10 anos da Conferência de Aparecida: uma provocante análise teológico-pastoral do teólogo Agenor Brighenti

O que tem impedido a Igreja avançar para comunidades de fé formadas por cristãos que assumem o seguimento de Jesus como discípulos/as missionários? Será o medo de perder a própria identidade no processo de conversão pastoral? Será a compreensão teológico-pastoral do sacramento da ordem com a perda irreparável da centralidade do Batismo? Será o fracasso eclesial de tornar bispos, padres e diáconos pastores, servidores e animadores do povo de Deus? Será a impossibilidade de tornar a estrutura paroquial plataforma para uma Igreja em saída missionária? Será o clericalismo que impede a formação e o protagonismo do laicato? Será o desafio de concretizar uma dinâmica formativa e participativa que concretize na Igreja uma dinâmica “toda ministerial”? Será o desafio de (re)pensar a própria compreensão de missão renunciando a toda pretensão autorreferencial da instituição?

Leia a reflexão do teólogo Agenor Brighenti:

Entrevista com Agenor Brighenti

Avaliação dos dez anos de caminhada eclesial após a Conferência de Aparecida

“Tivemos depois a surpresa do pontificado do papa Francisco que projetou Aparecida por meio da Evangelii Gaudium e o documento ganhou relevância. Hoje, a reflexão teológica e o magistério da Igreja convergem. Temos um Papa que dá muitas esperanças à caminhada da Igreja na América Latina. Mas nos últimos dez anos podemos dizer que estamos ainda iniciando esse processo de colocar a Igreja em saída na perspectiva missionária”.

“Hoje temos uma visão distinta daquela que predominou nos últimos 20 anos que era um projeto de reafirmar a Instituição, restringir-se aos católicos afastados e enfrentar as ‘seitas’”.

“A missão hoje se entende como oferecer gratuitamente a mensagem do Evangelho. Tornar o Reino de Deus presente nas diversas realidades por meio da Igreja, mas ao mesmo tempo, interagindo com outras mediações numa perspectiva ecumênica e inter-religiosa e com as instituições numa parceria”.

“A Evangelii Gaudium de Francisco não só resgata Aparecida como abre a perspectiva de avanço na direção de continuar a renovação do Vaticano II”.

Por Jaime C. Patias

Após dez anos da Conferência de Aparecida, o 6º Simpósio de Missiologia, que aconteceu em Brasília (DF), avaliou os avanços e as resistências na implementação de suas propostas para uma Igreja missionária. O evento reuniu, nos dias 20 a 24/02/2017, no Centro Cultural Missionário (CCM), cerca de 70 pessoas entre teólogos/as, missiólogos/as, pesquisadores/as, representantes de instituições missionárias e agentes de pastoral de todo o Brasil.

Para falar sobre os “(Des)compassos de uma Igreja em saída: dez anos após Aparecida”, o Simpósio recebeu, na quarta-feira, dia 22/02/2017, o padre Agenor Brighenti, professor no Programa de Pós-graduação em Teologia da PUC-Paraná. Brighenti é doutor em Ciências Teológicas e Religiosas na Universidade Católica de Louvain (Bélgica), especializado em Pastoral Social e Planejamento Pastoral e licenciado em Filosofia.

Em entrevista, o teólogo destaca os desafios e perspectivas do Projeto da V Conferência do CELAM. Confira:

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Agenor Brighenti

1. Qual a sua avaliação dos dez anos da Conferência de Aparecida?
Aparecida foi uma grata surpresa. O Documento foi muito mais avançado do que parecia em sua preparação. Foi bem recebido pela Igreja ainda que de maneira tímida e com algumas controvérsias. Tivemos depois a surpresa do pontificado do papa Francisco que projetou Aparecida por meio da Evangelii Gaudium e o documento ganhou relevância. Hoje, a reflexão teológica e o magistério da Igreja convergem. Temos um papa que dá muitas esperanças à caminhada da Igreja na América Latina. Mas nos últimos dez anos podemos dizer que estamos ainda iniciando esse processo de colocar a Igreja em saída na perspectiva missionária dentro de uma visão distinta daquela que predominou nos últimos 20 anos que era um projeto de reafirmar a Instituição, restringir-se aos católicos afastados e enfrentar as “seitas”. A missão hoje se entende como oferecer gratuitamente a mensagem do Evangelho. Tornar o Reino de Deus presente nas diversas realidades por meio da Igreja, mas ao mesmo tempo, interagindo com outras mediações numa perspectiva ecumênica e inter-religiosa e com as instituições numa parceria.

A missão hoje se entende como oferecer gratuitamente a mensagem do Evangelho. Tornar o Reino de Deus presente nas diversas realidades por meio da Igreja, mas ao mesmo tempo, interagindo com outras mediações numa perspectiva ecumênica e inter-religiosa e com as instituições numa parceria.

