Na luta por uma indenização justa, atingidos defendem a própria Matriz de Danos.
Às vésperas de completar 04 anos do crime socioambiental que causou danos e sofrimento há milhares de pessoas, atingidos pela barragem de Fundão ainda lutam por uma indenização justa e defendem sua própria Matriz de Danos. Trata-se de uma batalha desigual, em que de um lado estão as comunidades atingidas e do outro todo o poderio da Fundação Renova/Samarco junto à Vale e a BHP Billiton, as duas maiores mineradoras do mundo.
Nessa luta que parece interminável, atingidos de Mariana construíram, junto à Assessoria Técnica da Cáritas Regional Minas Gerais e pesquisadores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Agroequilibra, uma ferramenta essencial: a Matriz de Danos.
Para Gladston Figueiredo, coordenador da Assessoria Técnica, a matriz dos atingidos representa um avanço e é um contraponto fundamental no processo de indenização, “isso porque ela se contrapõem a uma proposta de indenização feita pela Fundação Renova através de uma matriz de danos que não dialoga com a realidade dos atingidos e que não contou com a participação deles na construção”.
De acordo com Figueiredo, a Fundação Renova/Samarco não reconhece uma série de danos apontados e valorados na Matriz de Danos construída pela Cáritas Minas Gerais e parceiros junto aos atingidos. “A matriz dos atingidos é um instrumento de luta também nesse sentido, para que haja a reparação integral”, conclui.
A Matriz de Danos dos atingidos apresenta a valoração para as perdas e danos, tanto imateriais quanto materiais, causados pelo rompimento da barragem de Fundão e foi construída com base nos dados levantados no processo de cadastramento conduzido pela Cáritas em Mariana.
Maria das Dores Gonçalves, moradora de Paracatu de Baixo que hoje vive na área urbana de Mariana, conta que um dos principais danos causados pelas empresas desde o dia 5 de novembro de 2015 é a perda do sossego.
“Lá em Paracatu eu dormia de porta aberta e aqui eu tenho que trancar tudo. Não é só a casa, a gente perdeu a casa, o sossego, a dignidade. A gente perdeu tudo. Todos esses danos que eles fizeram estão colocados na nossa Matriz, desde as mínimas coisas até o maior. Isso precisa ser reparado mesmo”.
Na última terça (22/10/2019), a Assessoria Técnica, os pesquisadores da UFMG ligados à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead) e ao Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) apresentaram para as pessoas atingidas o eixo dos danos aos Bens Materiais, fechando o ciclo de apresentação da Matriz. A luta agora é pelo reconhecimento desse instrumento que foi construído com metodologia e fundamentação baseados em parâmetros técnicos e científicos. Para a assessora da Cáritas Regional Minas, Isabella Walter, a Matriz deve mesmo ser defendida. “Mais do que pelos valores, é pelos métodos utilizados que precisamos lutar, esse é o diferencial da Matriz dos atingidos”, destaca.
De acordo com Maria das Dores Gonçalves, só a união do povo na luta é capaz de fazer a Fundação Renova/Samarco reconhecer a Matriz de Danos dos atingidos:
“Agora é brigar muito. Juntar todo mundo e começar a correr atrás para eles aceitarem nossa matriz”. Para a atingida de 67 anos, uma proposta de indenização injusta seria o mesmo que ampliar as violações sofridas desde o rompimento da barragem. “Eles têm que apresentar uma proposta que pelo menos o atingido não se sinta tão agredido de novo. Se não a gente se sente atingido tudo de novo”, afirma.
Encerramento de um ciclo
O objetivo da Matriz de Danos é incorporar as dimensões dos prejuízos sofridos, assim como qualificá-los, a fim de basear as indenizações dos atingidos. O ciclo de apresentações da Matriz de Danos começou nos dias 8 e 9 de agosto de 2019, com a exposição do eixo sobre Danos Imateriais para as comunidades atingidas, em Mariana. A apresentação contou com a participação das pesquisadoras da UFRRJ. Dar início a essa discussão pelos danos imateriais justifica-se pelos graves prejuízos dessa ordem sofridos pelas pessoas atingidas.
