consciente, no silêncio da noite, recebe o Salvador do mundo, sem barulhos, nem celebrações.
Você é sorriso de confiança e ternura na paz de um Natal perene que estabelece o reino em você.
Um feliz Natal para todos e todas que se parecem ao Natal”.
Marcelo Barros é monge beneditino, escritor e teólogo biblista brasileiro. Em 1969 foi ordenado padre por Dom Helder Camara e, durante quase dez anos, de 1967 a 1976, trabalhou como secretário e assessor de Dom Hélder para assuntos ecumênicos. É membro da Comissão Teológica da Associação Ecumênica dos Teólogos do Terceiro Mundo (ASETT), que reúne teólogos da América Latina, África, Ásia e ainda minorias negras e indígenas da América do Norte.