O impacto da pandemia nas comunidades indígenas da Amazônia tem sido um duro golpe para uma sociedade marcada pelo cuidado com a vida. Muitos foram embora, e isso deixou uma lembrança de saudade que não será fácil de superar. Numa tentativa de aliviar a dor, a Rádio Ucamara, na cidade de Nauta, na Amazônia peruana, fez um vídeo com um grupo de crianças no qual eles se expressam sobre tudo o que aconteceu nos últimos meses.
Como Daniela Andrade conta, “Sonhei com meu avô, e nesse sonho ele me disse algo que me havia dito quando estava vivo: Você tem um coração muito forte. Agora posso entender porque ele sempre disse isso“, disse Miguel Angel, quando perguntamos às crianças como elas haviam vivenciado a quarentena.
Através das vozes das crianças, Daniela Andrade está nos ajudando a entender uma realidade que excede nossa capacidade de compreender, ainda mais quando se trata de crianças. Isto é o que acontece com Jack, que esfrega suas mãozinhas nos olhos, que se enchem de lágrimas, como se expulsasse tudo o que havia sido guardado por muito tempo. Ele disse que seus primos ficaram sem sua mãe e isso foi muito triste. “Mamãe, quem vai cuidar de nós se você e meu papai morrerem por causa da COVID-19?“, perguntou Martin, de 9 anos, à mãe dele. Quantas coisas devem ter passado pela cabeça dele antes de ele chegar a essa pergunta!
A pandemia ajudou os pequenos indígenas da cidade de Nauta a ter uma visão diferente da realidade, como diz Miguel, porque “quando olhei para a rua, tudo estava vazio e escuro. Durante este tempo, comecei a desenhar e criar quadrinhos e personagens, percebi que sou bom com meu lápis”. Com a quarentena veio o silêncio, uma oportunidade para algo diferente, “no silêncio, você pode ouvir os passarinhos, os sapos“.
As crianças não estavam alheias ao que estava acontecendo, não só perto delas, mas em todo o mundo, porque, como diziam, na TV todos os dias havia notícias dos mortos, que em todos os países morriam pessoas e isso era assustador: “Eu não queria que nada acontecesse com minha família“. Esta é Melissa, que aos 11 anos de idade experimentou como que com a quarentena veio o medo, uma angústia que não tinha explicação, uma rotina que tinha muitas proibições.
Mas também na Amazônia, muitas famílias que vivem na cidade optaram por se isolar e retornar às suas chácaras. Os povos amazônicos sempre buscaram seus próprios caminhos para superar as ameaças externas, algo que lhes permitiu sobreviver até hoje. Jack se lembra do que fez durante aquele tempo de isolamento, “lá nos banhamos na ravina, comemos o caimito que já estava caindo, os cantos dos animais, eles nos faziam sentir como se nada estivesse acontecendo“. Ele e sua família vivem em um dos muitos assentamentos humanos presentes nas cidades amazônicas, verdadeiros aglomerados de casas onde a quarentena é quase impossível. É por isso que deixaram a cidade para ir para sua comunidade, com a quarentena vieram os distanciamentos.
As crianças também contam como os povos indígenas, diante do abandono dos estados, que em muitos casos não cuidaram da saúde do povo, recorreram à medicina natural e aos cuidados tradicionais, tão típicos das culturas desses povos originários. “Minha mãe costumava fazer chá com alho, toranja, cebola. Costumávamos nos lavar com muco e sachajo. Este chá era muito ruim, mas eu ainda o bebi porque não queria pegar a doença. Um dia fiquei com febre e tosse, e com aqueles chás que minha mãe nos deu, ficamos curados“, diz Maria Celeste, 8 anos. Segundo a menina, “Em minha comunidade, durante a quarentena, meu avô me explicou sobre as plantas e para que elas serviam. Não houve atenção no posto médico e todos nós tomamos preparados vegetais, e ninguém morreu”.
