Morreu no Recife (PE), na noite deste sábado (25/03/2017), Dom Marcelo Pinto Carvalheira aos 88 anos. Ele foi o primeiro bispo da Diocese de Guarabira e arcebispo da Paraíba. Deixa um grande testemunho, homem de Deus, alguém que cultivou profunda fé no Deus da Vida. Foi alguém que viveu na simplicidade e, juntamente com Dom Helder Câmara e Dom Antônio Fragoso, participou da luta eclesial e sociopolítica pelos mais pobres e contra a desigualdade social e a ditadura militar. Quem conviveu com ele ou o conheceu de perto o lembrará pela sensibilidade para lidar com as adversidades e conflitos humanos e pelo seu compromisso com o Reino de Deus.
Foi monge beneditino e ordenado padre no dia 28 de fevereiro de 1953, em Roma. Como padre, foi Professor de Teologia no Seminário de Olinda; Diretor Espiritual do Seminário; primeiro reitor do Seminário Regional do Nordeste Olinda; Assistente Eclesiástico da Ação Católica e Subsecretário do Regional Nordeste II da CNBB. Neste período, Dom Marcelo foi um dos mais importantes colaboradores de Dom Hélder Câmara. Durante o regime militar no Brasil, defendeu os líderes católicos perseguidos, sendo ele mesmo preso e torturado.
Foi nomeado bispo auxiliar da Paraíba, recebendo a sé titular de Bitilio, que abrangia 25 cidades, em 29 de outubro de 1975, sendo ordenado bispo, aos 47 anos, em 27 de dezembro de 1975, pelas mãos de Dom Helder Pessoa Câmara, Dom Aloísio Lorscheider e Dom José Maria Pires. Em 9 de novembro de 1981, aos 53 anos, foi designado bispo da recém criada Diocese de Guarabira, na Paraíba. Em 29 de novembro de 1995 foi designado para ser Arcebispo da Arquidiocese da Paraíba, múnus que exerceu até 5 de maio de 2004. Como bispo e arcebispo, foi membro da Comissão Episcopal de Pastoral da CNBB Nacional (1987-1991 e 1995-1998), responsável pelo setor Leigos e CEBs; Vice-Presidente da CNBB Nacional (1998 a 2004). Participou do Sínodo dos Bispos sobre os Leigos e da Quarta Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano]], em Santo Domingo. Foi delegado à Assembléia Especial do Sínodo dos Bispos para a América por eleição da Assembléia da CNBB e confirmado pelo Papa João Paulo II (1997).
Um testemunho sobre Dom Marcelo Carvalheira
Quem teve a graça de conhecer Dom Marcelo, na plenitude da sua consciência, e de privar do seu convívio mesmo que por pouco tempo, decerto pôde ver e sentir a sua aura de respeitabilidade, fé sincera e franciscana simplicidade. Místico, culto e de uma dimensão humana reservada a poucos, Dom Marcelo acabava por arranhar, muitas vezes, as convicções dos mais persistentes no ideário de ser a vida apenas um breve lampejo entre duas trevas infinitas, sem antes nem depois. Nesses casos, resumia:
“O reino de Deus era de todos e para todos, mesmo daqueles arredios aos mistérios da Eucaristia, porém, discretos, conseguem ter mais gestos cristãos do que tantos outros, assíduos dos templos, mas vazios de compaixão para com o semelhante”.
Ele trazia na mente, no coração e nos gestos, o desejo de ver o homem resgatado em sua dignidade no plano terreno, sem ser humilhado, sem ser escravo de ninguém. Insistia em ver o tal homem com acesso a bens sociais como educação e saúde, com direito a moradia e trabalho dignos.
Se vivesse no campo, um pouco de terra para trabalhar sem ser “alugado” de ninguém. Mesmo na hipótese de trabalhar para alguém, ajudava na luta para que recebesse a justa paga por uma jornada humanamente razoável e minimamente segura. Por certo entendia ser o homem muito mais suscetível ao pecado vivendo miseravelmente na terra, sem poder usufruir das dádivas da natureza, comuns a todos, como o sol e a chuva, propriedades de ninguém. O seu episcopado foi marcado pela Coragem no enfrentamento de desigualdades seculares. Sua passagem pela nossa aldeia deixou marcas que o tempo dificilmente apagará.
Quando recebeu uma cusparada no rosto de um rebelado no presídio regional, tirou a camisa que vestia e deu para que o presidiário se agasalhasse na madrugada chuvosa e fria. Na mesma noite, em um telefonema, pediu para que acordassem o governador de então para tratar de uma questão que classificou como sendo de “vida ou morte”. Depois do contato com o governador, o diretor da casa penal foi exonerado e ele voltou ainda insone para dar a notícia aos presos.
Assim era Dom Marcelo. Viveu verdadeiramente para e com os pobres e desvalidos e não deles. Lutou para dar-lhes uma melhor qualidade de vida na terra e, somente depois, os deixar a mercê do livre arbítrio, com uma melhor capacidade de fazer suas escolhas, um pouco mais em pé de igualdade, saciados da fome de comida e principalmente da sede de justiça.
Para isso criou, enquanto Bispo, um bem articulado núcleo de defesa dos direitos humanos e um serviço de educação popular, dentre vários outros organismos ligados à Diocese, com os mesmos fundamentos que balizaram a sua ação pastoral. Tais organismos eram, muitas vezes, mantidos através de doações de cristãos da Europa, onde o seu nome e o seu trabalho até hoje repercutem.
Fonte:
Dom Marcelo Pinto Carvalheira; foi o pai dos pobres na Paraiba. Eternas saudades do nosso Dom da Ternura.
Com dedicação Adriano de Lima.