Dia 12 de outubro celebra-se a festa de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Nesta data os católicos brasileiros se voltam, com amor e devoção, para aquela que emergiu das águas do Rio Paraíba a fim de ensinar-lhes o caminho verdadeiro, que é o Evangelho de seu Filho Jesus. Inspiradora de artistas e cantores, de poetas e religiosos, Nossa Senhora Aparecida, a virgem negra encontrada nas águas tem sido objeto de muitas lindas palavras e canções. A saudosa Elis Regina dizia pungentemente à santa “não saber rezar, mas só querer mostrar seu olhar, seu olhar, seu olhar…” E o rei Roberto Carlos encantou o Brasil de norte a sul cantando o manto azul da Senhora Aparecida e pedindo-lhe que “lhe desse a mão e cuidasse do seu coração”.
A história da aparição da Aparecida em nossas terras é realmente de proteção maternal e se dirigiu preferencialmente àqueles que se encontravam mais desvalidos e oprimidos. As duas etnias mais oprimidas da América Latina foram a indígena e a africana, que foi arrancada do solo pátrio da África e trazida acorrentada para o horror da escravidão. Por séculos o povo africano veio para países como Colômbia ou Brasil, onde trabalhou em desumanas condições, sendo considerado propriedade dos fazendeiros e dos senhores que tinham o direito de vendê-los como mercadoria, sendo torturados e golpeados até a morte. As mulheres africanas foram abusadas e escravizadas sexualmente pelos proprietários de terras de quem tiveram filhos que foram igualmente escravizados.
A abolição da escravatura aconteceu lentamente através do continente. O Brasil foi o último a abolir essa abominação. Na cultura brasileira a presença dos afrodescendentes é importante e constitutiva da identidade do povo. Não chega, portanto, a surpreender que em 1717 a aparição de uma estátua nas águas do rio Paraíba, em São Paulo, se tenha tornado devoção de tal importância para todo o povo. Era a estátua da Virgem Maria, que se tornou negra por causa do longo tempo mergulhada nas águas do rio. A estátua foi encontrada por um pobre pescador, João Alves, que lutou durante horas para encontrar um peixe sem conseguir. O conde de Assumar, governador do distrito de São Paulo, estava na cidade e era necessário preparar-lhe uma boa refeição. As autoridades pediram a João Alves que conseguisse um bom e grande peixe para receber o ilustre visitante.
Em vez de um peixe, ele tirou do rio uma estátua negra sem a cabeça. Quando tentou as águas novamente a cabeça veio. Era a estátua da Virgem Maria, chamada Aparecida porque havia “aparecido” nas águas. Desde este tempo, Nossa Senhora da Conceição Aparecida se tornou uma devoção muito importante para o povo brasileiro, além de ser a padroeira do Brasil. As investigações sobre as origens da estátua apontam para um monge que viveu no Rio de Janeiro, conhecido pelo nome de Frei Agostinho de Jesus. A devoção a Nossa Senhora da Conceição era muito difundida em Portugal, e por isso a misteriosa virgem negra foi chamada “Da Conceição Aparecida”.
A razão pela qual a estátua se encontrava nas águas do Paraíba foi também objeto de uma crença popular. Parece que havia uma serpente muito venenosa no rio, e todos estavam com medo do réptil. Os portugueses haviam trazido a devoção de uma Virgem branca e europeia, para a América. A estátua de Frei Agostinho foi jogada nas águas para expulsar a serpente e o perigo que representava e para proteger o povo. As águas do rio Paraíba escureceram a estátua, que absorveu a cor da água e se identificou assim com o povo oprimido, os escravos negros.
Nossa Senhora Aparecida entrou na vida dos pobres de nosso país e se tornou a Mãe a quem todos podem recorrer e clamar por socorro – especialmente o povo africano escravizado. Dentre os muitos casos e milagres operados pela Virgem, um é o mais famoso. Um escravo negro pediu a seu senhor se podia rezar diante do santuário de Nossa Senhora. Obtendo a permissão, começou a rezar e de repente todas as cadeias que estavam em volta de seu pescoço, pés e mãos foram quebradas e caíram ao chão. Até o dia de hoje estas cadeias estão expostas no santuário a fim de nunca esquecer o amor e a força libertadora de Maria, a Aparecida, para com seus filhos, os escravos negros.
Os africanos e seus descendentes ainda são oprimidos e discriminados hoje no Brasil. Eles podem encontrar em Maria no sentido de sua aparição uma proteção e referência de amor, carinho e cuidado. Mesmo se são fiéis de outras religiões, como o Candomblé e a Umbanda, sentem-se atraídos e acolhidos no regaço maternal de Maria como filhos amados por uma mãe que entende suas lutas e consola suas dores.
Neste 12 de outubro, o Brasil tem muito a pedir à Mãe Aparecida. Vivemos momentos terríveis, de crise, de violência, de incerteza. Possa a padroeira do Brasil tomar-nos ao colo e a nosso ouvido sussurrar palavras de consolo e esperança. Mostremos-lhe nosso olhar, deixemos que ela cuide de nós. E que nos mostre o caminho para dias melhores, que sempre passarão pelo não esquecimento dos pobres e de todos que padecem qualquer tipo de discriminação. Virgem Mãe Aparecida, roga por nós e por nossos filhos.
Maria Clara Bingemer é teóloga, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio. É vice-presidente da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião – SOTER. É autora, dentre muitas outras obras, de “O mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença”, Editora Rocco.