As crianças tiveram que cuidar de seus irmãos mais novos: “Eu costumava cuidar de meu irmãozinho, porque meus pais saíam para trabalhar“, diz um deles. Isto foi agravado pelo fato de que muitas crianças na Amazônia passavam fome, outras não conseguiam se conectar com suas aulas virtuais. Alguns caíram na luta contra a pandemia. Muitos nasceram, quebrando o silêncio com seu choro, como uma canção de vida nova.
Os pequenos não perderam a esperança de dias melhores, “queremos ver novamente as pessoas que amamos, embora tenhamos tido que estar distantes, os corações não foram separados. Não gostamos de usar a máscara, mas podemos ver com nossos olhos, quando as pessoas estão rindo“. Uma nova leitura da vida que nos ensina e uma sociedade que pode descobrir neles a força daqueles que não desistem em seus esforços para continuar sonhando.
Por esta razão, Daniela Andrade nos lembra que as crianças da Amazônia viveram esta pandemia a partir de seus sonhos, de sua história, da compreensão de sua sensibilidade e de suas formas de ver o mundo, como o medo e a dor monopolizaram o planeta. Elas também sentiram o abandono, a injustiça, os estômagos vazios. Na Amazônia, muitas crianças sofrem de anemia grave, seus corpos também têm alergias e hematomas devido à poluição e à indiferença. Mas seus rostos também são as mesmas razões para a humanidade insistir em novas formas de ser, de viver juntos após saírem deste confinamento. Eles são as grandes vítimas dos estados desta região.
E são as crianças “com um coração muito forte, por menor que seja” que, de sua esperança, de sua canção, de sua coragem, como grandes heróis nestes tempos, nos desafiam, que é possível unir corações e construir tempos melhores.
(Os grifos são nossos)
Assista ao vídeo das crianças indígenas:
Sobre o autor:
Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manaus – AM. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador do Observatório da Evangelização e em diferentes sites e revistas.
A seguir, a versão do texto em espanhol, confira:
Ɨatsaku – Corazón valiente: la pandemia del Covid-19 a los ojos de los niños indígenas
El impacto de la pandemia en las comunidades indígenas de la Amazonía ha supuesto un duro golpe para una sociedad marcada por el cuidado de la vida. Son muchos los que se han ido, y eso ha dejado un recuerdo de nostalgia que no será fácil de superar. En una tentativa de paliar el dolor, Radio Ucamara, en la ciudad de Nauta, Amazonía peruana, ha realizado un vídeo con un grupo de niños y niñas en el que hace una lectura de todo lo pasado en los últimos meses.
Como relata Daniela Andrade, “Yo le soñé a mi abuelito, y en ese sueño me decía algo que me había dicho cuando vivía: Tienes un corazón muy fuerte”. Ahora recién puedo comprender, porqué me decía eso siempre”, nos contó Miguel Ángel, cuando preguntamos a los niños y niñas, cómo habían vivido la cuarentena.
A través de las voces infantiles, Daniela Andrade nos va ayudando a entender una realidad que supera nuestra capacidad de comprensión, mucho más cuando se trata de niños. Es lo que pasa con Jack, que restriega sus manitas contra sus ojos, que se llenaron de lágrimas, como expulsando todo lo que había estado guardado por mucho tiempo. Contó que sus primos se quedaron sin su madre y que eso era muy triste. “Mami, quién nos va a cuidar si tú y mi papi se mueren porque se contagian de COVID-19”, preguntó Martín de 9 años a su mamá. ¡Cuántas cosas habrán pasado por su mente hasta llegar a esa pregunta!
La pandemia ha ayudado a que los pequeños indígenas de la ciudad de Nauta tengan una visión diferente de la realidad, como dice Miguel, pues “cuando me asomaba a la calle, todo estaba vacío y oscuro”. En este tiempo, comencé a dibujar y a crear historietas y personajes, me di cuenta que soy bueno con mi lápiz. Con la cuarentena llegó el silencio, una oportunidad para algo diferente, “en el silencio, se pueden escuchar a los pajaritos, a los sapos”.
