“No Brasil esse pacto social está em franca deterioração. Sem vacina, sem direitos, sem empregos. O cenário é assustador… Nesta “economia dos bicos”, empresas oferecem trabalhos eventuais sem vínculo empregatício. “Uberização” é isso: jornadas de trabalho extenuantes e exclusão da legislação protetora do trabalho. Depois da reforma trabalhista, em 2017, houve desmonte as convenções trabalhistas, além da insegurança jurídica nas relações de trabalho. A Organização Internacional do Trabalho, na semana passada, colocou o Brasil entre os 39 países suspeitos de violação de convenções trabalhistas… A crise atual é extremamente grave. 2021 entra para a história como o pior ano do mercado de trabalho. Estamos no fundo do poço. Que este 1º de Maio fortaleça a unidade para enfrentar os dois maiores inimigos dos trabalhadores: a destruição do país como política do governo bolsonarista e o coronavírus.”
Confira a reflexão do prof. dr. Élio Gasda, SJ
O cenário mostra a fragilidade e a trágica realidade brasileira
“O trabalho é o centro de todo pacto social. Homens e mulheres nutrem-se de trabalho: com o trabalho estão ‘ungidos de dignidade’. Quando não se trabalha, ou se trabalha mal, se trabalha pouco ou demais, é a democracia que está em crise, é todo o pacto social”.
Papa Francisco
No Brasil esse pacto social está em franca deterioração. Sem vacina, sem direitos, sem empregos. O cenário é assustador. Em um ano, segundo o IBGE, o total de desempregados cresceu 20%. O país fechou 8 milhões de vagas em 2020. O número de desalentados aumentou 25% (6 milhões). A população fora da força de trabalho soma 77 milhões. O emprego na indústria caiu 11% (1,5 milhão de vagas). 5 milhões deixaram de ter um emprego protegido (carteira assinada); 2 milhões se juntaram aos trabalhadores por conta própria, que agora são 25 milhões; 40% dos ocupados são informais; 32 milhões estão desocupados ou trabalham em condições muito precárias, com meia jornada; 10 milhões foram para o home office; 12 milhões colocados na inatividade em decorrência do distanciamento social; 11 milhões tiveram seus contratos de trabalho suspensos ou reduziram a jornada; 68 milhões dependem do auxílio emergencial. A massa de rendimento médio do trabalho caiu 7% em um ano. Isso significa menos R$ 16 bilhões na economia.
Um pesadelo! O quadro é dramático para jovens, mulheres e negros. A juventude, que representa 28% da população, está angustiada. Quem fica parado não têm como adquirir conhecimento e experiência para ingressar no mercado de trabalho. A disparidade de renda é muito desfavorável à mulher. A discriminação racial é gritante: 72,9% dos desocupados se declaram pretos ou pardos.
A pandemia colocou o setor de tecnologia no centro da economia
A convergência entre o Covid-19 e a Indústria 4.0 trouxeram desafios. Nasce outro mundo do trabalho. A Inteligência Artificial está remodelando nossa vida. Empresas-plataforma conectam consumidores, varejistas e trabalhadores em situação de desespero. Nesta “economia dos bicos”, empresas oferecem trabalhos eventuais sem vínculo empregatício.
“Uberização” é isso: jornadas de trabalho extenuantes e exclusão da legislação protetora do trabalho. Depois da reforma trabalhista, em 2017, houve desmonte das convenções trabalhistas, além da insegurança jurídica nas relações de trabalho. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) na semana passada, colocou o Brasil entre os 39 países suspeitos de violação de convenções trabalhistas. O país está na chamada “lista negra” da OIT. Eis o custo social do bolsonarismo!
Se não tivesse tanta gente desempregada, não teria gente trabalhando a qualquer preço e se expondo a esse tipo de trabalho. O que aumenta as taxas de trabalhadores sem emprego e sem renda e derruba a economia é o neoliberalismo radical de Guedes/Bolsonaro.
A crise no mundo do trabalho é resultado de opções políticas
Segundo papa Francisco, a crise no mundo do trabalho é resultado de opções políticas: “O desemprego, a informalidade e a destruição de direitos trabalhistas são o resultado de uma opção social previa, de um sistema econômico que coloca os lucros acima das pessoas”. Para Francisco, a solidariedade é a melhor forma de resistência:
“Solidariedade é uma palavra que expressa muito mais do que alguns gestos de generosidade esporádicos. É pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. É lutar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, a terra e a casa, a negação dos direitos sociais e laborais. É enfrentar aos efeitos destrutivos do império do dinheiro”.
Papa Francisco, Fratelli tutti, n. 116
Os pobres, quando se organizam, conseguem criar “sua economia” e sua “política”. Crises sociais confirmam a urgência de mudar os rumos da economia.
Três princípios podem inspirar uma transformação em vista de uma economia mais humana:
- Prioridade das pessoas sobre o capital;
- Trabalho como direito universal e humano;
- Igualdade e não discriminação.
É desumano que pessoas morram de fome em plena Quarta Revolução Industrial. Renda básica deve estar na pauta ao lado de outras políticas públicas:
“[…] Numa sociedade realmente desenvolvida, o trabalho é uma dimensão essencial da vida social, porque não é só um modo de ganhar o pão, mas também um meio para o crescimento pessoal, para estabelecer relações sadias, expressar-se a si próprio, partilhar dons, sentir-se corresponsável no desenvolvimento do mundo e, finalmente, viver como povo”.
Papa Francisco, Fratelli tutti, n. 162
Não existe outra forma de sair do desastre social e deter a destruição ambiental sem uma profunda transformação econômica.
A crise atual é extremamente grave. 2021 entra para a história como o pior ano do mercado de trabalho. Estamos no fundo do poço. Que este 1º de Maio fortaleça a unidade para enfrentar os dois maiores inimigos dos trabalhadores: a destruição do país como política do governo bolsonarista e o coronavírus.
(Adaptação e grifos, Edward Guimarães, para o Observatório da Evangelização)
Sobre o autor:
Élio Gasda é jesuíta, doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje. Sua reflexão teológica sobre os desafios e urgências da contemporaneidade, à luz da Fé, da Ética e dos princípios estruturantes da Doutrina Social da Igreja, vem contribuindo significativamente na caminhada do movimentos populares, as pastorais sociais, grupos diversos e lideranças comprometidas com a transformação das estruturas injustas da sociedade e a cultura da paz fundada na justiça e na fraternidade. Além de inúmeros artigos, dentre seus livros destacamos: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016). O Observatório da Evangelização tem publicado aqui alguns de seus artigos.