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2. Quais seriam os obstáculos encontrados na implementação do Projeto de Aparecida?
As dificuldades são múltiplas. Talvez esbarramos em uma estrutura de Igreja como a paróquia que não é missionária e que às vezes tem à frente um perfil de clero, que apesar das influências do Vaticano II, tem perpetuado o clericalismo em detrimento de uma Igreja com o protagonismo do laicato que deveria exercer o papel principal. Depois temos o laicato que carece de uma formação mais profunda para assumir o seu protagonismo. As oportunidades cresceram, mas ainda temos uma dívida com o laicato que deveria abraçar a proposta de Aparecida de maneira mais consciente.

Esbarramos em uma estrutura de Igreja como a paróquia que não é missionária e que às vezes tem à frente um perfil de clero, que apesar das influências do Vaticano II, tem perpetuado o clericalismo em detrimento de uma Igreja com o protagonismo do laicato que deveria exercer o papel principal.

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3. Em sua palestra o senhor afirmou que Aparecida representou 500 anos de avanço, mas que chegou à década de 1960. O que quis dizer com isso?
O Vaticano II procurou atualizar a Igreja depois de praticamente 500 anos de defasagem frente à Reforma Protestante e à modernidade. Mas logo em seguida, tivemos muitas dificuldades para levar à diante a atualização (aggiornamento) do Concílio e aconteceu não só uma estagnação, mas um retrocesso em vários campos: liturgia, teologia, eclesiologia e visão de mundo.

As últimas décadas foram marcadas por aquilo que se chamou de involução eclesial, uma volta ao fundamento e à tradição. Nesse sentido, Aparecida evitou um retrocesso ainda maior.

Assim foi um avanço por que resgatou o Vaticano II e, portanto, nos colocou na década de 1960. Só que nós precisamos ir muito além trazendo para o novo contexto do século XXI as teses do Concílio que continuam estagnadas. Aparecida também precisa avançar. Nesse sentido, a Evangelii Gaudium de Francisco não só resgata Aparecida como abre a perspectiva de avanço na direção de continuar a renovação do Vaticano II.

Tivemos muitas dificuldades para levar à diante a atualização (aggiornamento) do Concílio e aconteceu não só uma estagnação, mas um retrocesso em vários campos: liturgia, teologia, eclesiologia e visão de mundo.

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Foto do 6º Simpósio de Missiologia

4. Dizem que a dificuldade de consenso está na eclesiologia, na cristologia e na teologia.
Quando Aparecida fala que a renovação do Vaticano II está estancada e que faltou coragem para avançar, coloca como referenciais a questão da eclesiologia, uma nova autoconsciência de Igreja. A Constituição Dogmática Lumen Gentium (sobre a Igreja) e a Gaudium et Spes (sobre a Igreja no mundo de hoje) colocam a Igreja na ordem do dia, mas um dos obstáculos para poder avançar é criar consenso em torno do conceito de Igreja conforme o Concílio Vaticano II. Isso por que existem outras eclesiologias vindas do projeto de neocristandade e da cristandade que acabam sendo um ponto de estrangulamento na pastoral.

Aparecida também cita espiritualidades que não estão sintonizadas com a ótica do Concílio que bebe nas fontes bíblicas e da patrística. Existem espiritualidades que não são eclesiais, ou seja, alicerçadas na tradição milenar da Igreja. Tem certos grupos, movimentos e obras que respondem a objetivos imediatos e particulares ou para consumo individual e não em base à uma fé eclesial. Além dessa questão de espiritualidade temos a compreensão de uma Igreja toda ela ministerial. Existe uma dificuldade em colocar os bispos, padres e diáconos nessa perspectiva ministerial. A tendência é sempre reafirmar que são eles quem comandam, quando na realidade todos os ministérios nascem do Batismo. Esse é um ponto difícil hoje por que existe um certo medo de perder a identidade. O Concílio propôs uma renovação em todos os campos da Igreja e infelizmente nós não estamos sintonizados com essas propostas.

A tendência é sempre reafirmar que são os bispos, padres e diáconos quem comandam, quando na realidade todos os ministérios nascem do Batismo.

O Simpósio

Além de incentivar o debate missiológico o Simpósio de Missiologia visa contribuir com a preparação do 4º Congresso Missionário Nacional a ser realizado nos dias 7 a 10 de setembro de 2017, em Recife (PE), com o tema “A alegria do Evangelho para uma Igreja em saída. Este 4º Congresso por sua vez, prepara o 5º Congresso Americano Missionário (CAM 5), que acontecerá na Bolívia, em 2018. O Simpósio é promovido todos os anos pela Rede Ecumênica Latino Americana de Missiólogos e Missiólogas (Relami), o Centro Cultural Missionário de Brasília (CCM), as Pontifícias Obras Missionárias (POM).

Fonte:

www.pom.org.br