Los niños no han sido ajenos a lo que estaba pasando, no solo cerca de ellos, sino en todo el mundo, pues como ellos mismos afirmaban, en la tele, todos los días salían noticias de muertos, de que en todos los países la gente se estaba muriendo y eso asustaba, “yo no quería que le pase nada a mi familia”. Quien así habla es Melissa, quien a sus 11 años experimentó como con la cuarentena llegó el miedo, una angustia que no tenía explicación, una rutina que tenía muchas prohibiciones.
Pero también en la Amazonía muchas familias que viven en la ciudad, optaron por aislarse y regresar a sus chacras. Los pueblos amazónicos siempre han buscado sus propias salidas ante las amenazas externas, algo que les ha permitido sobrevivir. Jack recuerda lo que hacía en ese tiempo de aislamiento, “ahí nos bañábamos en la quebrada, comíamos el caimito que ya estaba cayendo, los cantos de los animales, nos hacían sentir como que nada estaba pasando”. Él junto con su familia viven en uno de los muchos asentamientos humanos presentes en las ciudades amazónicas, verdaderos aglomerados de casas donde hacer cuarentena es algo casi imposible. Por eso, dejaron la ciudad para irse a su comunidad, con la cuarenta llegó el distanciamiento.
Los niños también cuentan como los pueblos indígenas, ante el abandono de los estados, que en muchos casos no han cuidado de la salud de la gente, recurrieron a la medicina natural y los cuidados tradicionales, tan propios es esas culturas de los pueblos originarios. “Mi mamá preparaba un té con ajo, toronja, kion. Nos lavábamos con mucura y sachajo. Ese té era bien feo, pero yo igual le tomaba porque no quería contagiarme. Un día me agarró la fiebre y la tos y con esos tés que nos daba mi mamá nos hemos curado”, nos cuenta María Celeste, de 8 años. Según la pequeña, “en mi comunidad, durante la cuarentena mi abuelito me explicó sobre las plantas y para qué servían. No había atención en la posta médica y todos hemos tomado preparados de vegetales, y nadie se ha muerto”.
Los niños han tenido que asumir el cuidado de sus hermanos más pequeños, “yo le cuidaba a mi hermanito, porque mis papás salían a trabajar”, relata uno de ellos. A ello se ha unido el hecho de que muchos niños y niñas en la Amazonía pasaron hambre, otros no podían conectarse a sus clases virtuales. Algunos cayeron en la lucha contra la pandemia. Muchos nacieron, rompiendo con su grito, el silencio, como un canto de vida nueva.
Los más pequeños no han perdido la esperanza en días mejores, “queremos volver a ver a la gente que queremos, aunque hemos tenido que estar distanciados, los corazones no se han separado. No nos gusta usar la mascarilla, pero podemos ver con las señas de los ojos, cuando la gente se está riendo”. Una nueva lectura de la vida que les enseña a ellos y a una sociedad que puede descubrir en ellos la fuerza de quien no desiste en su empeño de continuar soñando.
Por eso, Daniela Andrade no recuerda que los niños y niñas de la Amazonía han vivido esta pandemia desde sus sueños, desde su historia, comprendiendo desde su sensibilidad y sus formas de ver el mundo, cómo el miedo y el dolor ha acaparado el planeta. Han sentido el abandono también, la injusticia, los estómagos vacíos. En la Amazonía muchos niños sufren de anemia severa, sus cuerpos también tienen alergias y magulladuras por la contaminación y la indiferencia. Pero sus rostros son también las mismas razones para que la humanidad insista en nuevas formas de ser, de convivir al salir de este encierro. Ellos son los grandes deudos de los Estados en esta región.
Y son los niños y niñas “con un corazón muy fuerte, no importa que sean chiquitos” los que, desde su esperanza, desde su canto, su valentía, como grandes héroes en estos tiempos, nos interpelan, que es posible unir corazones y construir tiempos mejores.