Já nos dias 27 e 28 de agosto de 2019, a Assessoria Técnica da Cáritas Minas, pesquisadores do Cedeplar e do Ipead (UFMG) apresentaram segunda parte da Matriz de Danos, referentes às Atividades Econômicas. Neste eixo, foi abordado o reconhecimento das rendas relativas ao trabalho, que se aplicam para atingidos e atingidas que perderam ou tiveram suas fontes de rendas prejudicadas após o rompimento da barragem de Fundão. Além disso, foi apresentada a proposta de indenização inerente às perdas de renda nas atividades empresariais, que aplica-se a pequenas firmas ou estabelecimentos, formalizados ou não.
O terceiro eixo da Matriz de Danos, com a apresentação da proposta de valoração Agrossilvipastoril, Plantio e Criação Animal, foi apresentada pela Cáritas junto aos pesquisadores da Agroequilibra nos dias 4 e 5 de outubro de 2019. A atribuição de valores da perda de renda é baseado em um cálculo do valor do salário por hora (estimada por base de dado) multiplicado pelo tempo. O valor do salário por hora varia de acordo com as diferentes funções ocupadas pelas pessoas, bem como o setor de atividade econômica em que o trabalho era realizado.
A quarta e última apresentação da Matriz de Danos, realizada nos dias 22 e 23 de outubro de 2019, trouxe as metodologias e valorações para os Bens Materiais Móveis e Imóveis a partir do conceito de “valor de mercado”. Nesse eixo, a matriz apresenta ainda a valoração da autoprodução, realidade muito comum entre as pessoas atingidas, que, geralmente, assumiram a responsabilidade pelo gerenciamento e construção das moradias que foram destruídas ou isoladas pela lama de rejeitos desde 2015.
Por Ellen Barros e Crislen Machado, comunicadoras populares da Cáritas Regional Minas Gerais em Mariana.
Fonte:
Atingidos por Barragens bloqueiam via em Mariana no dia 05 de novembro de 2019
No dia que completa quatro anos do crime socioambiental das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, cerca de 200 atingidos por barragens nas bacias do rio Doce, do rio Paraopeba e do rio Jequitinhonha bloqueiam a MG 129 – saída para Barão de Cocais – em Mariana na manhã desta terça-feira (5/11/2019).
A insatisfação dos atingidos é na reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão feito pela empresa publicitária das mineradoras, Fundação Renova, que cumpre o papel de enrolar os atingidos, negar direitos e criar conflitos nas comunidades na bacia do Rio Doce.
Os atingidos questionam a volta da operação da mineradora Samarco, no momento que não existe a reparação socioambiental na bacia do rio Doce e no litoral do Espírito Santo. Há quase uma semana, a empresa obteve a Licença de Operação Corretiva (LOC), liberada pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) denuncia que a Fundação Renova tem a tarefa de enrolar os atingidos. Passados quatro anos, os atingidos estão longe de ver seus problemas resolvidos. São 362 famílias que não tiveram reassentamento coletivo e milhares de trabalhadores sem empregos. São pescadores, agricultores e comerciantes sem fonte de renda e não obtiveram nenhuma reparação.
Os atingidos pressionam para a contratação imediata das Assessorias Técnicas escolhidas pelas comunidades atingidas em dezembro de 2018 e homologadas em agosto de 2019. As Assessorias Técnicas são um importante instrumento técnico para subsidiar a luta na garantia dos direitos dos atingidos.
A Vale Destrói, o Povo Constrói!
Os atingidos permanecem unidos e organizados na luta por direitos humanos em Minas Gerais e contra os crimes da mineração. A atividade faz parte da Jornada de Lutas dos Atingidos – A Vale Destrói, o Povo Constrói – que tem como eixo a construção solidária de um lar para uma família atingida de Barra Longa.
Fonte: